"Jobs" agrada a curiosos sobre a Apple, mas deixa "Steve" superficial
Quem for ao cinema assistir a “Jobs”, filme baseado biografia do executivo norte-americano, provavelmente sairá de lá com a sensação de que a história da Apple foi muito bem contada, mas não a de seu criador. O longa estreia nesta sexta (6) no Brasil.
Sem dúvida, seria praticamente impossível reproduzir nas telas -- com a mesma riqueza de detalhes -- a vida de Steve Jobs como ela é contada na biografia autorizada do executivo, escrita por Walter Isaacson e que inspirou algumas cenas do longa (embora os direitos desse livro tenham sido comprados pela Sony Pictures). Também nem é essa a função do longa hollywoodiano, que está nos cinemas para entreter a plateia, e não para fazer uma mera reprodução documental.
O espectador, seja aquele leitor ou não da biografia, dificilmente consegue captar pelo filme a essência contraditória da personalidade de Jobs: algo como o “médico e monstro” (ou mesmo “gênio e louco”), como é possível perceber no texto de Isaacson.
Ao mesmo tempo em que o autor do livro descreve o modo visionário com que Jobs criava novos produtos, faz questão de destacar as reações raivosas dele durante a execução desses projetos. Aborda também sua técnica do “campo da distorção da realidade”, em que conseguia “convencer qualquer um de praticamente qualquer coisa”. Já o filme mostra um Jobs mais “leve” e menos conflituoso.
O filme foi dirigido pelo pouco conhecido Joshua Michael Stern (de “Promessas de um Cara de Pau”) e tem roteiro de Matt Whiteley.
Abaixo, o UOL Tecnologia descreve alguns detalhes que o filme acaba não mostrando, mas estão no livro biográfico:
Juventude resumida
Jobs (Ashton Kutcher) não concluiria os estudos na universidade
A falta de densidade ao personagem “Steve” ocorre, principalmente, pela passagem muito rápida da juventude do cofundador da Apple, com breve menção ao fato de ele ser adotado e ao seu “desajuste” com os métodos formais de educação.
De acordo com Isaacson, Joanne Shieble ficou grávida de Jobs aos 23 anos. O pai, Abdulfattah Jandali, sírio e assistente na Universidade de Wisconsin, não era aceito pela família dela. Ela entregou o bebê à adoção, exigindo que o filho fosse enviado à faculdade quando chegasse à idade adulta, compromisso cumprido pelos pais adotivos.
Mais tarde, Jobs não concluiria os estudos na universidade e, também aos 23 anos, abandonaria a filha (Lisa). O reencontro dele com Jandali também não está no filme.
Nessa mesma época, ao retornar de uma viagem à Índia, Jobs “se inicia” em dietas compulsivas, que para Isaacson explicam a sua “loucura do tipo cultivada”. O tema é abordado tão superficialmente no filme que nem de leve reflete o comportamento bizarro (e teimoso) do cofundador da Apple. Até o final da vida, ele faria experiências como passar semanas se alimentando apenas de suco de cenoura ou só de legumes.
Já o uso de LSD por “Steve” virou uma das cenas mais belas do longa: o jovem aparece em um campo de trigo regendo uma música de Bach. No livro, o momento da “viagem” é descrito, no entanto, brevemente. “Eu andava ouvindo muito Bach. De repente, o campo de trigo estava tocando Bach. Foi a sensação mais maravilhosa da minha vida até então. Eu me senti como o maestro dessa sinfonia, com Bach vindo através do trigo.”
De onde veio Woz?
Steve Wozniak, cofundador da Apple, é interpretado por Josh Gad (dir.)
A aparição de Steve Wozniak na vida de Jobs também ocorre de “supetão” no filme, sem mostrar de onde os dois se conheciam, a origem do interesse deles por eletrônica, nem a intensidade de sua amizade. No livro, Isaacson dedica um capítulo inteiro ao encontro, intitulado “Um estranho casal”.
Durante o ensino médio, Jobs frequentava as aulas de eletrônica da Homestead High, onde “Woz” tinha estudado também. Ele era cinco anos mais velho que Jobs e foi apresentado por Bill Fernandez, um amigo em comum.
“Steve e eu sentamos na calçada em frente à casa de Bill por muito tempo, apenas contando histórias, principalmente sobre trotes que tínhamos passado, e também que tipo de projetos eletrônicos havíamos feito. Tínhamos muito em comum”, descreveu Woz a Isaacson.
Briga com Sculley
Matthew Modine interpreta John Sculley, responsável pela saída de Jobs da Apple
A entrada em cena de John Sculley, responsável pela saída de Jobs da Apple em 1985, fica no filme aquém dos fatos relatados na biografia. A ideia de sondá-lo para o cargo de diretor-executivo, segundo o livro, foi de Gerry Roche, caçador de talentos contratado pelo cofundador da Apple e Mike Markkula, investidor que ajudou a Apple a sair da garagem da casa dos pais de Jobs e virar uma empresa “de verdade”.
Antes de os desentendimentos entre os dois começarem, eles mantiveram meses de bom relacionamento, se encontrando várias vezes por dia e chegando a um ponto de entrosamento em que “um completava a frase do outro”. No filme, no entanto, esses diálogos não aparecem. Sculley entra em cena se apresentando aos funcionários da Apple ao assumir o cargo de diretor-executivo e pouco conversa com “Steve”.
Enquanto o filme mostra a cisão entre os dois basicamente como fruto da queda nas vendas dos Macintosh e pela divergência quanto ao preço dos computadores, Isaacson aponta mais causas. Para o cofundador da Apple, o problema era que “Sculley nunca tinha se ligado ao produto”. Já o ex-presidente da Pepsi não conseguia mais manipulá-lo e achava Jobs “frequentemente irritante, rude, egoísta e malcriado com os outros”.
Somado a isso, as oscilações de humor de Jobs pioraram, escreve Isaacson, e ele se tornou ainda mais “brutal” com todos a sua volta. O longa, no entanto, mostra só alguns acessos de raiva.
Esse comportamento começou a gerar a revolta de funcionários de várias áreas e desestabilizar o ambiente. Foi então que Sculley sugeriu a Jobs que desistisse da gerência da divisão Macintosh e se concentrasse no desenvolvimento de novos produtos.
Durante sete dias, em maio de 1985, essa crise foi crescendo. Jobs tinha um plano para destituir Sculley, que ficou sabendo e cancelou uma viagem que faria à China – cena mostrada no filme. Durante uma reunião para confrontar Jobs, Sculley “perdeu as estribeiras”, escreve Isaacson. No filme, no entanto, ele apenas diz “estar sem palavras”. A votação pela saída de Jobs ocorre e, dentro da Apple, ele se reúne com colegas do Macintosh e chora. No filme, ele vai para a casa dos pais e chora.
Gates x Jobs
Cena em que Jobs (Ashton Kutcher) discute por telefone com Bill Gates
No longa, um telefonema raivoso de Jobs a Bill Gates, cofundador da Microsoft, resume a briga entre os dois após o lançamento do Windows, com recursos de interface gráficas semelhantes aos criados pela Apple – janelas, ícones e o cursor na tela para operar o sistema. Sem o contexto, o espectador pode até julgar Gates o grande “vilão” da história.
No livro, Isaacson dedica um capítulo a todo o episódio, iniciado quando a Apple encomendou à Microsoft softwares que rodassem na plataforma dos Macintosh. O autor diz que Jobs se preocupava com a possibilidade da cópia da interface gráfica – mas, anos antes, a Apple tinha feito algo semelhante com o recurso criado pela Xerox Parc.
A discussão entre os dois ocorreu pessoalmente, na Apple. Jobs “ficou uma fera”, mas pouco podia fazer. Um acordo entre as empresas deu à Microsoft a licença para “usar parte do visual gráfico da Apple no Windows” e, em troca, a Microsoft continuaria a produzir softwares para o Macintosh, com um período de exclusividade sobre o Excel à Apple.
Volta à Apple
Kevin Dunn (esq.) como Gil Amelio, que foi diretor-executivo da Apple de 1996 a 1997
A volta de Jobs à Apple, em 1997, ocorre de forma “rápida” no filme, embora tenha demorado 12 anos para que isso acontecesse. Nesse meio tempo, ele criou a fabricante de computadores Next. Ela é citada de relance e foi comprada pela Apple em 1996. Essa aquisição foi o que aproximou Jobs de Gil Amelio, então diretor-executivo da Apple.
Embora seja bem apresentada, a volta de Jobs cria a expectativa de que veremos a forma como ele conseguiu recolocar a Apple entre as maiores fabricantes de eletrônicos do mundo. Nesse ponto, entra em cena Jonathan Ive, então diretor de design na empresa e figura-chave na fabricante atualmente.
Ele mostra um desenho de como seriam os novos Macs (G3, azuis). Porém, depois, nada mais é dito: nem do iPhone ou iPad. No livro, Isaacson dedica um capítulo inteiro para cada um dos aparelhos, lançados em momentos bem diferentes da Apple (e do mercado de tecnologia).
O iPhone, em 2007, foi o divisor de águas no mercado de smartphones, lançado quando a Apple já havia recuperado seu status de grande fabricante com o iPod, Macs e Macbooks. Já o iPad, em 2010, inaugurou o mercado de tablets. O ultraportátil despertou o fascínio (e desejo) dos consumidores, que pouco conheciam sua utilidade. O iPad provou de vez a existência do “efeito Apple” em torno dos gadgets lançados pela fabricante, com filas quilométricas de compradores no início das vendas do tablet.
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