Topo

Como 52 pessoas foram enganadas para trabalhar em agência falsa de design

Dezenas de jovens foram levados a pensar que estavam trabalhando para uma glamourosa agência de design do Reino Unido - que na verdade não existia - BBC
Dezenas de jovens foram levados a pensar que estavam trabalhando para uma glamourosa agência de design do Reino Unido - que na verdade não existia Imagem: BBC

Leo Sands, Catrin Nye, Divya Talwar e Ben Lister

UK Insight

22/02/2022 20h35

Dezenas de jovens foram levados a pensar que estavam trabalhando para uma glamourosa agência de design do Reino Unido - que na verdade não existia.

Havia cerca de 40 pessoas na chamada no Zoom — ou pelo menos era o que os participantes acreditavam. A reunião com todos os funcionários da glamourosa agência de design havia sido convocada para dar as boas-vindas aos mais novos contratados daquela empresa em fase de expansão.

O nome da agência era Madbird e o seu proprietário, Ali Ayad, era dinâmico e inspirador — ele queria que todas as pessoas da chamada fossem ativas e ambiciosas como ele.

Mas as pessoas que ali estavam com as câmeras ligadas não sabiam que alguns dos participantes da reunião não eram de verdade.

Sim, eles estavam relacionados como participantes. Alguns até tinham contas de e-mail reais e perfis no LinkedIn. Mas seus nomes eram inventados e seus rostos, de outras pessoas. Tudo aquilo era falso — os funcionários reais haviam caído no golpe do falso emprego.

A BBC passou um ano investigando o que realmente aconteceu.

Chris Doocey, gerente de vendas de Manchester, no Reino Unido, com 27 anos de idade, começou a trabalhar na Madbird em outubro de 2020, pouco antes da chamada pelo Zoom. Ele trabalharia de casa — o que era normal, já que a pandemia de covid-19 seguia descontrolada.

A covid-19 havia virado a vida de Doocey do avesso. Por causa da pandemia, ele havia perdido seu emprego, o que o motivou a se candidatar ao cargo na Madbird.

O anúncio descrevia a empresa como uma "agência de design digital voltada para as pessoas, nascida em Londres e com operações em todo o mundo".

Parecia um bom emprego.

A Madbird contratou mais de 50 outras pessoas. A maioria trabalhava em vendas, algumas em design e outras eram supervisores. Cada novo contratado era instruído a trabalhar de casa, trocando mensagens por e-mail e falando entre si pelo aplicativo Zoom.

Os dias de trabalho, muitas vezes, eram longos. Jordan Carter, de Suffolk, também no Reino Unido, tinha na época 26 anos de idade e foi considerado um dos funcionários mais esforçados da equipe de vendas de Doocey. Em cinco meses, ele havia apresentado a Madbird a 10 mil possíveis clientes, esperando fechar contratos para reprojetar websites ou elaborar aplicativos. Em janeiro de 2021, sua ética profissional lhe valeu o título de Funcionário do Mês.

Outros funcionários viviam fora do Reino Unido. Em seus esforços para atingir o mercado internacional, o departamento de Recursos Humanos da Madbird publicou anúncios de emprego online para formar uma equipe de vendas internacional em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Pelo menos uma dezena de pessoas de Uganda, Índia, África do Sul, Filipinas e outros países foram contratadas.

Anúncios de emprego foram publicados para formar equipes da Madbird em Londres e em Dubai.

Para essas pessoas, o emprego representava mais que um simples salário, mas um visto para o Reino Unido. Seus contratos diziam que, se elas fossem aprovados no seu período de experiência de seis meses e atingissem suas metas de vendas, a Madbird bancaria sua mudança para o país.

O patrão e sua história

Ali Ayad sabia o possível significado de uma nova vida no Reino Unido. Ele falou muitas vezes com os funcionários da Madbird sobre o seu passado antes de estabelecer-se em Londres. Mas havia muitas versões da sua história.

Para uma pessoa, ele se apresentou como mórmon de Utah, nos Estados Unidos. Para outras, ele era do Líbano, onde teria aprendido a trabalhar duro após uma infância difícil. Até o seu nome mudava. Às vezes, ele acrescentava um segundo "Y" ao seu sobrenome, que se tornava "Ayyad". Em outras ocasiões, assinava "Alex Ayd".

Mas algumas partes da história que ele contava às pessoas eram consistentes. Acima de tudo, o principal era o tempo em que ele trabalhou como designer criativo na Nike. Ele contava a todos sobre seu trabalho na matriz da marca em Oregon, nos Estados Unidos. Foi lá que ele conheceu Dave Stanfield, o cofundador da Madbird.

As histórias sobre a arrojada carreira de Ali não pareciam exageradas. Ele fazia chamadas de vídeo como ninguém — intenso e carismático, parecia muito atencioso. Falava com confiança, às vezes chegando às raias da teimosia. Foi assim que convenceu pelo menos três pessoas a sair dos seus empregos para trabalhar com ele.

Os funcionários da Madbird não tinham razão para duvidar das histórias de Ali na Nike. E, se duvidassem, tudo o que precisavam era verificar seu perfil no LinkedIn, repleto de longas recomendações de antigos colegas.

Ali Ayad "me incentivou muito com o significado e o cuidado da sua abordagem", segundo um comentário — supostamente de um diretor de criação da Nike. "As agências podem estar cheias de imitadores, mas Ali não é um deles. Ele traz originalidade e autenticidade para todos os seus projetos."

E lá estava também o seu parceiro comercial, Dave Stanfield. Na Nike, Ali Ayad era "fundamental" e "um dos melhores profissionais com quem já trabalhei", segundo seu testemunho.

O otimismo e a energia de Ayad contagiavam os demais. Uma pessoa que ele contratou comparou seu novo patrão com o ator Tom Cruise. Mas as duas pessoas com quem Ali se comparava com mais frequência eram, na verdade, Steve Jobs e Elon Musk. Os titãs da tecnologia eram seus ídolos.

"Elon Musk trabalha 16 horas por dia. Estou tentando trabalhar 17!", escreveu ele em um e-mail para motivar sua equipe a continuar se esforçando. E, ao ponderar sobre decisões comerciais difíceis, ele costumava citar uma frase frequentemente atribuída a Steve Jobs: "se você quer fazer todo mundo feliz, não seja um líder, vá vender sorvete".

O pagamento aos funcionários

Os negócios da Madbird progrediram por meses e mais designers foram contratados para atender o número crescente de negociações sendo conduzidas pela equipe de vendas. Mas, mesmo antes que a verdade sobre a Madbird fosse revelada, os seus funcionários enfrentavam um problema. Devido a cláusulas incomuns nos seus contratos, eles ainda não haviam sido pagos.

Todos eles haviam sido contratados para trabalhar somente por comissão pelos primeiros seis meses. Apenas depois que eles fossem aprovados no seu período probatório, teriam direito a um salário — na maioria dos casos, cerca de 35 mil libras (R$ 245 mil). Até então, eles ganhariam apenas um percentual de cada negócio que fechassem.

Todos os funcionários eram jovens adultos procurando trabalho em meio a uma pandemia. Muitos acreditaram que não tinham escolha a não ser aceitar os termos dos seus contratos.

Mas nenhum negócio chegou a ser concretizado. Até fevereiro de 2021, nenhum contrato com um único cliente sequer havia sido assinado. Por isso, nenhum dos funcionários da Madbird havia recebido um só centavo.

Alguns deles acabaram saindo depois de algumas semanas, mas muitos permaneceram. Ficaram lá por quase seis meses, forçados a usar o limite dos seus cartões de crédito e tomar dinheiro emprestado da família para manter as contas em dia.

A questão era que, quanto mais você trabalhasse na Madbird, mais difícil era sair dela. E se um dos contratos grandes em que você estava trabalhando fosse concretizado na semana seguinte?

Também não fazia sentido pedir demissão pouco antes de terminar o período probatório. Para muitos, o salário parecia estar chegando. E, em meio à pandemia, era difícil encontrar emprego.

É claro que ninguém recebeu pagamento, já que a Madbird não tinha receita. Mas isso não era evidente para os funcionários novos. Eles acreditavam, erroneamente, que seus contratos de pagamento eram específicos e que seus superiores deviam estar recebendo seus salários. Além disso, a Madbird estava a ponto de assinar um grande número de contratos. O dinheiro finalmente estava chegando.

Ou era o que parecia — até que, uma tarde, tudo desmoronou.

A descoberta da verdade

Gemma Brett — designer da região oeste de Londres, com 27 anos de idade — estava trabalhando na Madbird por apenas duas semanas quando percebeu algo estranho.

Ela estava curiosa para saber como seria seu transporte para o escritório quando a pandemia passasse e procurou o endereço físico da empresa. O resultado foi muito diferente dos vídeos do website da Madbird de um local de trabalho elegante e cheio de pessoas criativas. O Google Street View mostrou um prédio de apartamentos de classe alta no bairro londrino de Kensington.

Gemma entrou em contato com um corretor de imóveis que negociava um apartamento naquele mesmo endereço. Ele confirmou a suspeita: o prédio era totalmente residencial. A reportagem da BBC confirmaria essa informação posteriormente, conversando com alguém que havia trabalhado no edifício por anos. Ele nunca havia visto Ali Ayad. O bloco de apartamentos não era a sede global de uma empresa de design chamada Madbird.

Gemma contou sua descoberta para outra funcionária da Madbird que ela conhecia e em quem confiava — Antonia Stuart, líder da expansão da companhia para Dubai.

Usando pesquisas online de imagens reversas, elas aprofundaram a investigação. E descobriram que todo o trabalho que a Madbird afirmava ter realizado havia sido roubado de outros lugares na internet — e alguns dos colegas com quem elas trocavam mensagens online simplesmente não existiam.

Elas examinaram quais seriam as suas opções. Uma seria pedir demissão discretamente, sem fazer alarde. Não tinham ideia de quem estava por trás desse golpe, nem a escala da operação. E, claro, estavam assustadas.

Mas, por outro lado, se preocupavam com os colegas inocentes que poderiam vir a ter problemas se a verdade não fosse exposta e eles celebrassem contratos para a Madbird com base em mentiras. Afinal, havia contratos a serem assinados em questão de dias.

Elas decidiram, então, enviar um e-mail para todos os funcionários, mas com um pseudônimo: Jane Smith. O e-mail foi enviado em uma tarde corrida de trabalho e acusava os fundadores da Madbird de comportamento "imoral e antiético", que incluía roubar o trabalho de terceiros e "inventar" membros da equipe.

"Temos fortes razões para suspeitar que os fundadores da Madbird inventaram membros da equipe, portfólio de trabalho/clientes, trabalhos anteriores e a localização do escritório", dizia o e-mail enviado para todos os funcionários.

As revelações foram devastadoras para os funcionários reais. Aparentemente, tudo o que eles fizeram havia sido construído sobre mentiras. Parecia agora que nunca veriam o dinheiro devido pelos meses de tempo e trabalho duros.

Foi nesse momento que a BBC começou sua própria investigação sobre a Madbird. Confirmamos as descobertas do e-mail de Jane Smith e fomos além.

Mentiras e perfis roubados

A empresa não havia "fornecido produtos e experiências em nível local e internacional por 10 anos", como afirmava. Na verdade, Ali Ayad apenas registrou a Madbird na Companies House (o órgão governamental responsável pelo registro de companhias no Reino Unido) no mesmo dia em que entrevistou Chris Doocey para o cargo de gerente de vendas — 23 de setembro de 2020.

Pelo menos seis dos funcionários de alto escalão apresentados pela Madbird eram falsos. Suas identidades foram forjadas com fotografias roubadas de cantos aleatórios da internet e seus nomes, inventados.

Essas identidades falsas incluíam o cofundador da Madbird, Dave Stanfield — o mesmo que mantinha perfil no LinkedIn e a quem Ayad se referia constantemente. Alguns dos funcionários enganados chegaram a receber e-mails dele.

Ayad disse a um funcionário que, se quisesse entrar em contato com Stanfield, deveria enviar um e-mail, porque ele era muito ocupado com projetos para a Nike e não podia atender ligações.

Usando tecnologia de reconhecimento facial, conseguimos descobrir o verdadeiro dono do rosto de Dave Stanfield: um fabricante de colmeias de abelhas em Praga, na República Checa, chamado Michal Kalis, que confirmou à reportagem que nunca havia ouvido falar da Madbird, de Ali Ayad ou Dave Stanfield.

Outro funcionário inventado chamava-se Nigel White. Alguém usando seu nome chegou a entrar naquela chamada pelo Zoom, em janeiro. Mas sua foto não era de um designer gráfico — era de um modelo cuja imagem é um dos primeiros resultados de pesquisa por "homem ruivo" fornecidos pela agência de imagens online Getty Images. Seu rosto está presente em todos os lugares na internet.

Outros casos eram ainda mais estranhos. Um designer gráfico, um gerente de promoção de marcas e um gerente de marketing da Madbird na verdade eram fotografias de um médico libanês, um ator espanhol e um influenciador de moda italiano. Todas as suas fotos haviam sido roubadas para criar identidades falsas.

Entramos em contato com todas as 42 marcas que a Madbird havia relacionado como antigos clientes — incluindo a Nike, Tate e a Toni & Guy. Dentre as que responderam, nenhuma havia trabalhado com a Madbird sequer um dia.

Mas e quanto aos portfólios impressionantes de trabalhos de design para clientes que a Madbird havia apresentado com a marca da agência? Bem, muitos deles haviam sido retirados da internet.

Um documento promocional distribuído para potenciais clientes da Madbird foi copiado — em alguns pontos, palavra por palavra — de uma empresa de design de Londres chamada Hatched. Os proprietários da Hatched afirmaram que haviam redigido o documento em 2016. A biografia pessoal da sua equipe principal também havia sido roubada e usada nos perfis de funcionários falsos da Madbird.

A própria história de vida de Ayad também ruiu. Ele nunca havia trabalhado para a Nike como "líder de criação" nos Estados Unidos, como afirmava. A Nike confirmou por escrito para a reportagem que não teve nenhum funcionário com esse nome, nem com nenhum de seus pseudônimos.

As universidades de prestígio nos Estados Unidos e no Canadá que Ayad afirmava ter cursado nem mesmo ofereciam os cursos que ele dizia ter estudado. A Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, e a Universidade Concórdia, no Canadá, não reconheceram seu nome em seus registros de ex-alunos.

E havia ainda a conta de Ayad no Instagram, onde ele postava atualizações sobre sua carreira como modelo e influenciador para mais de 90 mil seguidores. Sua presença nas redes sociais havia sido um dos motivos pelos quais muitos dos funcionários da Madbird depositaram confiança e admiração no seu patrão. Mas a vida que Ayad apresentava no Instagram tinha muito pouca relação com a vida que ele realmente levava.

Uma postagem em particular chamou a atenção da reportagem. Era uma foto mostrando um exemplar aberto da edição britânica da revista GQ, com Ali Ayad trajando um blazer em um anúncio de página inteira da marca espanhola de roupas Massimo Dutti. "Esforce-se em silêncio, deixe seu sucesso fazer o barulho", diz a legenda.

Mas, quando conseguimos a edição da GQ e a abrimos na página 63, a fotografia de Ali não estava ali, mas sim o anúncio de um relógio de pulso. Ali Ayad nunca havia trabalhado como modelo para Massimo Dutti e aparecido na edição britânica da revista GQ.

Na manhã seguinte ao e-mail de Gemma e Antonia com as alegações, enviado com o pseudônimo de Jane Smith, Ali Ayad enviou sua própria mensagem para a equipe da Madbird. Ele escreveu que "se essas informações realmente forem verdadeiras, é um choque [tão grande] para mim quanto para todos vocês".

Ali Ayad alegou total desconhecimento. Mas, como diretor da companhia, afirmou que, ainda assim, assumiria toda a responsabilidade. Ele prometeu retirar da internet o website da Madbird e suspender todos os trabalhos em andamento "até consertarmos isso".

E, antes de assinar pela última vez, um lampejo de remorso. "Passei meses dedicando 16 horas todos os dias e fiz o melhor que pude para que isso funcionasse. Deveria ter me informado melhor e, por isso, realmente me arrependo", afirmou Ali.

Foi o mais próximo de um pedido real de desculpas que os funcionários da Madbird receberam. Ali Ayad em breve passaria a manter silêncio. Ele parou de atender ligações dos seus funcionários confusos e bloqueou outros. O website da Madbird foi retirado do ar e o perfil de Ayad no LinkedIn desapareceu.

Foi assim que o homem se desvaneceu no mesmo éter digital do qual havia surgido.

E agora?

Os funcionários reais da Madbird ficaram arrasados. Alguns haviam passado até seis meses trabalhando para não receber. Agora, estavam desempregados no meio de uma pandemia e lutando até para descrever o que havia acabado de acontecer com eles.

O gerente de vendas Chris Doocey havia acumulado uma dívida de 10 mil libras (R$ 69,3 mil) para pagar suas contas mensais enquanto esperava seu primeiro pagamento.

Stephie Nkoy-Nyama, da região leste de Londres, havia pedido demissão de um bom emprego para entrar na Madbird. Sua última empresa a havia mantido empregada durante a pandemia, apesar de demitir outros funcionários. Ela se sentiu pressionada por Ayad para deixar aquele emprego e mudar-se para a Madbird. "Ele nos fazia de bobos", afirma ela.

E havia os funcionários internacionais. Elvis John, originalmente de Chennai, na Índia, chegou a imaginar que em breve viveria no Reino Unido.

Faltavam algumas semanas para terminar seu período de experiência de seis meses e ele esperava que Ayad bancaria seu visto. Quando chegou o e-mail de Jane Smith, John caiu em depressão. "Meus sonhos simplesmente se despedaçaram", conta ele.

Como ele estava trabalhando em Dubai, os riscos eram ainda maiores. John acredita que, se alguma das suas negociações chegasse até o final, teria enfrentado sérios problemas legais com as rigorosas normas comerciais de Dubai — possivelmente seria preso e deportado para a Índia.

"Não sei se Ali algum dia irá entender o que ele nos fez passar", afirma Elvis, que sente que tudo foi tratado como um jogo.

Muitos ficaram constrangidos por terem caído no golpe. Alguns esperaram dias e até semanas para contar a verdade para os amigos e a família. E, para outros, era uma história difícil de explicar, sempre recebida com questões para as quais nenhum dos funcionários enganados tinha respostas.

Três ex-funcionários processaram a Madbird na Justiça do trabalho, argumentando que deveriam receber pelo menos o salário mínimo pelo tempo em que estiveram na empresa. Ayad não respondeu à justiça no prazo, de forma que um juiz ordenou o pagamento de um total de 19 mil libras (R$ 131,7 mil) de salários aos três funcionários. Ayad recorreu da decisão, que foi mantida pela Justiça. Ele agora está apelando dela novamente.

Mas, mesmo se Ayad perder mais uma vez, isso não quer dizer que os três funcionários receberão o dinheiro. A ordem da justiça foi emitida contra a companhia, não contra a pessoa física de Ali Ayad. Por isso, se a Madbird estiver falida, como afirma Ayad, a Justiça não tem instrumentos para forçá-la a pagar os salários devidos sem que tenha o dinheiro para isso.

Pelo menos um funcionário da Madbird recebeu dinheiro. James Harris, de York, no Reino Unido, trabalhou na empresa por duas semanas como designer quando as revelações vieram à tona. Onze meses depois, ele recebeu pelo correio um cheque de 29,70 libras (R$ 205,80), com base no salário mínimo britânico. Aparentemente, Ayad havia concordado em pagar por algumas horas de treinamento que James havia feito sem receber.

Mas Ali Ayad entendia as consequências das suas ações? Ele passou algum tempo dizendo que falaria com a reportagem para dar a sua versão dos fatos — até que, após meses de mensagens trocadas, ele acabou concordando em dar uma entrevista para nós em frente às câmeras.

Um dia antes disso acontecer, no entanto, avisou que não compareceria. Se quiséssemos a versão de Ali Ayad sobre os fatos, não tínhamos outra escolha senão ir em busca dele.

Confrontando Ayad

Nós encontramos Ali Ayad em uma rua na região oeste de Londres em uma tarde de outubro de 2021 e o confrontamos.

Ele estava vestido com uma jaqueta de couro preta e andava a pé rumo a uma estação de metrô. Não demonstrou ter sido pego de surpresa, preferindo inicialmente ignorar nossas perguntas. Mas, depois um tempo, não teve outra opção senão falar.

Ayad insistiu que estava tentando fazer algo de bom. "Tudo o que sei é que criamos oportunidades para as pessoas. Em meio à covid", afirmou.

Quando o acusamos de criar identidades falsas e roubar o trabalho de outras pessoas, ele ficou furioso. "Fiz isso? Como você sabe que eu fiz isso?" Estaria ele indicando que mais alguém estava envolvido? Quando perguntamos, ele não indicou ninguém.

Sempre havia a possibilidade de que alguma mente brilhante anônima estivesse por trás de tudo — algo que a reportagem considerou seriamente. Mas, sem nomes nem a ajuda de Ayad, era um caminho que nós não conseguíamos explorar.

Ayad também insistiu que a Madbird realmente tinha um escritório. Mas, quando o questionamos, ele recuou, indicando que seria um escritório virtual. "Você, na verdade, não precisa ter computadores e outras coisas, certo? É uma empresa digital."

Por fim, parou de responder nossas perguntas.

Posteriormente, escrevemos para dar a ele uma nova oportunidade de responder às acusações. Ayad respondeu, reconhecendo que "dois pontos" das acusações contra ele eram verdadeiros, mas sem dizer quais. Também afirmou que a "maioria" dos 24 pontos que apresentamos a ele por escrito eram "absurdos e incorretos". Disse que enviaria uma resposta mais completa, mas nunca o fez.

Enquanto Ali Ayad se recusar a colaborar, nunca saberemos de fato por que ele criou a Madbird. Entre os que passavam a maior parte do tempo com ele online, trocando e-mails e em chamadas de vídeo, duas teorias se sobressaem.

Uma delas diz que tudo era uma tentativa de iniciar um negócio real. Pode ter começado como uma mentira, mas talvez a Madbird, em algum momento, começasse a fechar negócios reais e fazer dinheiro. Há funcionários que acreditam que a empresa estava a poucos dias de assinar com clientes quando tudo desmoronou. Se as mentiras não tivessem sido descobertas, talvez ninguém tivesse exposto as origens nebulosas da Madbird.

Outra explicação é que a motivação talvez fosse além do dinheiro. Talvez Ali Ayad tenha se divertido no papel de patrão. Ele realmente parecia apreciar o tempo que passava administrando a Madbird.

As entrevistas de emprego com ele muitas vezes duravam mais de uma hora. Contava histórias sobre como havia mudado a vida das pessoas identificando seus talentos e dando a elas uma chance. Enviava links de música eletrônica para os funcionários ouvirem enquanto trabalhavam. Queria ser um patrão agradável — e, nos meses em que a Madbird esteve operante, foi assim que as pessoas o trataram.

A pandemia mudou a forma em que muitos de nós trabalhávamos. A comunicação através da tela tornou-se padrão. Ali Ayad explorou isso. É como se ele quisesse ser o próximo Elon Musk — e, na Madbird, achou que havia encontrado um atalho, um universo onde seria julgado apenas pela sua presença online e não pela vida real.

E qual a parte mais surpreendente dessa aposta de Ali Ayad? O fato de que vivemos em uma era em que isso quase deu certo.

Ilustrações por Lilly Huynh