PL das Fake News: o que diz projeto que busca combater notícias falsas
Pedido de urgência para votar projeto foi rejeitado, mas matéria ainda pode voltar à pauta dos parlamentares.
A Câmara dos Deputados rejeitou, na quarta-feira (6/04) um requerimento de urgência para votar o projeto de lei nº 2.630/2020, mais conhecido como o "PL das Fake News". A rejeição foi considerada uma vitória do presidente Jair Bolsonaro (PL), que orientou sua bancada na Câmara a votar contra a matéria. Mas afinal: o que é o PL das Fake News? O que ele mudaria no uso da internet no Brasil se fosse aprovado?
Com 42 artigos, o projeto que tramita na Câmara tem um nome bem mais ambicioso do que PL das Fake News: "Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet". Além de propor medidas que, segundo o projeto, visam diminuir a disseminação de notícias falsas e aumentar as chances de punições aos seus responsáveis, ele também prevê novas normas para o funcionamento de serviços de busca, redes sociais e aplicativos de trocas de mensagens.
Como o texto da Câmara é diferente do que passou pelo Senado, se for aprovado, o projeto deverá ser apreciado novamente pelos senadores antes de ir à sanção presidencial. O caminho para a sua aprovação, no entanto, está mais complicado. Com a rejeição do requerimento de urgência, ele sai da pauta da Câmara. No entanto, ele pode voltar a ser debatido se um novo requerimento for apresentado.
O texto é fruto de anos de debate entre parlamentares, gigantes da tecnologia como Google, Meta (controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp) e organizações não-governamentais. O projeto é tão polêmico que é criticado por praticamente todos os atores envolvidos.
De um lado, setores do governo demonstram preocupação com a possibilidade de o projeto facilitar a remoção de conteúdo publicado por militantes bolsonaristas.
As empresas de tecnologia, por sua vez, criticam mecanismos que dificultam o uso de dados de usuários para publicidade digital, suas principais fontes de renda.
Organizações não-governamentais, por outro lado, são contra os trechos que estendem para as suas redes sociais a imunidade parlamentar de deputados, senadores e vereadores e os que preveem a remuneração de veículos jornalísticos.
Apesar de todas as críticas, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que o texto, em geral, é bom e traz inovações necessárias à regulação do funcionamento dessas ferramentas no Brasil. Por outro lado, eles pontuam que há trechos ambíguos que podem, segundo eles, ir contra o objetivo inicial da lei e acabar criando um ambiente propício à propagação de "fake news".
Confira os principais pontos do projeto e alguns dos seus pontos considerados positivos e negativos pelo atores envolvidos:
PL das Fake News: novas regras sobre publicidade
O projeto prevê que as empresas que fornecem aplicações de internet identifiquem aos usuários quando determinado conteúdo é publicidade ou não. Essa identificação deve constar, inclusive, quando se trata de propaganda eleitoral. Neste caso, os provedores devem fornecer acesso a todos os dados das campanhas impulsionadas - por exemplo, o valor gasto e os critérios usados pelos partidos ou candidatos para selecionarem o perfil dos eleitores atingidos pelas peças.
O projeto também restringe o compartilhamento de dados de usuários coletados pelas plataformas com seus parceiros comerciais. Esses dados são utilizados para distribuir anúncios de forma mais direcionada.
Essa é a base da chamada "mídia programática", um mecanismo que permite que um anúncio sobre sapatos seja direcionado apenas a quem faz buscas sobre sapatos e não ao público interessado em outros assuntos, como carros.
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, Pablo Ortellado, a proposta é benéfica pois fornece meios aos cidadãos para que identifique mais facilmente quando está diante de um conteúdo publicitário ou não.
"Essa transparência vai obrigar as empresas a informar, logo de cara, quando um conteúdo é publicidade. No caso das eleições, isso vai dar mais condições para o eleitor identificar não apenas que um conteúdo é publicitário, mas quanto foi gasto e qual foi a estratégia do candidato", afirmou Ortellado.
Empresas como o Google criticam a restrição sobre o compartilhamento de dados com terceiros. Em carta divulgada em março, a empresa disse que a medida pode prejudicar as empresas que usam seus serviços de publicidade.
"Se o texto atual do projeto de lei for aprovado, milhares de pequenas e médias empresas no Brasil - muitas delas ainda se recuperando da crise causada pela pandemia - terão dificuldades em aumentar suas vendas com a ajuda da publicidade on-line [...] Dessa maneira, os anúncios digitais podem gerar menos vendas e as empresas pequenas terão de investir mais para alcançar o mesmo número de clientes", diz a empresa.
PL das Fake News: restrições aos disparos em massa
Pelas novas regras, ficam proibidos os disparos de mensagens em massa para fins políticos e partidários. A comercialização de softwares e aplicações que permitam esses disparos também fica proibida.
O envio massivo de mensagens só seria permitido para fins comerciais e institucionais, como, por exemplo, uma campanha de saúde ou alertas emitidos por órgãos como a Defesa Civil. A ideia é coibir a disseminação de informações falsas em larga escala antes, durante e após o período eleitoral.
PL das Fake News: exigência de representação no Brasil
O projeto determina que empresas que atuem como ferramentas de busca, redes sociais e serviços de troca de mensagens tenham uma sede no Brasil. Essa representação deverá ser capaz de responder pelo serviço junto às autoridades administrativas e judiciais brasileiras.
Para Pablo Ortellado, a medida é positiva e tem o objetivo de submeter empresas estrangeiras que operem no Brasil às normas. Ele cita o caso do aplicativo Telegram, com sede nos Emirados Árabes Unidos e que vinha sendo procurado pela Justiça Eleitoral e só se apresentou ao judiciário brasileiro depois que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão do seu funcionamento no país.
"Essa medida é boa porque, como vimos no caso do Telegram, a falta de uma representação no país dificulta a aplicação de sanções. Se a empresa não tem uma sede no Brasil, fica praticamente impossível obrigá-la a cumprir as normas brasileiras", explica.
PL das Fake News: relatórios de transparência
Empresas responsáveis por ferramentas de busca, redes sociais e serviços de troca de mensagens terão que publicar relatórios semestrais com informações sobre a quantidade de usuários ativos, remoções de conteúdo e outras sanções aplicadas por infrações às normas de uso. Até o momento, as empresas não são obrigadas a fornecer esses dados.
Para o advogado e diretor-executivo do InternetLab, Francisco Brito Cruz, a transparência sobre o funcionamento das plataformas digitais seria um ganho para a sociedade porque permitiria uma melhor compreensão sobre a dimensão de problemas como a disseminação de notícias falsas. O InternetLab é um centro independente que estuda e monitora o ambiente digital no país.
"A transparência sobre esses dados fornece meios à população e a formuladores de políticas públicas para saber como lidar com fenômenos como a desinformação. O pouco que conseguimos avançar até agora só foi possível a partir da transparência. Se houver mais dados, o ganho será maior", explica.
Empresas como o Google, por outro lado, criticaram a proposta. A empresa diz que a divulgação de dados sobre o funcionamento dos sistemas de publicidade da empresa poderiam favorecer "agentes mal-intencionados" que poderiam manipular essas informações e potencializar o alcance de conteúdo indevido.
"Divulgar esse tipo de dado não ajudará na luta contra a desinformação. Ao contrário, oferecerá a agentes mal-intencionados um 'guia' sobre como contornar as proteções dos nossos sistemas [...] Com isso, eles poderiam manipular essas informações para conseguir obter uma melhor posição no nosso ranking de pesquisas", diz um trecho da carta divulgada pela empresa.
PL das Fake News: fim da monetização de contas institucionais
O projeto prevê que as plataformas não poderão monetizar contas e perfis de atores institucionais como políticos com mandato, integrantes do alto escalão do Poder Executivo federal, estadual e municipal, além de membros do Poder Judiciário, entre outros. A monetização é o repasse de recursos de publicidade a contas e perfis em plataformas como YouTube e Twitch.
Cruz pontua que essa medida impediria o uso de recursos públicos na manutenção de contas monetizadas e cujos lucros acabam sendo privados.
"Nos últimos anos, a gente percebeu que muitas contas de agentes públicos eram alimentadas por funcionários pagos com recursos do contribuinte e eram monetizadas por plataformas como YouTube. Essa vedação é um avanço", afirmou.
PL das Fake News: remuneração por conteúdo jornalístico
Um dos pontos mais polêmicos do projeto é o que prevê que empresas de tecnologia como Google, Meta e Twitter paguem veículos jornalísticos pelos conteúdos divulgados em suas plataformas.
A forma como essa remuneração seria feita não está detalhada no projeto de lei.
Nesse ponto, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil e as empresas de tecnologia também são contra a medida. Eles avaliam que falta clareza sobre como esse mecanismo funcionaria. Entidades que representam jornalistas como a Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos (Abraji) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) assinaram um manifesto contra o artigo na forma como ele está no texto.
Ortellado e Cruz temem que ele favoreça empresas que divulguem notícias falsas. As "big techs" alegam que, como está, o texto pode beneficiar apenas grandes veículos.
"O texto está vago e deixa muitas lacunas. Quando ele diz que a remuneração deverá ser feita para veículos com mais de um ano de funcionamento e não faz menção ao tipo de conteúdo, isso deixa margem para que empresas supostamente jornalísticas, mas que divulgam notícias falsas, também possam ser remuneradas pelas big techs", diz Ortellado.
Em carta divulgada em fevereiro, Google, Facebook/Instagram, Mercado Livre e Twitter criticaram esse trecho do projeto.
"O PL também não reconhece esforços de parcerias que as plataformas estabeleceram ao longo dos anos com veículos de imprensa no Brasil. Isso pode acabar favorecendo apenas os grandes e tradicionais veículos de mídia, prejudicando o jornalismo local e independente, e limitando o acesso das pessoas a fontes diversificadas de informação", diz o documento.
PL das Fake News: imunidade parlamentar
Outro ponto polêmico do projeto é o que prevê a extensão da imunidade parlamentar aos sites e redes sociais mantidos por parlamentares brasileiros. O texto não é claro sobre o que essa extensão significaria na prática, mas especialistas afirmam que o risco é de que esse dispositivo inviabilize a remoção de conteúdos que violem as políticas de uso das empresas como poderia acontecer com um cidadão comum.
"Esse dispositivo está ambíguo porque não diz exatamente o que significaria essa imunidade. Uma das formas que ela pode ser interpretada é a de que as empresas de internet não podem remover conteúdos que violem as suas políticas quando se tratar de um parlamentar. Isso desestimularia as empresas a remover postagens ofensivas feitas por políticos", diz Francisco Brito.
Questionado sobre o assunto em entrevista ao jornal O Globo, o relator do projeto na Câmara, Orlando Silva (PCdoB-SP), negou que o projeto crie uma "blindagem" a parlamentares que disseminem notícias falsas. Ele sinalizou, porém, estar aberto a mudar a redação do texto.
"A imunidade parlamentar não é escudo para crime nem criminoso. Tanto é assim que há parlamentares que estão sendo processados. Estou seguro de que não há nenhum risco de blindagem de político, mas, até a última hora, vou procurar a melhor redação para que não pairem dúvidas quanto ao que está pretendido ali", disse.
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