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Opinião: como o Yahoo traiu os usuários do Flickr ao fazer o que pediam

David Weinberger

07/01/2015 06h01

Os usuários do serviço de compartilhamento de fotos Flickr do Yahoo não deveriam ter se surpreendido quando a empresa anunciou que venderia impressões de suas fotos. Na verdade, eles deveriam ter ficado satisfeitos. Afinal, o Yahoo venderá apenas as fotos que têm explicitamente autorização dos próprios usuários para esse propósito.

Mesmo assim, para muitos de nós parece uma traição. O motivo para essa sensação nos diz algo sobre uma divisão fundamental que as empresas ignoram a seu próprio risco.

Antes de sua aquisição pelo Yahoo, o Flickr mostrou ser um cidadão íntegro da internet ao, entre outras coisas, dar aos seus usuários a opção de aplicar uma licença Creative Commons às fotos que postavam ali. As licenças Creative Commons dão permissão para reutilização do conteúdo sem obtenção explícita de consentimento prévio do detentor do direito autoral.

O Flickr deixou seus membros escolherem entre dois tipos de licença CC: ou o “reutilizador” precisa incluir a atribuição (CC-BY) ou também não pode utilizar as fotos comercialmente (CC-BY-NC).

De qualquer forma, a licença CC traz vantagens para as três partes envolvidas:

-Para o dono da foto: seu trabalho agora pode circular mais livremente.

-Para a internet: a foto se soma às dezenas de milhões disponíveis para reutilização no Flickr, muitas delas de alta qualidade.

-Para o Flickr: novos usuários chegam à procura de uma foto e permanecem, porque gostam do lugar.

O Yahoo quebrou esse triângulo virtuoso ao vender impressões de "arte de parede" de qualquer uma das 50 milhões de fotos licenciadas como CC-BY no Flickr. Ele cobraram US$ 100 por isso, apesar de, no momento, terem reduzido o valor pela metade.

Quanto desse dinheiro irá para os autores dessas fotos? Nada. Quanto dinheiro o Yahoo é obrigado a dar aos autores? Nada. As impressões atendem totalmente a licença CC-BY ao incluir o nome do autor.

Então qual é o problema?

A primeira coisa é reconhecer que há um problema. Parte de nós sente que o Yahoo está se aproveitando dos usuários. O que a empresa está fazendo não é o que tínhamos em mente quando colocamos nossas fotos sob a licença CC-BY. Nós estávamos tentando contribuir com nossa cultura de um modo pequeno. Nós estávamos compartilhando.

Agora o Yahoo se inseriu em nosso triângulo encantado. As conexões entre os vértices desse triângulo eram caracterizadas por compartilhamento e boa fé. Mas o Yahoo transformou nossas fotos –nossos presentes– em bens e os reduziu ao seu valor em dinheiro.

A sensação de traição é agravada pelo fato de o Yahoo ser dono do Flickr. Afinal, sob os termos da licença CC-BY, qualquer terceira parte pode pegar as fotos do Flickr e oferecê-las para revenda. Nós provavelmente eliminaríamos isso como consequência da escolha pela licença CC-BY. Mas quando é a empresa dona do Flickr que faz isso, a experiência passa de se sentir explorado a se sentir traído.

O fato de muitos de nós se sentirem assim, apesar das ações do Yahoo estarem de acordo com a licença que adotamos, ilustra o abismo aberto pelos rios poderosos da internet: algumas empresas estão do nosso lado e algumas não estão. Estar do nosso lado significa não fazer tudo o que as letras miúdas permitem, mas sim pensar primeiro no que seus clientes de fato querem, como de fato se sentem e então chegar a um entendimento com eles.

O Yahoo ignorou tudo isso. Ao fazê-lo, ele revelou não apenas que não é um de "nós", mas também que nem mesmo sabe que há um "nós".

(David Weinberger é codiretor do Laboratório de Inovação da Biblioteca de Harvard e autor, mais recentemente, de "Too Big to Know".)