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Mesmo anônimo, usuário do Kiwi ainda pode ser identificado, diz advogada

Aplicativo de perguntas e respostas Kiwi pode repetir os mesmos erros do Secret  - Reprodução
Aplicativo de perguntas e respostas Kiwi pode repetir os mesmos erros do Secret Imagem: Reprodução

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

26/03/2015 06h00

Embora o Kiwi - Q&A não seja o primeiro aplicativo a permitir interações anônimas, a opção atraiu uma série de usuários e, em pouco menos de uma semana, ele tornou-se um dos mais baixados da categoria gratuito na loja de conteúdos Android (o sistema mais popular do Brasil).

Engana-se, no entanto, que o anonimato prometido pela plataforma inviabilize a identificação dos usuários. É o que afirma Alessandra Borelli, advogada da Opice Blum e diretora-executiva da Nethics Educação Digital.

Ainda que o Kiwi garanta o anonimato, como explica a advogada, os dados de todos os usuários do app são armazenados na sede da empresa, na Califórnia (EUA). "Mesmo estando em outro país, o Marco Civil obriga que os dados sejam repassados sempre que solicitados pela justiça brasileira. Até porque as informações foram colhidas aqui e devem respeitar as nossas leis", justifica. O próprio aplicativo, segundo ela, alerta os usuários sobre a possibilidade da identificação no termo de uso. "O grande problema é que ninguém lê esse conteúdo."

No app, é possível responder e fazer perguntas (identificando-se ou optando pelo anonimato). Todos os questionamentos devem ter um "destinatário". Caso não tenha gostado de uma pergunta, há a opção de ignorá-la ou excluí-la. Curtir respostas e responder com textos ou imagens também estão entre as funcionalidades do Kiwi, que está disponível em versões para Android, iOS e web (https://kiwi.qa). O receio é que os usuários recorram ao anonimato da plataforma para praticar bullying ou incitar o ódio.

"Ao que tudo indica, com a vulnerabilidade do suposto anonimato, o Kiwi tende a causar constrangimentos às pessoas e a causar os mesmos problemas do Secret e do Cryptic [outros aplicativos que permitem interações anônimas]", afirma a especialista em direito digital, que enfatiza as proibições previstas na legislação brasileira. "A Constituição Federal prevê a livre manifestação do pensamento, mas veda o anonimato."

Em agosto de 2014, o Secret foi proibido no Brasil e removido da loja virtual da Apple, a App Store, por determinação judicial do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Na avaliação do juiz Paulo César de Carvalho, autor da ação, o uso do aplicativo viola o modelo de liberdade de manifestação com responsabilidade. Após um recurso apresentado pelo Google, a determinação foi suspensa.  "O Kiwi também não está isento de sofrer sanções semelhantes, já que pode causar os mesmos problemas se não usado de forma ética e responsável", relata Alessandra.

No termo de uso, que deve ser aprovado pelo usuário antes da instalação do app, o Kiwi se exima de qualquer responsabilidade a cerca do conteúdo publicado.

"Você é o único responsável por todas as suas comunicações e interações (...) Você não pode utilizar os serviço para divulgar conteúdo fraudulento, difamatórios, obsceno, pornográfico, que promova a discriminação, a intolerância, o racismo, o ódio, o assédio ou dano a qualquer indivíduo ou grupo (...) O Kiwi tem o direito de investigar e julgar qualquer uma dessas violações, além de envolver e cooperar com as autoridades policiais para processar aqueles que violarem os termos de uso."

Para Alessandra, o grande problema está na imagem equivocada que os brasileiros têm da internet. "Muitos acreditam que a rede é um universo sem lei. Mas isso não é verdade. Tudo que você diz fica registrado e facilmente usado como prova contra você", relata ela, que diz que nem o anonimato pode salvar o infrator. "Com a tecnologia, as pessoas são identificáveis, algumas com mais facilidades e outras nem tanto assim."

As punições, como ela acrescenta, estão previstas na Constituição Federal: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". 

Veja abaixo seis dicas para tornar sua interação no Kiwi saudável:

1. Evite ofender pessoas ou grupos
As suas ofensas podem provocar danos a terceiros, algumas vezes irreparáveis, e você pode ser responsabilizado civil e criminalmente por isso. Lembre-se que tudo que você publica no aplicativo é público e pode ser usado contra você.

2. Não use a imagem de outras pessoas sem autorização
Prefira falar apenas por você e evitar contratempos na interação com os "amigos".

3. Não curta ou compartilhe ofensas
Curtir e compartilhar ofensas o torna tão culpado quanto o autor do crime. Por isso, pense bem antes de sair curtindo tudo, sem ao menos se atentar ao conteúdo.

4. Não passe informações sobre sua localização
O próprio Kiwi faz essa recomendação em seu termo de uso e alerta os riscos de vulnerabilidade dos usuários que publicam sem menor pudor informações pessoais. O acesso à eles é publico e não se restringe apenas a pessoas bem intencionadas.

5. Se alguém estiver te envolvendo em ação ilícita, pule fora
Fique atento a todos os posts que envolvam o seu nome e certifique-se que não estão relacionados a nenhuma ação ilícita. Na dúvida, prefira pecar pelo zelo.

6. Denuncie qualquer ação ilícita
Não pense duas vezes em denunciar qualquer ação suspeita no app, mesmo que você não seja a vítima. A sua identidade será mantida em sigilo.