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"Ex-viciado" propõe em livro dieta digital para evitar overdose de tecnologia

Daniel Sieberg, jornalista canadense, se autodenomina um ""ex-viciado"" em tecnologia - Arquivo pessoal
Daniel Sieberg, jornalista canadense, se autodenomina um ''ex-viciado'' em tecnologia Imagem: Arquivo pessoal

Fernanda Calgaro

Do UOL, em Londres

17/01/2012 06h01

Você é daqueles que ficam aflitos se não conseguem checar e-mail no fim de semana ou se irritam com o Wi-Fi lento do hotel numa viagem a passeio? Talvez você precise de uma dieta para se "desintoxicar" da tecnologia, sugere o jornalista canadense Daniel Sieberg, especializado na área -- ele próprio um "ex-viciado". Autor do livro "The Digital Diet" (do inglês, "a dieta digital"), ainda sem tradução para o português, ele propõe um programa em quatro etapas para acabar com a dependência e encontrar o equilíbrio.

Os quatro passos da dieta digital

1) Não usar nenhum tipo de gadget, como smartphone e tablet, ou acessar as redes sociais, a exemplo de Facebook e Twitter, por um ou dois dias. A ideia é avaliar como a tecnologia domina o seu dia a dia e o impacto que ela tem nas suas relações com as pessoas.
2) Fazer um balanço do número de gadgets e de redes sociais e blogs que acessa usando o "índice de peso virtual".
3) Restabelecer relações pessoais que possam ter sido afetadas de alguma maneira pelo uso da tecnologia.
4) Incorporar as tecnologias realmente necessárias e até algumas que ajudam a gerenciar a sua vida, como aplicativos que indicam perda de peso, que impedem o envio de mensagens enquanto se dirige ou que organizam calendário.

A dieta inclui um período de abstinência e o cálculo do "peso digital" de cada pessoa, com base em um índice criado por Sieberg que leva em conta o número de aparelhos eletrônicos, logins e serviços, como são usados e por quanto tempo. Aos 40 anos, Sieberg, que trabalha atualmente no Google de Nova York e chegou a fazer coberturas para veículos como os canais de TV CNN, CBS News, BBC News e Discovery Channel, diz que o livro surgiu a partir da sua própria experiência.

Ele conta que percebeu algo errado quando ficou cara a cara com um tubarão durante um mergulho nas Bahamas. Em vez de medo ou frio na barriga diante do enorme predador, sentiu uma vontade louca de usar seu Blackberry e compartilhar aquele momento com seus amigos nas redes sociais. "Passei a analisar como a minha dependência em tecnologia tinha impacto no meu casamento e no relacionamento com a família e amigos."

Sieberg reconhece que é impossível ficar sem tecnologia, mas propõe que as pessoas aprendam a viver com uma quantidade sustentável, sem serem atropeladas por ringtones ou ficarem desnorteadas quando a internet cair. Os sinais de dependência excessiva variam, segundo ele. "Sempre haverá casos extremos de indivíduos sufocados pelo excesso de alguma coisa. Meu livro foca na maioria, que busca meios de tirar vantagem da tecnologia de maneira saudável."

A obra traz, por exemplo, várias sugestões de aplicativos. "Um dos melhores é o 'Rescue Time' [do inglês, 'recupere o tempo'], que monitora as suas experiências online e mostra como você gasta o seu tempo. Outros programas também podem trazer benefícios, como os disponíveis nos consoles de videogame que permitem aos pais limitar o tempo em que o aparelho fica ligado."
 
A maneira como as crianças interagem com tecnologia é, aliás, uma preocupação genuína sua. Pai de uma menina de um ano, Sieberg revela que não deixa a filha nem assistir à TV. A única exceção são as videochamadas no laptop com os avós. "Como eles moram no Canadá, essa é a maneira de participarem mais da vida dela."

Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao UOL Tecnologia por Sieberg, que estará em janeiro em Londres para lançar seu livro no Reino Unido.

  • Divulgação

    Livro ''Dieta Digital'', do canadense Daniel Sieberg, propõe um programa em quatro etapas para acabar com a dependência e encontrar o equilíbrio



UOL Tecnologia - Por que as pessoas estão perdendo o controle sobre o uso da tecnologia?

Daniel Sieberg - Acredito que em parte tem a ver com a rapidez com que incorporamos certos aparelhos, como os smartphones. Um smartphone é um minicomputador que cabe no bolso e nos permite fazer qualquer coisa online a qualquer hora. Enquanto, obviamente, há benefícios maravilhosos nesse tipo de tecnologia, acho também que ela aconteceu de forma muito rápida sem que talvez tivéssemos a chance de parar e refletir sobre o impacto disso nos nossos relacionamentos e no gerenciamento do nosso tempo.

UOL Tecnologia - De que maneira uma overdose de tecnologia prejudica o dia a dia?

Sieberg - Varia. Algumas pessoas acabam disfuncionais por causa da dependência excessiva de tecnologia. Conheci um casal que jogava RPG pela internet por 12, às vezes 18, horas por dia no mesmo quarto. Eles nunca conversavam pessoalmente, mas interagiam no jogo. O problema é que os dois filhos pequenos deles, sendo um com necessidades especiais, eram negligenciados. É um exemplo extremo. Na outra ponta estão as pessoas que não usam muita tecnologia e dão pouca importância a ela. Mas acho que a grande maioria de nós está no grupo dos que amam tecnologia e se preocupam com o espaço que ocupa nas nossas vidas.

UOL Tecnologia - E como fica a geração que já nasceu conectada?

Sieberg - A geração de hoje cresceu somente com a experiência de estar online, sempre conectada. Conheci 50 estudantes em Vancouver quando faziam uma "desintoxicação" de cinco dias sem redes sociais ou mensagens de textos. Só podiam enviar alguns e-mails. Certamente, não foi fácil para eles, mas a maioria achou que a experiência valeu a pena porque ganharam alguma perspectiva e passaram a valorizar a tecnologia de que dispõem. Mas lembre-se: como parte da "dieta digital", sugiro não mais do que um ou dois dias de "desintoxicação". Mesmo com um período curto é possível obter um bom resultado.

UOL Tecnologia - Você propõe um índice para calcular o peso que a tecnologia tem na nossa vida (calcule aqui o seu).

Sieberg - O "Índice de Peso Virtual" é uma brincadeira em cima do Índice de Massa Corporal (IMC) e a ideia é mostrar o peso que você não vê. Em outras palavras, medir o número de aparelhos, logins e serviços que você usa e avaliar quais são necessários. Admito que o índice é ligeiramente arbitrário por natureza, mas tem como base muitos anos de experiência.

UOL Tecnologia - Para quem é destinada a dieta?

Sieberg - É para qualquer um que ame tecnologia, mas que busca um equilíbrio saudável. A dieta foi desenhada para ser abrangente, mas não é uma medida única. As pessoas têm "metabolismos digitais" diferentes: uma quantidade de tecnologia que sufoca alguém pode, ao mesmo tempo, ser boa para outra. A dieta permite incluir qualquer um da família e há dicas específicas para os pais, como colocar os smartphones da família na geladeira durante o jantar.
 
UOL Tecnologia - Existe um consumo ideal de tecnologia? Qual é o equilíbrio?

Sieberg - É diferente para cada pessoa, mas, de uma forma geral, devemos tratá-lo como comida e lembrar que é uma estratégia de longo prazo. Usar muito num dia não vai ser prejudicial ao longo de semanas, meses ou anos. E varia conforme a situação. O ponto central é ter em mente se a tecnologia o prejudica ou prejudica aqueles ao seu redor e encontrar um meio de alcançar um tipo de "zen tech".

UOL Tecnologia - E quando a dieta não é seguida à risca?

Sieberg -
Não há problema. Nós somos humanos. Eu certamente estou longe de ser perfeito e em alguns dias não é fácil seguir qualquer tipo de plano, muito menos a dieta digital. A ideia é incorporar os ideais da dieta a cada dia o máximo possível e sentir, ao final do dia, que você foi produtivo e esteve em contato com o que realmente importa.

UOL Tecnologia - Você se descreve como um viciado de jogos online, mídias sociais e smartphone em recuperação. Que regras passou a adotar?

Sieberg -
Há algumas regras básicas que tento seguir todo dia e incluem não colocar meu smartphone para carregar no meu quarto, não colocá-lo em cima da mesa durante as refeições, a não ser que seja absolutamente necessário, e garantir que eu foque nos meus relacionamentos "ao vivo" e não somente on-line. Como disse, amo tecnologia e não sou perfeito, mas procuro ter autocontrole e me sinto confiante. E espero que as pessoas sintam o mesmo ao ler o livro.

UOL Tecnologia - Hoje em dia, até mesmo crianças sabem ver fotos num iPhone. Como é a relação da sua filha com tecnologia?

Sieberg
- Minha filha acabou de fazer um ano de idade e toda vez que vê um laptop ou smartphone quer mexer. Mas a regra é que ela só pode brincar se estiverem desligados. A minha opinião como pai, antes de mais nada, é que ela não precisa dessa interação com tecnologia agora e não sei quando vou permitir mais acesso. Ela também não assiste à TV. Quando for a hora para ela aprender sobre tecnologia, estou tranquilo que será rápido. Por enquanto, ela pode descobrir o mundo ao seu redor sem distrações digitais.

A única exceção é a videochamada, porque a minha família vive no Canadá e nós moramos em Nova York e, assim, meus pais conseguem participar mais da vida dela. Eles até estiveram "presentes" virtualmente da festa de aniversário dela. A questão em torno da tecnologia é sobre como encontrar os melhores usos para ela. Ninguém espera perfeição e escolhas sempre precisam ser feitas a respeito do seu uso em nossas vidas. A chave é lembrar que nós podemos fazer essas escolhas.