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Google, Apple, Facebook: as empresas ouvem o que você fala?

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Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

17/10/2016 08h31

Ok, Google! Ei, Siri! Seja no Android ou no iOS, as assistentes de voz estão sempre à disposição para atender a qualquer pedido. Mas para ajudar você a ficar ligado na previsão do tempo, a encontrar um caminho ou mesmo a tirar uma dúvida, as ferramentas precisam estar ligados ao que você fala 24 horas por dia e sete dias por semana. Isso poderia colocar em xeque a sua privacidade? Como todas essas gravações podem ser usadas?

A discussão não é nova, mas o relato de um carioca no Facebook voltou a trazer o tema à tona e causou comoção com mais de 20 mil curtidas e 12 mil compartilhamentos. Um dia após uma conversa cara a cara com a mulher sobre os seus planos para o futuro, Anderson França disse ter sido surpreendido com propagandas em sua rede social relacionadas exatamente aos seus objetivos. "Vi que o que eu falava surgia na tela."

Em nota, o Facebook informou não utilizar o microfone do telefone das pessoas para selecionar anúncios ou mudar o que as pessoas veem no Feed de Notícias. "Nós não escutamos as conversas das pessoas para mostrar a elas anúncios relevantes. Nós mostramos anúncios com base nos interesses das pessoas e outras informações de perfil". A rede social disse ainda acessar o microfone do telefone dos usuários apenas quando utilizam ativamente alguma ferramenta específica que requer áudio e somente quando elas autorizam a utilização.

A Apple não se manifestou sobre o assunto. Já o Google confirmou gravar os comandos de voz dos usuários e usar os áudios para pesquisas internas, como previsto nos termos de uso do serviço. Segundo a empresa, as informações não são usadas nem vendidas para fins comerciais, apenas para garantir a melhora de suas ferramentas de reconhecimento de linguagem.

O Google, no entanto, possibilita que o usuário tenha acesso a todas as gravações que a empresa tem dele. Criada em junho de 2015, a página do Google reúne os áudios, as informações sobre quando e como o som foi gravado, bem como qualquer transcrição do que foi dito caso a ferramenta tenha transformado comando de voz em texto. O melhor da página é a possibilidade de excluir os seus áudios do banco de dados da empresa.

Ao avaliar as gravações que o Google tinha de mim, além das habituais buscas por endereços, me surpreendi com áudios de um programa de rádio que escuto diariamente. A empresa alegou que a gravação possivelmente teria sido ativada por engano.

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O que dizem os especialistas?

Como explica Marco Konopacki, coordenador de projetos do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), tecnicamente seria possível que os áudios fossem usados para gerar informações, que, na era digital, ganharam ainda mais "valor". "Para conseguir responder ao comando 'Ok, Google', por exemplo, o assistente pessoal precisa estar te ouvindo o tempo inteiro", aponta. Isso não quer dizer, no entanto, que os áudios estejam sendo gravados.

"Não por falta de aparato técnico, já que os avanços tecnológicos têm possibilitado o processamento, bem como o armazenamento cada vez maior dos dados", acrescenta Konopacki. Ainda assim, segundo ele, a teoria de que as assistentes de voz seriam as espiãs das empresas de tecnologia não é uma realidade. "Até o momento, por exemplo, não há nenhum caso comprovado de que isso aconteça."

Teoria que também é descartada por Lucas Teixeira, pesquisador e diretor técnico da Coding Rights —organização criada para contribuir com a promoção dos Direitos Humanos no mundo digital. Segundo ele, é importante que o usuário fique atento aos termos de uso de cada um dos aplicativos para que ele possa ter consciência de como os dados são colhidos e como são usados. "Embora as assistentes pessoais fiquem ativas 24h, elas, na maioria dos casos, só gravam as informações a partir de sua ativação. Ou seja, quando elas interagem com os usuários", explica.

E os recursos ativados pela voz guardam informação?

Teixeira acrescenta ainda a possibilidade de os comandos de voz estarem atrelados a outros recursos que possam gerar o uso da informação para propaganda.

"O usuário pode, a partir do áudio, fazer uma busca no Google sobre uma viagem e essa busca gerar cookies, que vão traçar o seu perfil e gerar propagandas atrelados aos seus interesses."

A maneira mais fácil de evitar que o seu celular ouça o que você diz é desligar a assistente virtual e nunca usar a pesquisa de voz. Mas, como aponta Teixeira, essa opção está longe de garantir a privacidade total de seus dados. "Você teria que deixar de usar a internet, já que muitos sites usam os famosos cookies."

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O que diz a legislação?

Ainda que o Brasil não tenha uma lei específica de proteção de dados pessoais, como aponta Chiara de Teffé, consultora do ITS Rio, o Marco Civil da Internet incorporou alguns princípios que envolvem o tema. "Normas que devem ser aplicadas para proteger os comandos de voz, uma vez que a voz pode ser compreendida como um dado pessoal."

Portanto, segundo a especialista, as empresas de tecnologia são obrigadas a informar ao usuário que os comandos de voz serão gravados, além de deixar claro a utilização que será dada para esse conteúdo e se ele será ou não passado a terceiros. "É obrigada ainda possibilitar que o usuário possa apagar os registros, se não forem essenciais para o uso do serviço."

Na opinião dela, seria inadequado, por exemplo, que conversas dos usuários fossem gravadas para posterior envio de publicidade, "visto que isso violaria diretamente a sua intimidade, vida privada e liberdade", princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.