Olimpíada de Tóquio 2021: como a ciência ajuda corredores a quebrar a barreira histórica dos 10 segundos
Nas últimas duas décadas, o número de velocistas que concluíram os 100 metros masculinos em menos de 10 segundos aumentou e se diversificou. Efeito semelhante tem sido observado na corrida feminina. O que está por trás dessa evolução?
Houve um abalo sísmico no principal evento do atletismo mundial, mas provavelmente os espectadores do Estádio Olímpico de Londres nos Jogos de 2012 não perceberam.
Compreensivelmente, eles estavam distraídos pela visão de Usain Bolt voando através da linha de chegada nos 100m masculinos.
O astro jamaicano conquistou outra medalha de ouro naquela noite e estabeleceu o recorde olímpico de 9,63 segundos.
"Foi uma das melhores corridas de todos os tempos", explica Steve Haake, professor de Engenharia Esportiva na Sheffield Hallam University do Reino Unido.
Mas Haake não está apenas tecendo elogios a Bolt. Seu comentário é motivado pelo desempenho geral do pelotão: sete dos oito atletas que participaram daquela final cruzaram a linha em menos de 10 segundos ? algo sem precedentes.
Quebrada pela primeira vez em 1968, a barreira dos 10 segundos continua sendo uma grande conquista para os velocistas: um emblema de honra que os distingue de seus colegas.
Mas o número de corredores "sub-10" cresceu nos últimos anos.
Dados da World Athletics (antiga Associação Internacional de Federações de Atletismo), órgão que rege o esporte, mostram que nas quatro décadas entre 1968 e 2008, apenas 67 atletas haviam quebrado a barreira. Outros 70 ingressariam no clube nos dez anos que se seguiram.
E nos últimos dois anos, até o início de julho de 2021, mais 17 homens tiveram seus primeiros tempos sub-10. A barreira equivalente das mulheres - 11 segundos - também está sendo quebrada com cada vez mais frequência.
O que está acontecendo?
Clube em expansão
Cientistas como Haake acreditam em uma combinação de fatores, que começam com o aumento da participação em eventos de pista em todo o mundo. Em seguida, vem o acesso a melhores métodos de treinamento.
"Mais atletas em todo o mundo agora se beneficiam do treinamento de elite e da ajuda da ciência e da tecnologia do esporte para melhorar suas chances de correr mais rápido", acrescenta Haake.
A evidência é que o clube dos sub-10 se expandiu além de potências usuais como Estados Unidos, Jamaica, Grã-Bretanha e Canadá ? todos países que conquistaram pelo menos uma medalha de ouro olímpica nos 100m masculinos.
A Nigéria, por exemplo, compartilha com a Grã-Bretanha o terceiro maior número de atletas que quebraram a barreira dos 10 segundos, com 10, enquanto as adesões recentes ao clube incluem Japão, Turquia, China e África do Sul, países menos conhecidos pela excelência na corrida.
Resultados semelhantes também aconteceram nos 100m femininos. A barreira dos 11 segundos foi quebrada pela primeira vez em 1973 pela velocista da Alemanha Oriental Renate Stecher. Em 2011, outras 67 atletas também realizaram o feito. Dez anos depois, o total é de 115 e inclui também países com menos tradição no evento.
Sapatos, atletismo e ciência do esporte
A tecnologia realmente tem sido útil: os velocistas hoje em dia correm com sapatos mais leves ? os modelos mais recentes podem pesar menos de 150 gramas.
Os calçados hoje em dia também são construídos com materiais radicalmente diferentes. Um exemplo é a colaboração entre a calçadista alemã Puma e a equipe de Fórmula 1 Mercedes, que resultou em um tênis de corrida com sola de fibra de carbono ? o mesmo material usado no carro do piloto campeão mundial Lewis Hamilton.
As pistas de corrida também avançaram muito desde os dias em que os atletas de elite corriam em superfícies de saibro ou grama nas competições.
As pistas sintéticas fizeram sua estreia olímpica nos jogos de 1968 no México, oferecendo mais proteção às articulações dos atletas e prometendo um efeito trampolim que levaria a tempos mais rápidos.
Foi nesses mesmos jogos que o velocista americano Jim Hines se tornou o primeiro homem a correr 100 metros em menos de 10 segundos, ao finalizar sua performance em 9,95 segundos.
O anseio por pistas cada vez "mais rápidas" significa que até mesmo a forma dos grânulos de borracha vulcanizada usados para construir a superfície de corrida é agora levada em conta.
Nos Jogos de Pequim de 2008, a fabricante italiana de superfícies Mondo comemorou os cinco recordes mundiais na pista que forneceu para a competição de atletismo quase tanto quanto os corredores.
A ciência também tem desempenhado um papel importante na nutrição e no treinamento. Os velocistas hoje em dia podem ser analisados minuciosamente e ajustes podem ser feitos na técnica e nos tempos de reação.
Pesquisas identificaram até quais músculos são mais importantes para o sucesso dos velocistas.
Em outubro passado, uma equipe de cientistas da Loughborough University, uma instituição de ponta em estudos científicos do esporte, descobriu que o glúteo máximo (um dos músculos que formam a região das nádegas) é a chave para os atletas atingirem as velocidades máximas na pista.
"Agora sabemos que existe uma distribuição muscular muito específica nos velocistas de elite", disse Sam Allen, especialista em biomecânica que participou da pesquisa.
"Portanto, em breve poderemos ver velocistas trabalhando especificamente nesse desenvolvimento."
A barreira também é psicológica?
Em uma entrevista para o jornal japonês The Asahi Shimbun em 9 de julho, o velocista local Ryota Yamagata não hesitou em creditar sua corrida de 100m sub-10 conquistada um mês antes ao "trabalho de cientistas dos últimos 20 anos".
Nenhum velocista japonês havia quebrado a barreira dos 10 segundos até 2017. Desde então, Yamagata e três outros compatriotas o fizeram.
Parece também que a expansão em termos de número e diversidade do grupo dos sub-10 está tornando a barreira menos intimidante para os atletas.
Essa é a opinião do chinês Bingtian Su, que em 2015 se tornou o primeiro asiático a correr 100 metros abaixo de 10 segundos.
"Acho que a barreira é mais uma coisa psicológica do que física", disse ele em 2019.
Domínio das medalhas
Obviamente, esses avanços não são uma garantia automática de sucesso em superar a barreira.
Até hoje, por exemplo, muitos países, incluindo a Índia, e até mesmo um continente inteiro (a América do Sul - incluindo o Brasil) ainda não produziram um sub-10 nos 100m masculinos ou uma velocista sub-11 na corrida feminina.
Na verdade, a expansão do "clube dos sub-10" não alterou o equilíbrio competitivo quando se trata de medalhas.
Tanto nos eventos masculinos quanto nos femininos, os velocistas americanos e jamaicanos têm sistematicamente dominado o pódio nas Olimpíadas e nas corridas do Campeonato Mundial desde os anos 1980.
Na prova masculina, por exemplo, o último velocista masculino fora desses países a ganhar o ouro olímpico foi o canadense Donovan Bailey, nos Jogos de Atlanta de 1996.
No evento feminino, a vitória de Yuilya Nestsiarenka nos Jogos de Atenas 2004 foi uma surpresa até para a velocista da Bielorrússia, já que atletas dos Estados Unidos haviam vencido a corrida nas cinco Olimpíadas anteriores ? os jamaicanos venceram as três edições seguintes.
É improvável que as coisas mudem nos Jogos de Tóquio, apesar de serem os primeiros após a aposentadoria de Bolt: os velocistas americanos têm 4 dos 5 tempos mais rápidos nos 100m masculinos em 2021, enquanto 3 jamaicanas e 1 americana estão entre as 5 mulheres mais rápidas do planeta este ano até o momento.
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