Apocalipse ou enganação: o que foi o Bug do Milênio?
No final dos anos 1990, havia uma espécie de inquietude no ar, que podia ser sentido até por uma criança --tal qual este que vos escreve era naquela época--, especialmente nos últimos meses de 1999.
Além dos problemas típicos, havia um quase constante lembrete vindo de várias direções de que O MUNDO IA ACABAR.
- Emojis ajudam computador a identificar mensagens sarcásticas
- Você sabe de quem é a voz por trás do "gemidão do WhatsApp"?
A virada do milênio trazia um ar de mistério, e logo surgiu o medo de que algo terrível iria acontecer, de profecias de Nostradamus (lembra dele? Sou eu ou não falam mais este nome hoje me dia?) a cultos religiosos do fim do mundo.
O maior medo daquela época, porém, não vinha de nada particularmente esotérico, e sim do mundo tecnológico: o Bug do Milênio, também conhecido como Y2K (de "Year 2000", ou "Ano 2000") ou simplesmente "o problema do ano 2000", que prometia levar a humanidade de volta à Idade Média da noite para o dia.
Data menor economizava dados, acredite
Para entender o bug e a histeria que ele causou, é preciso de um pouco de contexto: nos anos 1960, o uso de computadores passou a ser mais comum dentro de agências governamentais e empresas. Por ser um equipamento extremamente caro e limitado, programadores e engenheiros procuravam diversas formas de diminuir seu uso de armazenamento e consumo de memória.
Uma maneira simples encontrada por todos era de salvar dois dígitos ao remover o "19" no registro de datas. Sendo assim, 1º de abril de 1964 seria reduzido para 010464 ao invés de 01041964 -- o que pode não parecer nada demais hoje em dia, mas naquela época cada byte contava.
Esta prática persistiu por décadas, até o ponto em que vários especialistas começaram a apontar uma possibilidade de erro grave: já que só os dois últimos dígitos são levados em conta, o computador subentende que está sempre no século 20. Ou seja, quando o ano 2000 chegasse, seu relógio interno não marcaria este número, e sim 1900.
Este bug causaria uma confusão interna na arquitetura e, diziam os mais alarmistas, poderia trazer consequências catastróficas às agências e companhias que tinham uma infra-estrutura computadorizada: o sistema econômico e bancário entraria em colapso por erros de cálculos e tarifas; usinas nucleares poderiam explodir por uma pane em seus serviços de controle automatizados; e falhas nos sistemas de transporte causariam inúmeros acidentes.
Apesar de avisos sobre os possíveis problemas existirem desde os anos 1970 --particularmente por parte do pioneiro da computação Bob Bemer, responsável pelas linguagens ASCII e COBOL-- o Bug do Milênio só começou a ser visto como uma ameaça à civilização moderna em meados dos anos 1990, quando computadores pessoais começaram a se tornar mais comuns no dia a dia das pessoas.
Por que nada aconteceu?
Uma investigação do governo americano em 1996 trouxe conclusões alarmantes, e a partir daí uma iniciativa global foi criada para atualizar estes sistemas, seja expandindo as datas para incluir o milênio em todo o sistema (o que era particularmente caro) até só fazer leves alterações em partes essenciais do código, para que a mudança para o século 21 ficasse subentendida.
É estimado que US$ 580 bilhões tenham sido gastos em prevenção contra o Bug, sendo US$ 100 bilhões apenas nos EUA. O Brasil, por não ter uma infraestrutura tão tecnologicamente avançada, acabou não gastando muito com o processo.
Este esforço, inclusive, foi satirizado no clássico filme de comédia "Como Enlouquecer Seu Chefe", já que um dos deveres do protagonista Peter (Ron Livingston) é procurar e corrigir datas com dois dígitos no código interno da empresa onde trabalha.
O medo do Bug do Milênio atingiu seu ápice em 1999, quando a mídia passou a cobrir extensivamente o fenômeno. Logo, o pânico de que a civilização moderna seria destruída levou pessoas a estocarem alimentos, comprarem armas e até construírem bunkers para sobreviver ao colapso mundial. Chegou ao ponto de que o terror causou o surgimento de um mercado paralelo, especializado em kits de sobrevivência para o Y2K.
Como você pode supor, a sociedade globalizada não foi destruída em 1º de janeiro de 2000, com o único evento relativamente preocupante acontecendo em uma usina nuclear do Japão, cujo equipamento de segurança falhou. Sistemas secundários, porém, evitaram que algo catastrófico acontecesse.
Desde então, há uma discussão sobre o legado do evento: será que o Bug do Milênio foi evitado com esta modernização do sistema de computação, ou nada de muito grave iria acontecer de qualquer forma, e o mundo entrou em pânico sem motivo? Por um lado, países como a Itália e a Coreia do Sul investiram pouco em proteção contra o Y2K, mas sofreram essencialmente os mesmos pequenos problemas que os EUA. Por outro, há relatos de que a atualização evitou erros graves dentro de governos e grandes companhias.
Curiosamente, durante os ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova York, o ambiente na cidade não se tornou ainda mais caótico graças à mudança no sistema de infraestrutura e transporte feitas originalmente como formas de prevenir ou diminuir os efeitos do Y2K.
Estamos livres disso para sempre?
Acredite ou não, o problema com registro de datas em computadores não acabou: em sistemas 32-bit com linguagem C, só é possível medir o tempo e hora até o dia 19 de janeiro de 2038, às 03:14:07 UTC (01:14:07 no Horário de Brasília). Ao que tudo indica, porém, o chamado Y2K38 é mais fácil de se resolver do que o Bug do Milênio.
Uma desvantagem do Y2K38 é que provavelmente não há outra música do Prince para servir de trilha sonora; já com o finado Y2K você poderia contar com "1999" --que não era inspirada no famigerado bug, claro.
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