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Por que traficantes de drogas da 'dark web' não têm medo da polícia

A BBC levou comprimidos de ecstasy para análise em laboratório - Reprodução/BBC
A BBC levou comprimidos de ecstasy para análise em laboratório Imagem: Reprodução/BBC

Joe Tidy & Alison Benjamin

Da BBC News, Reino Unido

11/01/2022 18h25

Há algumas semanas, quem acessava a plataforma Torrez parecia estar abrindo um site de compras normal, com milhares de produtos catalogados, classificações dos vendedores por números de estrelas e informações sobre frete.

A única e fundamental diferença eram os itens vendidos nesta plataforma da dark web: notas de dinheiro falsas, armas de eletrochoque, cocaína do tipo escama de peixe peruana, MDMA champanhe rosado, pílulas de ecstasy Blue Punisher?

Não são produtos que seriam encontrados em grandes sites de compras como Amazon e eBay.

Para entender como funciona a venda de drogas na dark web, os repórteres da BBC Joe Tidy e Alison Benjamin, baseados no Reino Unido, fizeram compras de ecstasy e cocaína através da plataforma Torrez e de um outro site.

Logo, os jornalistas se tornaram um dos últimos clientes do Torrez: esta popular plataforma de vendas da dark web anunciou seu próprio fim em dezembro, uma prática de "retirada voluntária" comum neste meio (entenda mais abaixo).

Produtos menos potentes que o prometido

Há um mito segundo o qual adquirir drogas através da dark web é tão fácil quanto pedir uma pizza, mas na verdade usar criptmoedas para fazer compras e conversar com um vendedor em um bate-papo criptografado levou horas.

Depois de alguns dias, os comprimidos "superfortes" chegaram como previsto, através dos correios.

Os três pequenos comprimidos de ecstasy vieram em uma caixa de grandes dimensões — um exemplo de stealth packaging (algo como "embalagem discreta"), embalagens usadas disfarçando o conteúdo.

As drogas chegam em uma embalagem de papelão - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
As drogas chegam em uma embalagem de papelão
Imagem: Reprodução/BBC

Um pacote de cocaína encomendado em outro site veio com uma fatura falsa de uma empresa de produtos de saúde à base de plantas.

A BBC fez a análise das drogas em um laboratório e depois as destruiu. Elas eram bem menos potentes do que tínhamos sido levados a acreditar.

Mercado virtual (e ilegal) em constante mudança

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que os mercados da dark web representam uma pequena fração do comércio total de drogas globalmente, talvez menos de 1%, embora essa fração esteja crescendo.

Mas em uma pesquisa do ano passado com dezenas de milhares de usuários de drogas em todo o mundo, a Global Drug Survey, mostra um quadro diferente. Em 2021, quase um em cada quatro entrevistados na América do Norte relatou comprar drogas na dark web. Na Oceania e na Europa, foram um em cada seis.

Na Rússia, o percentual foi de 86%; na Finlândia e na Suécia, mais de 40%; e na Inglaterra, Escócia e Polônia, mais de 30%.

Compra de cocaína veio acompanhada de fatura falsa de empresa de produtos de saúde à base de plantas - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
Compra de cocaína veio acompanhada de fatura falsa de empresa de produtos de saúde à base de plantas
Imagem: Reprodução/BBC

O mundo da venda de drogas na dark web é caótico e está em constante mudança.

Ocasionalmente, os sites fecham e os operadores desaparecem com o dinheiro dos clientes ou de fornecedores, o que é conhecido como golpe de saída. Esses negócios também podem ser hackeados ou interditados pela polícia.

Mas há uma nova tendência neste mercado, onde as plataformas de venda desaceleram suas operações de forma planejada, o que é conhecido como "pôr do sol" ou "retirada voluntária".

Um grande site de vendas, o White House Market, fez isso em outubro de 2021; depois outro, Cannazon, seguiu o exemplo.

E então veio o Torrez, que postou uma carta em sua página inicial no mês passado anunciando seu fechamento e dizendo que foi "um grande prazer trabalhar com a maioria dos fornecedores e usuários".

O administrador do site, mrblonde, agradeceu aos clientes e prometeu que a plataforma ficaria aberta "por pelo menos duas a três semanas até que todos os pedidos fossem finalizados".

"Obrigado por uma saída tão graciosa", postou um cliente em resposta. Outro acrescentou: "Obrigado por lidar com isso de maneira profissional e honesta".

Segundo o criminologista e professor da Universidade de Montreal David Décary-Hétu, este tipo de saída voluntária é uma tendência.

"Parece estar acontecendo mais. Os negócios saem delicadamente e dizem algo como: 'Ganhamos dinheiro suficiente e, antes de sermos pegos, vamos nos aposentar'", explica Décary-Hétu.

O criminologista diz que administradores de grandes mercados como o Torrez podem ganhar mais de US$ 100.000 por dia (cerca de R$ 560 mil) em comissões.

'Virada de jogo'

Para a polícia, que prefere que os criminosos enfrentem a justiça, esse tipo de saída traz sentimentos contraditórios.

"Sempre comemoro quando qualquer pessoa talvez perceba que está em uma ocupação criminalizada, decidindo não se aprofundar mais nisso", diz Alex Hudson, chefe de inteligência de dark web da Agência Nacional do Crime do Reino Unido (NCA).

"Se há um arrependimento, é que precisamos responsabilizá-los por isso. E essas pessoas precisam entender que ainda serão responsabilizadas".

Embora o pôr do sol esteja na moda atualmente, uma análise de dados da BBC mostra que os negócios ainda são mais propensos a fechar depois de um golpe de saída.

As interdições da polícia são ainda menos comuns, embora tenha havido operações bem-sucedidas notáveis.

O americano Ross Ulbricht está cumprindo duas penas de prisão perpétua com 40 anos sem liberdade condicional por administrar o primeiro grande mercado da dark web, o Silk Road, que funcionou de 2011 a 2013.

Em outubro, 150 suspeitos foram presos no que a NCA chama de a maior operação do gênero, decorrente da interdição de um site chamado Dark Market em janeiro de 2021.

Vários países estiveram envolvidos na operação, com prisões feitas nos EUA, Alemanha, Reino Unido, entre outros.

Entretanto, mesmo quando uma plataforma ilegal é fechada, isso pode ter pouco efeito sobre os vendedores, que podem simplesmente migrar para um outro site.

Dados analisados pela BBC mostram que pelo menos 450 traficantes que operam hoje na internet — o que é uma estimativa conservadora — sobreviveram a interdições policiais anteriores.

Um deles é um revendedor chamado Next Generation, que apareceu em 21 plataformas de vendas diferentes ao longo de seis anos.

Estima-se que esse criminoso ou equipe de criminosos tenha feito ao menos 140.000 vendas nesse período, ofertando produtos como cannabis, cocaína e cetamina.

Por e-mail criptografado, o Next Generation disse que a polícia está diante de "uma tarefa impossível".

"Geralmente, ser pego se resume a um simples erro do usuário. Não é que simplesmente os policiais e investigadores acordam um dia, 'decifram um código' e prendem as pessoas."

O Pygmalion Syndicate, um autodenominado "coletivo hippie" de traficantes do Reino Unido e da Alemanha, também disse à BBC que não se preocupa em ser pego, pois toma muito cuidado — agindo como "agentes secretos no território inimigo".

"As repressões baseadas na lei não afetaram muito nossos negócios, e acreditamos que a maioria dos outros fornecedores também não se importa com isso", disse o coletivo.

Alex Hudson, da NCA, admite que a polícia sempre esteve um passo atrás dos criminosos, mas diz que novas tecnologias farão a diferença.

"Mesmo em comparação com a situação de alguns anos atrás, somos capazes de extrair informações e identificar criminosos muito mais rapidamente", disse Hudson à BBC.

"Acho que estamos realmente vendo uma virada de jogo."