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WhatsApp pode ou não ser bloqueado? Entenda a queda de braço dessa disputa

Fabiana Maranhão e Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

20/07/2016 06h00Atualizada em 20/07/2016 12h51

Os juízes dizem uma coisa, o WhatsApp diz outra. O WhatsApp deveria mesmo ser bloqueado para colaborar com a Justiça? Ou a ação é inconstitucional e a empresa não tem como fornecer o que é pedido? Para tentar explicar o imbróglio que faz você - que não tem nada a ver com isso - ficar sem WhatsApp, o UOL ouviu advogados especialistas em direito digital e ativistas de internet sobre a decisão da Justiça que determinou o bloqueio do WhatsApp no país.

Alguns disseram que a empresa precisa colaborar com a Justiça, outros classificaram a medida como "desproporcional" e afirmaram que viola os direitos humanos. O bloqueio foi derrubado na noite de terça-feira (19) pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas em caráter liminar, ou seja, a questão ainda deve ser analisada com mais profundidade pelo relator da ação no Supremo.

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O contexto

A Justiça do Rio de Janeiro havia determinado que o WhatsApp interceptasse mensagens de envolvidos em crimes na região (veja a íntegra da decisão). O Facebook, responsável legal pelo serviço no país, chegou a ser notificado três vezes, mas não atendeu ao pedido. A juíza tinha solicitado que o aplicativo desviasse mensagens antes da criptografia ou desenvolvesse uma tecnologia para quebrar a criptografia. 

As mensagens enviadas pelo WhatsApp são criptografadas desde abril, de acordo com a empresa. Com isso, em tese, só os envolvidos em uma conversa têm a chave de segurança das mensagens --elas não poderiam ser interceptadas por ninguém, nem mesmo pelo WhatsApp.

Criptografia

A advogada Gisele Truzzi frisa que o anúncio da criptografia, três meses atrás, não foi acompanhado da apresentação de um laudo sobre o seu funcionamento. “Não vejo outra saída neste momento que não seja o WhatsApp se dispor a entrar em acordo com o Ministério Público e com o Judiciário, mostrar um laudo técnico sobre a criptografia, mostrar como ela é feita, mostrar se há possibilidade de interceptar mensagens futuras”, afirmou.

“A Justiça pode estar solicitando um conteúdo impossível, mas tem a inércia do WhatsApp de dar satisfação. É o terceiro caso [de pedido da Justiça e de bloqueio] e a resistência da empresa continua. Eles não cumprem a ordem nem apresentam um laudo pericial. Também não desenvolvem um meio para casos específicos [como os investigados pela Justiça].”

A Advogada Patricia Peck concorda: “Estamos vivendo uma queda de braço entre uma autoridade, que visa a segurança pública e precisa de provas eletrônicas presentes em provedores de conexão ou de aplicação, e empresas privadas, sujeitas a atender a legislação brasileira, que precisam construir um modelo para prestar um suporte e colaborar com as autoridades brasileiras dentro de suas limitações.”

Novos bloqueios

Gisele e Patricia acreditam que novos bloqueios temporários podem voltar a acontecer. Elas lembram que o Marco Civil da Internet também prevê, inclusive, o bloqueio definitivo de um serviço em determinados casos. Isso poderia acontecer se o bloqueio for ordenado três vezes em um mesmo processo de investigação.

“Está na hora de se colocar representantes do WhatsApp na mesa e fazer um acordo, um termo de ajustamento de conduta. A situação está ficando insustentável”, opinou Gisele.

“Não é um assunto que está perto de terminar”, afirmou Patricia. Para ela, é necessário um avanço na legislação para estabelecer formas de colaboração e evitar que a Justiça tenha de decidir caso a caso.

Rony Vainzof, professor de direito digital da Escola Paulista de Direito, disse que a suspensão do WhatsApp prejudica o interesse coletivo, mas reforçou o argumento de que que as empresas deveriam colaborar com a Justiça. “Qualquer decisão que bloqueie uma aplicação é desproporcional. “Isso não desobriga o WhatsApp de cumprir as determinações da Justiça brasileira. A empresa, sem dúvida, poderia e deveria ter um contato maior e melhor com as autoridades brasileiras. Ela tem que contribuir com a investigação.”

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Decisão desproporcional

A advogada Flávia Lefèvre, conselheira do CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), cita exatamente o caráter desproporcional da medida, citado por Vainzof. "Essa decisão é desproporcional. Você prejudica muita gente por causa de uma situação específica", critica. Cerca de 100 milhões de brasileiros usam o aplicativo WhatsApp.

Lefèvre afirma que entende que o Judiciário "se sinta confrontado quando pede informações a respeito de um caso que está sendo investigado e não as recebe". "Eu entendo o Judiciário, mas eu entendo também que essas medidas têm que ser aplicadas com equilíbrio", defende.

Ela lembra que o fato de o WhatsApp usar criptografia para proteger os dados de seus clientes impede que a empresa forneça as informações pedidas pela Justiça. "A impressão que se tem é que a empresa não responde porque não quer. De fato, ela não tem como fornecer a informação que se quer".

Violação dos direitos humanos

O advogado Ronaldo Lemos, um dos idealizadores do Marco Civil da Internet, vai além e classifica a decisão da juíza de Duque de Caxias (RJ) como uma "violação dos direitos humanos".

"Permitir que qualquer um dos mais 15 mil juízes possa decidir sozinho bloquear um site, e isso ter impacto no Brasil todo, é preocupante e não deveria estar acontecendo. [...] Bloqueios de sites e aplicativos promovidos pelo Estado ou por braços do Estado violam os direitos humanos", diz Lemos, que é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Ele lembra que uma resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), publicada no fim do mês passado, condenou "medidas que impeçam ou interrompam o acesso ou a disseminação de informação online, violando a lei internacional de direitos humanos".

O que disse o STF

 O presidente do STF Ricardo Lewandowski suspendeu liminarmente a decisão de bloqueio do aplicativo WhatsApp e determinou o restabelecimento imediato do serviço de mensagens.

Ele considerou a decisão desproporcional e disse que "a suspensão do serviço aparentemente viola o preceito fundamental da liberdade de expressão e comunicação (artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal) e a legislação de regência sobre a matéria."

No texto, o presidente do STF considerou ainda que a decisão gera "insegurança jurídica". A resposta de Lewandowski, no entanto, não significa o fim dos bloqueios no aplicativo de mensagens. A decisão é liminar, ou seja, provisória. A ADPF (Arquição de Descumprimento de Preceito Fundamental) ainda segue em julgamento no STF, e seu relator é o ministro Edson Fachin.

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