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4 inventores que criaram armas super-letais e se arrependeram

Robert Oppenheimer foi o diretor científico do Projeto Manhattan - Getty Images
Robert Oppenheimer foi o diretor científico do Projeto Manhattan Imagem: Getty Images

Fernanda Paúl

BBC News Mundo

18/11/2021 20h29

Os criadores da bomba atômica, do agente laranja, do fuzil AK-47 e da dinamite têm algo em comum: todos lamentaram, de uma forma ou de outra, o que suas descobertas acabaram provocando.

Criar uma invenção única que mude o curso da história da humanidade deve ser uma das maiores satisfações que alguém pode sentir.

É difícil imaginar o prazer experimentado pelas pessoas que estiveram por trás de criações brilhantes como a roda, o concreto, a máquina a vapor ou a internet.

Mas nem todas as invenções possuem fins exclusivamente benéficos para o mundo. Existem algumas que, na verdade, deixaram consequências trágicas e até macabras.

E alguns dos gênios por trás dessas terríveis descobertas terminaram atormentados pela sua consciência.

Aqui contamos a história de quatro deles que, muitas vezes sem avaliar o poder destrutivo das suas criações, acabaram por dar origem a algumas das armas mais letais da história.

1. Robert Oppenheimer, o 'pai da bomba atômica'

Nenhum outro cientista esteve mais ligado à criação e ao uso das bombas atômicas durante a Segunda Guerra Mundial do que Robert Oppenheimer.

O físico teórico norte-americano foi o diretor do Projeto Manhattan, que conseguiu desenvolver a primeira bomba atômica da história.

A bomba foi detonada no deserto do Novo México (Estados Unidos) - em uma operação denominada "Trinity" - em 16 de julho de 1945, menos de um mês antes do lançamento das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão, que se estima tenham causado a morte de 150 mil a 250 mil pessoas.

Oppenheimer, uma figura complexa e carismática, havia se dedicado a estudar os processos energéticos das partículas subatômicas, incluindo os elétrons, os pósitrons e os raios cósmicos.

Mas o conflito bélico vivido nessa época fez com que sua vida profissional tomasse outro rumo.

Depois que Albert Einstein enviou uma carta para o então presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, advertindo sobre o perigo que ameaçava toda a humanidade se os nazistas fossem os primeiros a fabricar uma bomba atômica, a ideia de criar uma arma nuclear se tornou prioridade para o governo dos Estados Unidos.

E quem liderou esse processo foi justamente Oppenheimer. Ele começou rapidamente a pesquisar um processo de separação de urânio-235 do urânio natural e determinar a massa crítica necessária para a fabricação da bomba.

Entre outras coisas, Oppenheimer recebeu instruções de estabelecer e administrar um laboratório para realizar essa tarefa. Para isso, ele escolheu o planalto de Los Alamos, no Novo México, em 1943.

"Oppenheimer ocupou um cargo de imensa responsabilidade e foi levado ao seu limite", segundo Alex Wellerstein, historiador especialista em armas nucleares, explica à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC).

"Ele se envolveu em decisões fundamentais sobre o projeto das bombas atômicas e esteve pessoalmente relacionado com as decisões sobre como essas bombas seriam utilizadas. Ele pleiteou que elas fossem usadas contra cidades e estava no comitê que decidiu onde exatamente as bombas seriam lançadas", acrescenta ele.

Posteriormente, Oppenheimer expressaria em diversas ocasiões o seu pesar pelo falecimento de milhares de vítimas em Hiroshima e Nagasaki.

Ele renunciou ao seu cargo dois meses depois da explosão das bombas. Entre 1947 e 1952, Oppenheimer foi assessor da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos, quando defendeu o controle internacional do poderio nuclear, para evitar a proliferação dos armamentos nucleares e frear a corrida armamentista entre os Estados Unidos e a União Soviética.

Além disso, ele apresentou forte oposição ao desenvolvimento da bomba de hidrogênio.

Mas os seus esforços não tiveram sucesso. Devido às suas polêmicas declarações públicas - que resultaram em vários inimigos - suas credenciais de segurança foram cassadas e ele acabou perdendo sua influência política.

"No final da década de 1950 e no início dos anos 1960, Oppenheimer estava muito amargurado e lamentava muitas coisas. A razão do seu arrependimento sempre se concentrou nesses fracassos do pós-guerra. Ele lamentou não ter tido sucesso nas suas ambições de controle de armas e ter sido incapaz de frear o aumento dos grandes arsenais de vários megatons", afirma Wellerstein.

Depois da explosão das bombas, Oppenheimer declararia que vieram à sua mente as palavras do texto sagrado hindu Bhagavad Gita: "Agora eu me tornei a morte, a destruidora de mundos".

Muitos historiadores interpretam essas palavras como um sentimento de culpa com relação à sua criação letal. Mas, para outros, como Wellerstein, elas estão mais relacionadas com o assombro perante algo "além deste mundo", como são as armas nucleares.

Por tudo isso, Oppenheimer sempre será lembrado (e conhecido) como o "pai da bomba atômica".

2. Arthur Galston e o agente laranja

O fisiologista e botânico norte-americano Arthur Galston nunca pensou que estivesse criando algo que poderia ser utilizado como arma: o agente laranja.

Sua área de estudo se concentrava nos hormônios vegetais e nos efeitos da luz sobre o desenvolvimento das plantas.

Durante esses estudos, ele fez experiências com um regulador do crescimento das plantas, chamado ácido tri-iodobenzoico (TIBA, da sigla em inglês). O cientista descobriu que esse componente poderia estimular a floração da soja e fazê-la crescer com mais rapidez. Ele também advertiu que, se fosse aplicado em excesso, o composto faria com que a planta perdesse suas folhas.

Mas as descobertas de Galston não ficaram restritas apenas ao mundo vegetal.

No contexto da Guerra do Vietnã - ocorrida entre os anos de 1955 e 1975 - outros cientistas utilizaram suas descobertas para criar o agente laranja, um herbicida poderoso que tinha como objetivo eliminar florestas e colheitas que poderiam ser aproveitadas pela guerrilha do Vietcong.

Entre 1962 e 1970, as tropas norte-americanas liberaram cerca de 75 milhões de litros do herbicida para destruir cultivos e expor as posições e rotas de movimentação dos seus inimigos.

Em vista disso, Galston ficou profundamente abalado e alertou as autoridades e o mundo em diversas ocasiões sobre os enormes danos ambientais causados pelo agente laranja. Em seguida, ele afirmou que o herbicida também representava riscos para os seres humanos.

O componente mais perigoso do agente laranja é a dioxina, que é um contaminante que pode permanecer no meio ambiente por décadas e, entre outras coisas, pode causar câncer, má-formação fetal, problemas de infertilidade e atacar o sistema nervoso e imunológico.

As advertências de Galston e outros cientistas fizeram com que o governo norte-americano encomendasse um estudo toxicológico. À luz dos resultados, o então presidente Richard Nixon ordenou a suspensão dos lançamentos de agente laranja.

Posteriormente, o botânico diria: "Eu costumava pensar que seria possível evitar envolver-se nas consequências antissociais da ciência simplesmente não trabalhando em nenhum projeto que pudesse ter fins malignos ou destrutivos. Aprendi que as coisas não são tão simples e que quase todas as descobertas científicas podem ser pervertidas ou deformadas devido às pressões sociais."

Galston também declarou que o agente laranja foi "mau uso da ciência".

"A ciência se destina a melhorar o progresso da humanidade e não a reduzi-lo. Seu uso como arma militar me pareceu desaconselhável", acrescentou ele.

3. Mikhail Kalashnikov, criador do fuzil AK-47

Kalashnikov foi o projetista de uma das armas mais conhecidas do planeta: o fuzil semiautomático AK-47.

Em 1947, o engenheiro militar russo Mikhail Kalashnikov criou esse fuzil simples, resistente e confiável que se tornou a principal arma dos exércitos soviético e russo, bem como de dezenas de outros países.

O AK-47 foi também símbolo de revolução em todo o mundo e esteve em ação nos campos de batalha de Angola, Vietnã, Argélia e Afeganistão. Ele também foi companheiro de exércitos rebeldes na América Latina, como os das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e do ELN (Exército de Libertação Nacional), na Colômbia.

Grupos palestinos o utilizaram com frequência e existe uma foto famosa de Osama Bin Laden portando o fuzil com seu carregador curvo característico.

A relativa simplicidade do projeto fez com que sua fabricação fosse barata e sua manutenção no campo de batalha fosse simples. Ele se tornou o fuzil de assalto mais utilizado no mundo. Calcula-se que o AK-47 seja responsável por mais mortes acumuladas que as bombas atômicas.

Embora, ao longo da sua vida, Mikhail Kalashnikov tenha expressado pouco remorso pelo seu invento mortal - tendo dito certa vez que "dorme profundamente" à noite -, ele confessou pouco antes da sua morte que sentia uma "dor espiritual insuportável".

Em uma carta para o líder da igreja ortodoxa russa da qual fazia parte (que foi encontrada pela imprensa russa um mês depois da sua morte), ele disse que se sentia responsável pelos milhões de mortes causadas pelo seu fuzil revolucionário.

"A minha dor espiritual é insuportável. Faço seguidamente a mesma pergunta sem resposta. Se o meu fuzil tirou a vida das pessoas, será que eu... cristão e crente ortodoxo, sou culpado pelas suas mortes?", perguntava-se Kalashnikov.

Ele escreveu ainda: "Quanto mais tempo vivo, mais essa pergunta não me sai da cabeça e mais me pergunto por que Deus permitiu que o homem tivesse os desejos diabólicos da inveja, da cobiça e da agressão".

4. Alfred Nobel e a dinamite

Em dezembro de 1896, dois jovens engenheiros suecos tiveram a surpresa de suas vidas quando abriram o testamento de Alfred Nobel, que os encarregou de empregar a maior parte da sua fortuna com o propósito de criar uma entidade para celebrar o progresso da humanidade.

Seguindo as instruções do seu mestre, Ragnar Sohlman e Rudolf Lilljequist criaram a Fundação Nobel, que estabeleceu prêmios anuais pelos méritos alcançados na Física, Química, Medicina e Fisiologia, Literatura e Paz Mundial; em 1969, adicionou-se a Economia.

Este último desejo de Nobel não veio ao acaso; existe uma razão contundente por trás dele. Afirma-se que, nos seus últimos dias, a ideia da morte e da destruição geradas pela aplicação dos seus inventos o atormentava.

Por isso, ele decidiu doar grande parte da sua fortuna para a criação da fundação.

Décadas antes, o químico, engenheiro, escritor e inventor sueco havia inventado a dinamite.

Nascido em uma família de engenheiros, Nobel trabalhou com seu pai na fabricação de explosivos. Mas, em 1864, ele viveu uma experiência trágica que marcou a sua vida, quando seu irmão menor e outras quatro pessoas morreram em uma explosão de nitroglicerina.

Dois anos depois, em 1866, Nobel desenvolveu um método que permitiria manusear o instável explosivo líquido com segurança. Para reduzir sua volatilidade, ele misturou nitroglicerina com um material poroso absorvente, criando a dinamite.

Esta invenção deu fama e riqueza imensas ao seu inventor e iniciou uma nova era na construção... mas também na destruição. Isso porque não demorou muito para que ela começasse a ser utilizada com fins bélicos.

A dinamite foi empregada como conteúdo explosivo dos projéteis de artilharia e cargas de demolição militares, causando centenas de milhares de mortes.

Nobel morreu em 10 de dezembro de 1896, na sua casa em San Remo, na Itália, depois de assinar seu testamento que definiu as bases para o que se tornaria o prêmio internacional de maior prestígio em prol do progresso humano.