Guerra na Ucrânia: como a invasão russa ameaça a cooperação no espaço
A invasão da Ucrânia levou a várias sanções contra a Rússia que já estão afetando os acordos de cooperação espacial entre Moscou e países do ocidente.
A invasão russa na Ucrânia ameaça pôr fim a décadas de cooperação entre a Rússia e países do Ocidente, especialmente os Estados Unidos, em projetos de exploração espacial.
Sondas interplanetárias e lançamentos de satélites foram afetados, mas nada simboliza melhor essa possível divisão do que a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).
A estação foi deliberadamente construída com módulos interdependentes americanos e russos - o que significa que eles precisavam um do outro para que a estação prosperasse - e desde 2000 tem sido administrada com grandes contribuições dos EUA e da Rússia.
Mas tornou-se objeto de uma guerra de palavras nas mídias sociais com o chefe da Agência Espacial Russa (Roscosmos), Dmitry Rogozin.
Em uma série de postagens desde 25 de fevereiro, Rogozin fez uma série de alegações, mais dramaticamente a sugestão de que as sanções contra a Rússia poderiam causar a queda da ISS na Terra.
Debate sobre a ISS
A Rússia controla aspectos críticos dos sistemas de propulsão da estação, incluindo aquele que impede que a estrutura seja puxada para a atmosfera do nosso planeta.
Rogozin (também ex-vice-primeiro-ministro russo) insinuou que os cosmonautas russos poderiam abandonar a ISS e deixar para trás o astronauta norte-americano Mark Vande Hei, que passou quase um ano inteiro a bordo - quase todos os voos de e para a estação são operados por russos.
A Roscosmos, no entanto, distanciou-se das observações de Rogozin."A Roscosmos nunca deu motivos para duvidar de sua confiabilidade como parceira", disse a agência em comunicado em 15 de março.
Quatro dias depois, três cosmonautas russos chegaram à estação. Quanto a Vande Hei, o americano vai pegar carona com dois colegas russos que voltam para casa no dia 30 de março.
O atual acordo do ISS garante operações até 2024, mas os EUA estão pressionando por uma extensão até 2030. A Rússia - ou melhor, Rogozin - sugeriu em dezembro passado que não estava interessada em permanecer como parceira após 2024.
Parcerias rompidas
Vários acordos entre Moscou e seus homólogos, como a Agência Espacial Europeia (ESA), foram congelados ou suspensos desde o início da guerra, principalmente o lançamento de um astromóvel europeu em Marte, que deveria voar com a ajuda de um robô russo. foguete. O projeto foi suspenso indefinidamente pela ESA.
"Como uma organização intergovernamental encarregada de desenvolver e implementar programas espaciais em total respeito aos valores europeus, lamentamos profundamente as baixas humanas e as trágicas consequências da agressão à Ucrânia", disse a ESA em comunicado em 17 de março.
"Embora reconheça o impacto na exploração científica do espaço, a ESA está totalmente alinhada com as sanções impostas à Rússia pelos seus Estados-Membros."
A Rússia retaliou retirando um acordo com a ESA para operações conjuntas de lançamento do Centro Espacial da Guiana. A parceria resultou em pelo menos 25 satélites europeus sendo colocados em órbita por foguetes russos Soyuz desde 2011.
Finalmente, a Roscosmos anunciou em 26 de fevereiro que estava encerrando a participação da Nasa na missão Venera D, que envolve o lançamento de um orbitador e módulo de pouso para Vênus em 2029.
'Deixe-os voar em suas vassouras'
Moscou também disse que deixaria de fornecer motores de foguete para empresas americanas.
"Deixe-os voar em suas vassouras", disse Rogozin ao canal de notícias estatal russo Rossiya 24 no início deste mês.
Em sua declaração pública mais recente sobre a crise na Ucrânia, a agência espacial americana Nasa minimizou a posição de Rogozin.
"As outras pessoas que trabalham no programa espacial civil russo são profissionais. Eles não perdem nada conosco, astronautas americanos e controle de missão americano", disse o administrador da NASA, Bill Nelson, à Associated Press em 18 de março.
De fato, os americanos e os russos vêm cooperando nos assuntos espaciais há décadas, apesar da Guerra Fria.
Após a corrida espacial das décadas de 1950 e 1960, vencida simbolicamente por Washington com os pousos na Lua em 1969, representantes dos dois países literalmente apertaram as mãos no espaço em 1975, como parte da missão conjunta Apollo-Soyuz.
Carona russa
A parceria se tornou muito útil para a Nasa após a aposentadoria do programa Space Shuttle: entre 2011 e 2020, os foguetes russos se tornaram a única maneira de astronautas americanos e muitos outros estrangeiros irem ao espaço.
Embora a Space X, empresa de propriedade do bilionário americano Elon Musk, tenha começado a levar astronautas para a ISS em 2020, isso não mudou realmente a situação.
Muitas operações americanas ainda dependem de motores de foguete de fabricação russa - embora a Nasa esteja atualmente desenvolvendo um novo foguete, o Vulcan, que usará motores fabricados pela empresa norte-americana Blue Origin.
As tensões entre a Rússia e seus parceiros ocidentais já haviam surgido antes da invasão da Ucrânia. Bleddyn Bowe, especialista em política espacial da Universidade de Leicester, no Reino Unido, explica que as relações começaram a azedar após a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014.
"Foi uma mudança de direção, porque foi então que a Rússia começou a fazer coisas que antes eram impensáveis para os países europeus", diz Bowe.
Embora o especialista não se surpreenda com as retaliações de Moscou, ele ressalta que a Rússia tem mais a perder no longo prazo em termos de política espacial.
"A Rússia tem sido uma potência espacial em declínio há algum tempo, pois não conseguiu modernizar partes críticas de sua indústria espacial", observa Bowe.
"Depende de importações de tecnologia de computador não apenas do Ocidente, mas também da Coreia do Sul, Japão e Taiwan."
Parceria com a China
Com a economia russa atingida por sanções sem precedentes, o programa espacial provavelmente sofrerá muito.
Os lançamentos de foguetes são uma fonte preciosa de dinheiro para a Roscosmos - uma única viagem em um voo tripulado russo custou à Nasa mais de US$ 90 milhões em 2020.
Analistas espaciais acreditam que a ruptura causada pelo conflito na Ucrânia aumentará o desejo de Moscou de buscar parcerias espaciais para o leste: a Rússia já havia anunciado uma série de planos para missões conjuntas com a China em 2021, que incluíam o desenvolvimento de uma base lunar.
Nos últimos anos, a China tornou-se uma potência espacial emergente com aspirações rivais aos EUA e à Europa - Pequim, por exemplo, espera ter sua própria estação espacial, a Tiangong, totalmente operacional até o final do ano.
A China não faz parte do consórcio de nações da ISS e foi oficialmente impedida de enviar astronautas para lá desde 2011, quando o Congresso dos EUA aprovou uma lei que proíbe o contato oficial americano com o programa espacial chinês - uma decisão motivada por "preocupações com a segurança nacional".
Mas o impacto da miríade de sanções sobre a economia russa pode limitar o papel de Moscou nessa parceria.
"A China tem um programa espacial muito mais robusto do que a Rússia", diz o professor John Logsdon, especialista em Política Espacial dos EUA.
"É a Rússia que precisa da China, não o contrário."
O orçamento da Nasa para 2022, por exemplo, é de US$ 24 bilhões, quase 10 vezes maior que o da Roscosmos, segundo dados divulgados pelo parlamento russo em outubro passado.
O orçamento espacial da China, que não está disponível publicamente, foi estimado em cerca de US$ 9 bilhões em 2020.
Essa lacuna de investimento, acredita Logdson, pode ditar um futuro em que a Rússia seja relegada a um papel secundário na exploração espacial.
"O programa espacial russo já estava em uma posição perdedora há algum tempo", diz o professor.
"É provável que fique isolado, a menos que a China realmente aceite isso."
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