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Parceria com Facebook deve amenizar, mas não solucionar deficit de conexão

A presidente Dilma Rousseff com o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, durante a Cúpula das Américas, na Cidade do Panamá, em abril - Robert Stuckert Filho/Presidência do Brasil/AFP
A presidente Dilma Rousseff com o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, durante a Cúpula das Américas, na Cidade do Panamá, em abril Imagem: Robert Stuckert Filho/Presidência do Brasil/AFP

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

17/04/2015 06h00

Há uma semana, o governo brasileiro anunciou uma parceria com o Facebook para expandir o acesso gratuito à internet pelo smartphone para populações de baixa renda. Pouco se sabe sobre a iniciativa, que deve ser detalhada apenas em junho. Ainda assim, especialistas entrevistados pelo UOL Tecnologia dizem acreditar no potencial do projeto para amenizar, mas não para solucionar o deficit de conexão no país.

Um estudo publicado pela Unesco e pela UIT (União Internacional das Telecomunicações) coloca o Brasil em 74º lugar no ranking mundial de conectividade. O país, segundo "O Estado da Banda Larga em 2014", mantém 51,6% da população conectada à rede. Porcentual que o coloca atrás inclusive de alguns de seus vizinhos: Colômbia (51,7%), Venezuela (54,9%), Uruguai (58,1%), Argentina (59,9%) e Chile (66,5%). Os dados incluem tanto acesso à banda larga fixa como as conexões da internet móvel.

"Sou totalmente a favor de qualquer iniciativa que amplie a possibilidade de conectar as pessoas", afirma Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e do Creative Commons no Brasil. Segundo ele, no entanto, o governo brasileiro não pode nem deve acreditar que a parceria com o Facebook vai ser suficiente para suprir esse deficit de conexão, que atinge quase 50% da população. "Será possível complementá-lo ao Plano Nacional de Banda Larga", acrescenta.

Em 2010, o governo federal criou o Programa Nacional de Banda Larga com o objetivo de massificar o acesso à internet em banda larga no país, principalmente nas regiões mais carentes da tecnologia. "Algo que possibilitou um pequeno avanço, mas que foi praticamente abandonado", afirma Lemos, que também relata a defasagem desse plano. "Novas tecnologias surgiram nesse curto espaço tempo. Seria preciso explorar mais a tecnologia sem fio e o espectro radioelétrico de forma mais criativa e eficiente", sugere.

Para Lemos, seria importante o governo priorizar a elaboração de um novo plano, além de investir recursos públicos e incentivar empresas privadas a investirem na área. "O Brasil está atrasado há pelo menos dez anos", aponta o especialista, que cita o percentual comparativo de investimentos para justificar os atrasos do Brasil.

Dados do estudo da Unesco apontam que, enquanto o Brasil investiu 0,13% do PIB no plano de banda larga, a Argentina investiu 0,4%. Com o programa ambicioso chamado Vive Digital, envolvendo a construção de redes de fibra ótica e a ampliação de serviços governamentais online, a Colômbia conseguiu ultrapassar a nação brasileira aplicando os investimentos na área para 0,62% do PIB.

Áreas no Brasil de maior deficit

Para que o projeto do Facebook —internacionalmente conhecido como Internet.org— possa fazer diferença no Brasil, segundo Eduardo Tude, da consultoria de telecomunicações Teleco, é preciso priorizar os brasileiros que atualmente não são usuários de internet. "Dar acesso gratuito à rede a quem já é usuário pode não ser favorável para os índices nacionais", relatou ele.

Como o Facebook já tem um projeto piloto em Heliópolis, na capital paulista (SP), a região será o ponto de partida para uma ação mais ampla no país. São Paulo, no entanto, é o Estado brasileiro mais conectado, conforme dados da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

Em fevereiro de 2015, o Brasil contava com 24,3 milhões de acessos de banda larga fixa, o que correspondia à presença do serviço em 36,77% dos domicílios brasileiros. Em São Paulo, 61,1% da população tem conexão. O Estado perde apenas para o Distrito Federal (65,28%). Maranhão é o com maior deficit de conectividade, apenas 9,73% da população tem acesso à rede fixa. Na sequência, aparece o Amapá (10,22%) e o Pará (11,35%).

O governo brasileiro informou que a escolha da comunidade de Heliópolis foi do Facebook e está ligada a uma iniciativa exclusiva da rede social. A abrangência do projeto relacionado à parceria, como apontou a assessoria, tende a ser mais ampla, mas todos os detalhes ainda estão sendo estudados e discutidos.

Vantagens comerciais

A maior dificuldade para implementação da proposta, na visão de Tude, será "convencer as operadoras" a cooperarem. "Vale lembrar que toda a decisão, por mais singela que pareça, tem uma intenção mercadológica. O Facebook, por exemplo, quer oferecer acesso gratuito à internet para mais brasileiros para que possa angariar mais usuários para a rede social e, consequentemente, maior retorno de publicidade", explicou ele.

O Internet.org, lançado em 2013, já está disponível em ao menos oito países: Zâmbia, Tanzânia, Quênia, Gana, Colômbia, Índia, Guatemala e Panamá. Para conseguir implantá-lo, o Facebook busca parcerias com fornecedores de internet locais para permitir que usuários de qualquer smartphone possam acessar gratuitamente serviços básicos —o que obviamente inclui acesso à rede social.

Para conseguir a parceria das empresas brasileiras, segundo o consultor, o Facebook terá que apresentar as possíveis vantagens comerciais do negócio. "O governo ou a rede vão bancar pelos acessos? Vai existir algum aporte financeiro? De onde vai vir o dinheiro?", questiona ele, que cita os acessos gratuitos a determinados serviços como chamariz para pacotes pagos. "Vale saber se esse projeto tende a ser bom chamariz ou não."

E a neutralidade de rede?

No acordo firmado, a gigante da internet entrará com a infraestrutura física, enquanto que o governo fica com o conteúdo. O acesso à internet não será livre, será restritivo. E a neutralidade de rede prevista no Marco Civil da Internet, sancionado pela presidente Dilma Rousseff em abril de 2014?

Segundo Renato Opice Blum, advogado especializado em direito digital, não há qualquer incongruência entre o projeto e o Marco Civil. "A questão da neutralidade de rede descrita na lei envolve apenas a questão de conexão de dados, não de conteúdo de dados", aponta ele. É o mesmo que diz Ronaldo Lemos. "Ou seja, de acordo com a lei, o Facebook poderia não dar acesso aos sites dos concorrentes, mas, se abrisse o conteúdo, teria de garantir as mesmas condições de conexão", exemplifica ele.

Já a advogada Cristina Moraes Sleiman, especialista em direito digital e sócia do escritório que leva o mesmo nome, tem uma interpretação diferente do Marco Civil e considera a restrição do conteúdo uma violação ao documento legal. Para justificar sua afirmação, ela cita os artigos 9 e 14 da lei que regulamenta a internet no país.

  • Art. 9º - O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação;
  • Art. 14. - Na provisão de conexão, onerosa ou gratuita, é vedado guardar os registros de acesso a aplicações de internet.

"Restringir a neutralidade apenas à questão técnica é favorecer o jogo de interesse das empresas", afirma Cristina. Blum também não é favorável a essa diferenciação, apesar de reconhecer sua existência no Marco Civil. Ainda assim, segundo ele, a possível remoção de conteúdos que não sejam ilícitos pode conflitar com outras legislações brasileiras, tais como a de Liberdade de Expressão. "A remoção só deve ser válida para conteúdo ilegal, o resto é censura, principalmente sendo definido pelo governo."

Além de ser aberto, para evitar qualquer incongruência com a legislação brasileira, Cristina diz necessário que o Internet.org no país integre uma proposta de educação digital. "Para que os usuários possam entender os riscos e as formas de prevenção, assim como os seus direitos e as suas responsabilidades ao navegar na rede", afirma ela.