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Como a ciência pode ajudar a libertar Kathleen Folbigg, 'a pior assassina em série da história da Austrália'

Quentin McDermott

Da BBC em Sydney (Austrália)

12/03/2021 18h10

Australiana foi condenada a 30 anos de prisão em 2003 por matar seus quatro filhos, mas há evidências científicas crescentes de que as crianças podem ter morrido de causas naturais.

Kathleen Folbigg  - Fairfax Media/Getty Images - Fairfax Media/Getty Images
Kathleen Folbigg está presa há 18 anos pela morte de seus quatro filhos
Imagem: Fairfax Media/Getty Images

Conhecida como "a pior assassina em série da Austrália" em seu julgamento em 2003, Kathleen Folbigg já passou quase 18 anos na prisão depois de ser condenada pelo homicídio culposo de seu primogênito Caleb e o assassinato de seus três filhos subsequentes, Patrick, Sarah e Laura.

As crianças morreram uma após a outra, ainda bebês, ao longo de um período de dez anos.

Folbigg foi acusada de ter sufocado todos eles.

No entanto, evidências científicas têm dado força a outra narrativa: a de que as crianças morreram todas de causas naturais. E isso pode virar o caso de cabeça para baixo.

Na semana passada, 90 eminentes cientistas, defensores da ciência e especialistas médicos entregaram um abaixo-assinado ao governador do Estado de Nova Gales do Sul, pedindo o perdão de Folbigg e sua libertação imediata.

Entre os signatários estão dois ganhadores do prêmio Nobel, duas pessoas nomeadas 'Australianos do Ano', o ex-Cientista-Chefe e presidente da Academia Australiana de Ciências, professor John Shine, que comentou: "Dadas as evidências científicas e médicas que agora existem em neste caso, assinar esta petição era a coisa certa a fazer".

Se Folbigg for libertada e suas condenações forem de fato anuladas, seu calvário será visto como o pior erro judicial da história australiana.

Será ainda pior do que o famoso caso da neozelandesa Lindy Chamberlain, que cumpriu três anos de prisão na Austrália depois de ser injustamente condenada pelo assassinato de seu bebê, Azaria (história que foi transformada em 1988 no filme Um Grito no Escuro, com a atriz Meryl Streep no papel de Chamberlain).

Kathleen Folbigg (à esquerda) durante seu julgamento por assassinato em 2003 - The Sidney Morning Herald/Getty Images - The Sidney Morning Herald/Getty Images
Kathleen Folbigg (à esquerda) durante seu julgamento por assassinato em 2003
Imagem: The Sidney Morning Herald/Getty Images

O abaixo-assinado denuncia um preocupante abismo, neste caso, entre a ciência e o direito.

Ao longo de vários recursos e uma investigação detalhada, que reexaminou as condenações de Folbigg em 2019, os juízes australianos rejeitaram categoricamente a noção de dúvida razoável em seu caso, dando mais peso às evidências circunstanciais apresentadas em seu julgamento e às ambíguas anotações escritas em seu diário, nas quais ela falava sobre as crianças e como se sentia diante da ausência delas.

"A única conclusão razoável continua sendo que alguém prejudicou intencionalmente as crianças, e o método óbvio era sufocá-las", disse Reginald Blanch, um ex-juiz que liderou a investigação.

"As evidências não apontavam para ninguém além de Folbigg", observou ele.

O governo de Nova Gales do Sul disse ao público, há dois anos, que "nenhuma pedra foi deixada sobre pedra".

Mas a ciência aponta cada vez mais para dúvidas razoáveis sobre as mortes.

"A ciência, neste caso, é convincente e não pode ser ignorada", disse o professor Jozef Gecz, pesquisador e geneticista humano.

Por sua vez, a professora Fiona Stanley, pesquisadora infantil e de saúde pública, disse: "É profundamente perturbador que as evidências médicas e científicas tenham sido ignoradas em favor das evidências circunstanciais".

"Agora temos uma explicação alternativa para as mortes das crianças Folbigg."

Descoberta científica

Essa explicação alternativa está na recente descoberta de uma mutação genética em Kathleen Folbigg e suas duas filhas mortas que os cientistas dizem ser "provavelmente patogênica" e que, acreditam eles, teria causado a morte das duas meninas, Sarah e Laura.

Uma mutação genética diferente foi descoberta nos dois meninos, Caleb e Patrick, embora os cientistas reconheçam que mais pesquisas são necessárias aqui.

A descoberta inicial do gene mutante das duas meninas, CALM2 G114R, foi feita em 2019 por uma equipe liderada por Carola Vinuesa, professora de imunologia e medicina genômica da Universidade Nacional Australiana, e forte defensora da petição para libertar Folbigg.

"Encontramos uma nova mutação, nunca antes relatada em Sarah e Laura, que foi herdada de Kathleen", disse Vinuesa à BBC.

"A variante estava em um gene chamado CALM2 (que codifica a calmodulina). As variantes da calmodulina podem causar morte cardíaca súbita."

Em novembro do ano passado, cientistas da Austrália, Dinamarca, França, Itália, Canadá e Estados Unidos relataram as novas descobertas na prestigiosa revista científica Europace, publicada pela Sociedade Europeia de Cardiologia.

Carola Vinuesa - ANU - ANU
O estudo da professora Carola Vinuesa levou à descoberta do gene mutante
Imagem: ANU

A equipe na Dinamarca, liderada pelo professor Michael Toft Overgaard, da Universidade Aalborg, conduziu experimentos projetados para testar a patogenicidade da variante CALM2.

Eles constataram que os efeitos da mutação de Folbigg eram tão graves quanto os de outras variantes CALM conhecidas, que costumam causar parada cardíaca e morte súbita, mesmo em crianças pequenas enquanto dormem.

Os cientistas afirmaram: "Consideramos que a variante provavelmente precipitou a morte natural das duas meninas."

Ambas as meninas sofreram infecções antes de morrer, e os cientistas sugeriram que "suas infecções intercorrentes podem ter desencadeado um evento arrítmico fatal."

Eles também relataram que Caleb e Patrick carregavam duas variantes raras do gene BSN, que pode causar epilepsia fatal em camundongos.

As recentes descobertas genéticas baseiam-se nas opiniões de especialistas médicos anteriores, apoiando a teoria de que todas as quatro crianças morreram de causas naturais.

Stephen Cordner, um patologista forense baseado em Melbourne, reexaminou as autópsias das crianças em 2015 e concluiu que: "Não há suporte patológico forense positivo para a alegação de que qualquer uma ou todas essas crianças foram assassinadas."

"Não há sinais de asfixia", acrescentou.

Três anos depois, em 2018, o patologista forense Matthew Orde, professor clínico adjunto da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, disse à emissora pública australiana ABC: "Em essência, concordo com o professor Cordner que essas quatro mortes infantis podem ser explicadas por causas naturais" .

Folbigg sempre alegou ser inocente.