Uma árvore faz barulho ao cair se ninguém estiver lá para escutar? A resposta da ciência e da filosofia
Pergunta aparentemente simples intrigou grandes pensadores durante séculos.
Imagine uma vasta floresta repleta de árvores altas, algumas com centenas de anos. Uma delas, mais velha do que as outras, está morta há um tempo. Com a força do vento, começa a se despedaçar e, em pouco tempo, cai.
Mas eis a questão: esta árvore vai fazer barulho ao cair se ninguém estiver lá para ouvir?
É uma pergunta aparentemente simples que intrigou grandes pensadores durante séculos. E, se também despertou uma curiosidade irresistível em você, sinta-se convidado a explorá-la conosco.
Mas vale deixar avisado: a viagem é longa e vai levá-lo a lugares inesperados.
Antes de nos embrenhar por esse labirinto, Stefan Bleeck, especialista em psicoacústica do Instituto de Pesquisa de Som e Vibração da Universidade de Southampton, no Reino Unido, sugere que esclareçamos algo fundamental.
Se a árvore cai na floresta, o que ela produz é uma onda de partículas que vibram no ar.
"Efetivamente", diz ele.
"Se não há ninguém para escutar, não há som, mas isso não significa que não haja ondas sonoras ou acústicas que têm um efeito no meio ambiente."
O interessante, na opinião de Bleeck, é que a pergunta nos faz pensar sobre a relação entre a física e o mundo exterior diante do que acontece em nossas mentes.
"O que acontece dentro de nossas cabeças é privado e subjetivo", acrescenta.
Bleeck tem uma maneira surpreendente de mostrar o quão particular é essa relação entre o mundo exterior e o que está acontecendo em nossas mentes.
Se puder, ouça o áudio a seguir e tente encontrar o momento em que a nota musical atinge sua frequência mais alta.
Trata-se de uma ilusão auditiva chamada escala contínua de Risset ou glissando Shepard - Risset, na qual a nota musical parece estar aumentando de tom eternamente.
"É uma demonstração que torna imediatamente óbvio que o que você está escutando não pode ser verdade."
O efeito é como a famosa Escada de Penrose, que dá a sensação de que os degraus estão constantemente subindo (ou descendo, dependendo da direção), quando na verdade você está andando em círculos (ou melhor, em quadrados... melhor ver para entender).
"O cérebro cria uma ilusão de percepção que não está realmente conectada aos estímulos físicos. E é muito difícil identificar o que realmente está acontecendo."
É como se nosso cérebro criasse uma história a partir de um conjunto complexo de estímulos e, em alguns casos, como este, não coincide com o que realmente está acontecendo.
Isso porque qualquer coisa que percebemos como som se deve a minúsculas células ciliadas no ouvido interno que se movem dentro de um fluido em uma estrutura em espiral chamada cóclea.
Quando as vibrações agitam o líquido coclear, são desencadeados minúsculos impulsos nervosos, pequenos picos de eletricidade que viajam para o cérebro.
"Uma vez que algo está na linguagem desses picos, está na linguagem do cérebro —como a eletricidade em um computador—, o que se percebe depende da interpretação."
"Nesse momento, deixa de ser som para ser uma tradução."
Portanto, de acordo com Bleeck, o som é algo criado por picos de eletricidade em nosso cérebro; sem isso, nada mais é do que partículas vibratórias.
Temos então a resposta para a pergunta "se uma árvore cair na floresta e ninguém estiver por perto para escutar, vai fazer algum som?"
Hummm... talvez o problema seja que a questão sempre foi um pouco mais complexa.
Nada existe?
A pergunta é um experimento de pensamento filosófico geralmente associado a um bispo irlandês do século 17 chamado George Berkeley (1685-1753), que provavelmente não a colocou desta forma, mas escreveu sobre a existência de árvores... ou melhor, sua falta de existência.
Berkeley tinha uma posição extrema sobre a natureza da realidade.
"Era um idealista que pensava que, em última análise, se uma árvore cai na floresta sem um observador, não produz som porque as árvores não caem na floresta sem um observador, já que não há árvores sem observadores", explicou à BBC Eleanor Knox, filósofa da física da Universidade King's College London, no Reino Unido.
"Para ele, eram construções ideais que dependem das mentes."
De acordo com sua teoria, as coisas realmente não existem sem a presença de uma mente.
Agora, pode ser que você discorde, seja realista, e o ponto de vista de Berkeley talvez soe absurdo para você, mas essa ideia emergiu da ciência da época.
"Ele partiu da ideia de que havia um mundo lá fora e tinha as propriedades que você via: a grama realmente é verde, e o céu é realmente azul."
"Mas então houve algumas descobertas curiosas: começamos a entender, por exemplo, que as cores são na verdade propriedades da luz, não dos objetos que nos cercam. E, assim, começaram a se acumular evidências de uma desconexão entre nós e a realidade do mundo externo."
"Isso levou alguns a pensar que, em primeiro lugar, não pode haver um mundo externo no sentido que percebemos e, em segundo lugar, que de alguma maneira o mundo que percebemos devia ter muita contribuição nossa", diz Knox.
"Se as cores não estão realmente na árvore, onde estão? Na minha mente? E se as cores estão aí, o que mais há na minha mente?"
"Esse é um dos lugares de onde vem o pensamento idealista."
Portanto, mesmo que você discorde de Berkeley, pode entender o que ele quis dizer: se algo como a cor é o resultado do nosso cérebro interpretando o comprimento de onda da luz, como podemos definir os limites?
A vida é um sonho?
Há alguma maneira de provar que o mundo externo realmente existe?
"O debate sobre a existência de um mundo externo é antigo", diz Bryan Roberts, filósofo da física da Universidade London School of Economics (LSE), no Reino Unido.
"Ao tratar deste problema em 'Meditações Metafísicas' de 1641, René Descartes (1596-1650) usou a linguagem do medo, descrevendo como seria perceber de repente que você está errado e que tudo é um sonho, e falou do terror de compreender que a realidade não é como você pensava que era."
Alguma vez você já teve dúvida de que tudo o que você acredita que seja real, realmente seja?
Talvez a ficção científica já tenha te levado a essa reflexão porque existe um experimento mental filosófico conhecido como "cérebro numa cuba" que é popular nesse gênero.
A ideia é que um cientista (benevolente ou malvado) pegou seu cérebro e o colocou em um recipiente repleto de um líquido que o mantém vivo em laboratório.
Ele o conectou a um programa de computador sofisticado que pode simular perfeitamente experiências do mundo exterior.
Sendo assim, o ceticismo cartesiano —a posição de que a dúvida é a precursora da crença, que duvida de toda ideia que pode ser duvidada e dita que só se pode dizer que existe aquilo que pode ser provado— te apresenta este argumento:
Se você não pode ter certeza de que seu cérebro não está em uma cuba (mesmo metaforicamente), não pode descartar a possibilidade de que todas as suas crenças sobre o mundo externo sejam falsas.
"Duvidar seriamente de que o mundo externo existe, produz uma sensação que é o medo na psicose; na verdade, é muito próximo da experiência de desconexão da realidade", diz Roberts.
A filosofia pode nos resgatar?
"O grande filósofo escocês David Hume tinha uma resposta." Que alívio!
"Para ele, a principal e mais reveladora objeção ao ceticismo exagerado é que nenhum bem duradouro pode resultar disso."
"Isso quer dizer que se realmente nos entregássemos à possibilidade de sermos 'um cérebro em uma cuba', nos custaria existir. Portanto, diante desse nível de ceticismo, a primeira pergunta deveria ser: será mesmo que insistir nessa pergunta nos leva a algo de bom?", indaga o filósofo da física.
Mas soa como desistir, em vez de tentar sanar as dúvidas!
Basicamente, a ideia é que, uma vez que não podemos provar com certeza absoluta que o mundo externo é real, não deveríamos continuar insistindo; é melhor supor que o mundo existe.
"Sim", confirma Roberts, "com uma pequena advertência: espero que os filósofos continuem a se apaixonar por essa grande questão porque cada vez mais se avança no caminho para respondê-la."
"Além disso, o simples fato de fazer a si mesmo essa pergunta é lindo, difícil e humano."
Para não enlouquecer
Para o propósito deste artigo e nosso bem-estar mental, vamos seguir o conselho e presumir que o mundo externo existe.
No entanto, sabemos que há coisas que só existem em nossas mentes; lembre-se de que o que escutamos é um som subjetivo produzido por um estímulo externo misturado com nossas próprias interpretações e expectativas, por exemplo. Portanto, nem sempre podemos confiar em nossos sentidos para ter uma imagem precisa desse mundo externo.
Felizmente, podemos confiar na ciência... afinal, ela tem um excelente histórico no que se refere a provar, até mesmo antecipar, que as coisas existem, embora ninguém nunca as tenha visto ou escutado.
Pense no planeta Netuno, por exemplo, que foi descoberto teoricamente por três astrônomos usando as leis da física e da matemática antes de sua existência ser confirmada com o auxílio de um telescópio, na região em que haviam previsto.
"Há muitos exemplos disso na ciência. Na cosmologia, uma das coisas que é diretamente inobservável é a energia escura, aquela substância que se afirma existir em todo o Universo e que tem um efeito em sua expansão, mas que não conseguimos detectar diretamente porque é muito tênue e sutil. "
"O mesmo acontece com os quarks individuais, ou com o futuro... ou até mesmo a experiência de outra pessoa."
Por que aceitamos que existem?
"É uma pergunta crucial e uma das principais explicações que os filósofos identificaram —e creio que os cientistas também— tem a ver com o sucesso da ciência, que prevê, explica, desfaz mitos e dá valor", diz Bryan Roberts.
"Que amiga incrível é a ciência!", exclama o filósofo.
Com razão: ela nos deu, ao longo dos séculos, uma infinidade de provas para que possamos confiar nela.
No entanto, se você é daqueles que confia na ciência, pode acabar em alguns lugares muito estranhos... aperte o cinto de segurança, pois vamos entrar no mundo da física quântica!
É confuso e estranho, mas não jogue a toalha —vale a pena visitá-lo.
Lá vamos nós!
"No século 20, a filosofia recebeu uma espécie de tapa na cara da física na forma da mecânica quântica", diz Eleanor Knox, da King's College London.
"Era de se esperar que algumas das pessoas mais obviamente realistas —no sentido de que acreditam que existe um mundo externo e que ele existe sem nós— seriam os cientistas. Afinal, são eles que fazem os experimentos."
"Mas quando surgiu a mecânica quântica, ela começou a mostrar que, ao fazer experimentos, o observador tinha uma influência nele... isso virou tanto a física quanto a filosofia completamente de cabeça para baixo."
A física quântica é a teoria de coisas realmente pequenas, como átomos e elétrons, e como tudo, no fim das contas, é composto de coisas realmente pequenas, é uma espécie de teoria de tudo.
É notoriamente estranha. Diz que coisas como partículas podem existir em mais de um estado simultaneamente, o que pode até significar que podem existir em mais de um lugar ao mesmo tempo.
Pode soar como ficção, mas parece que as partículas realmente se comportam dessa maneira: toda vez que usamos um dispositivo com um transistor —como um telefone ou laptop— estamos explorando a propriedade de superposição de partículas, de partículas que estão em dois estados ao mesmo tempo.
E isso está no cerne de uma grande questão filosófica da mecânica quântica: o problema da medição.
Os elétrons possuem uma propriedade chamada spin (rotação, em inglês), que pode ser para cima ou para baixo.
Antes de ser medido, o elétron está em ambos os estados —para cima e para baixo—, mas assim que olhamos para o elétron, essa superposição de estados colapsa em apenas um spin: para cima ou para baixo.
Por isso que ao observar o elétron, nós o mudamos.
Se tudo é feito de sistemas quânticos, isso significa que o mundo externo depende da presença de um observador?
Então, os idealistas estão certos em pensar que a realidade externa é do jeito que é somente porque estamos lá para vê-la?
"Sim", responde Knox, que, em seguida, declara:
"Quero que fique registrado que não acho que seja isso o que acontece."
"Aqui é onde mergulhamos nas águas profundas da filosofia da física."
Que os eventos dependem de um observador para ocorrer, "é algo que os livros didáticos sugerem, assim como em grande parte a 'interpretação de Copenhague' (a interpretação da mecânica quântica considerada tradicional ou ortodoxa)".
"Por isso, muitos acreditam que essa visão —a mais antiga nesse ramo da física— vai acabar em algo muito próximo do idealismo."
Ou seja, que tendem a pensar genuinamente que, se não houver observadores, certos eventos, como árvores caindo e fazendo barulho, não acontecem.
Mas nem todos estão de acordo.
Cai e não cai
"Nem todo mundo pensa que o observador é fundamental na mecânica quântica", acrescenta a filósofa.
"Na verdade, o número de pessoas que apoiam a interpretação de Copenhague tem diminuído rapidamente."
Há várias linhas de interpretação concorrentes, todas extremamente estranhas, mas que concordam que os acontecimentos, em última análise, não dependem de observadores.
No entanto, algumas dessas soluções envolvem mudanças substanciais na física, de modo que desanimam muita gente.
"É uma visão um pouco louca, que talvez você possa ter ouvido falar, mas aqueles que a propõem sugerem que esta visão é realmente o que a mecânica quântica significa. E essa visão é a interpretação de muitos mundos."
"Se você aceitar, vai pensar que as árvores podem cair e não cair ao mesmo tempo", explica Knox.
Então, toda vez que algo se passa —uma árvore cai ou um cachorro late— acontece e não acontece, e em cada caso um novo mundo é criado, de modo que terminamos com milhões de mundos?
"Sim, exatamente: se esses eventos dependem de eventos quânticos —nem todos dependem, mas provavelmente muitos dependem—, então, sim. Esses estados de superposição se separam, e você acaba com um pedaço do mundo em que uma coisa acontece e outra parte do mundo em que outra coisa acontece."
Parece um pouco absurdo!
"Sim, e eu acho que todos aqueles que defendem essa interpretação têm consciência de que ela é alucinante."
"O problema é que temos essa teoria física espetacularmente bem-sucedida, e esta é a melhor interpretação da mecânica quântica que temos."
"De modo que, se realmente parece muito inverossímil para você, você terá que encontrar uma maneira seletiva de não acreditar nas consequências dessa teoria."
Talvez você possa querer ter em mente que a mecânica quântica é muitas vezes descrita como a teoria mais bem-sucedida já formulada, tendo sido submetida por pesquisadores durante décadas a testes rigorosos, nenhum dos quais colocou em dúvida seus fundamentos.
Em suma, a filósofa da física Eleanor Knox conclui...
"Se você quer ser cientificamente realista, se pensa que existe um mundo fora de nós que a ciência está descrevendo com precisão, terá que aceitar que existem múltiplos universos paralelos."
*Este artigo é uma adaptação do programa If a tree falls in a forest... does it make a sound? ("Se uma árvore cair na floresta... faz barulho?", em tradução livre) da BBC World Service. Ouça aqui em inglês.
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