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Os celulares estão "estragando" a atual geração de adolescentes?

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Imagem: istock

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

05/10/2017 04h00Atualizada em 05/10/2017 12h55

Jovens indivíduos nascidos na metade dos anos 90 estenderam sua infância e são inseguros, isolados e desinteressados em sexo, entre outros fatores. Essa geração, chamada de "iGen" pela psicóloga e pesquisadora americana Jean Twenge, tem praticamente o smartphone como uma extensão do seu corpo, e possivelmente ele seja parte da causa de algumas das características negativas dos adolescentes de hoje.

Seu último livro lançado em agosto tem um nome polêmico e autoexplicativo: "iGen: Por que as crianças superconectadas de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes e completamente despreparados para a idade adulta e o que significa para o resto de nós".

Segundo Twenge, que trabalhou com quatro grandes pesquisas nacionais com 11 milhões de americanos desde a década de 1960, os "iGeners" são crianças jovens que nasceram entre 1995 e 2012 e por isso sequer chegaram a viver em um mundo sem internet e redes sociais. Seus principais traços médios de comportamento são:

  • Estendem a infância até a adolescência;
  • Muito tempo gasto em internet e em seus telefones;
  • Não se relacionam mais pessoalmente;
  • inseguros, com aumento acentuado de problemas de saúde mental;
  • Sem religião;
  • Menos interessados em notícias e eventos atuais da sociedade;
  • Isolados, com interesse em segurança pessoal e perdendo envolvimento cívico; 
  • insegurança de renda e com novas atitudes em relação ao trabalho; 
  • Novas atitudes em relação ao sexo e relacionamentos (menos interesse em encontros e relações sexuais e adiando relacionamentos românticos);
  • Inclusivos ao debater aceitação, igualdade e liberdade de expressão;
  • Independentes em opiniões políticas.

Como o smartphone mais popular dos EUA e do mundo --o iPhone-- foi lançado em 2007, bem no meio da faixa de anos de nascimento dos "iGens", ele foi considerado por Twenge um fator determinante para moldar essa geração e gerar nela diferenças cruciais em relação às anteriores, como a Geração X ou a seguinte, a Y ou "millennials". Em 2012, foi o momento que a maioria da população americana passou a possuir um smartphone.

"O número de adolescentes que saíam com seus amigos quase todos os dias caiu quase pela metade [40%] em 15 anos [2000 a 2015]. O declínio foi especialmente acentuado recentemente", diz ela no livro.

A pesquisadora conclui que os "iGeners" atingiram as maiores taxas de depressão adolescente e aumento de suicídio nos EUA desde 2011. "O número de adolescentes que concordaram com a frase 'Sinto que não consigo fazer nada direito' atingiu picos históricos após 2011", diz Twenge, que aplica questionários aos entrevistados em sua metodologia. 

A depressão e o suicídio têm muitas causas, e a taxa de suicídio adolescente foi ainda maior na década de 1990, muito antes dos smartphones existirem. Ao mesmo tempo, é angustiante, e inaceitável, que temos mais adolescentes se matando do que apenas alguns anos atrás. 
Jean Twenge

Além disso, a psicóloga crê que medidas antibullying estão chegando com bastante atraso, mas por outro lado, criaram um novo problema. "Concordo com os críticos que tais programas às vezes leva as coisas muito longe, ensinando que términos de amizades de infância são bullying ou equiparam sentimentos feridos com danos físicos. Muitas políticas antibullying são tão amplas e vagas que podem fazer com que os alunos tenham medo de qualquer interação".

Vale também para o Brasil?

A americana focou sua pesquisa em adolescentes de seu país, e por isso as conclusões "não podem ser diretamente generalizadas para outros países". No entanto, alerta que muitas das mudanças geracionais que aparecem nos EUA "estão emergindo em outras culturas também. Pesquisadores ao redor do mundo estão documentando muitas das mesmas tendências, com novos estudos constantemente aparecendo".

No Brasil, a mais recente pesquisa TIC Kids Online (de 2016), produzida pela Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), mostra que 69% das crianças e jovens dos nove aos 17 anos acessam a internet mais de uma vez por dia. E pelo menos 23% deles foram tratados de alguma forma ofensiva na internet nos últimos 12 meses --em 2015, esse índice era de 20%.

O suicídio é a quarta maior causa de morte de jovens entre 15 e 29 anos no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Entidades como o CVV (Centro de Valorização da Vida) prestam assistência no país, enquanto a Safernet faz isso no âmbito da internet.

Rodrigo Nejm, diretor de educação da Safernet, vê paralelos entre a realidade dos jovens americana e a brasileiros, mas com ressalvas. 

"A gente vê também esse grande impacto da presença constante nas redes sociais, e isso tem gerado disputas entre os adolescentes. Vemos mais imediatismo e individualismo. Mas no Brasil é preciso levar em conta que além das redes sociais, em poucos momentos saímos de uma depressão econômica, o que torna mais problemática a passagem da adolescência para a vida adulta", diz Nejm.

Novas formas de socialização

Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), também vem percebendo um aumento de casos de jovens viciados em smartphones e com perfis parecidos com o da pesquisa de Jean Twenge. "O Brasil segue bastante a cultura americana, de forma consciente ou inconsciente", diz.

Para ele, essa geração pode estar em contato com mais pessoas pela internet mas não necessariamente está com bons relacionamentos. "A grande habilidade de uma pessoa é a capacidade de entender e responder a emoções alheias. Nas mídias digitais, quando entram em uma relação de tensão ou eles entram com o pé na porta ou simplesmente desligam. Muitas pesquisas percebem que esses jovens estão perdendo a capacidade de lidar com situações adversas e críticas".

"Tenho um ponto de vista menos crítico. As gerações mais velhas não entendem que a socialização deles e diferente da nossa [dos adultos]. Assim como podem ir ao shopping de uniforme escolar, eles não fazem tanta diferença entre a vida online e offline", defende Luciana Correia, coordenadora da Media Lab da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

Educação, não vigilância

Luciana acredita que regular o tempo de celular dos jovens é uma "batalha vencida" e o mais importante seria acompanhar de perto a qualidade do conteúdo com que os jovens estão tendo contato. É uma teoria compartilhada pelos próprios jovens.

"Sou completamente dependente do celular. É uma distração 24 horas por dia", admite Gabriela Danielides, 16 anos, aluna da escola particular See-Saw, em São Paulo. "Mas o celular pode ser visto pelo lado bom, pois rende pesquisas mais rápidas na sala de aula, e em grupos de WhatsApp compartilhamos matérias e dúvidas com colegas".

Outro jovem da escola, Alec Crauford, 15 anos, concorda. "Não acho que tem só dois extremos. A maioria das pessoas usam um meio termo. Há vários momentos que o celular desconcentra. Mas os que usam bem recebem mais informação e oportunidades de falar com os professores", diz ele, que também admite uma certa dependência. "Quebrei a tela do celular há um ano, e não consertei porque além do dinheiro, ficar esperando (o conserto) me incomodaria".

A professora da See-Saw Ivana Marques percebeu que mesmo alunos do ensino fundamental estavam com problemas para se concentrar em sala de aula porque todos eles já tinham seus próprios celulares. Houve excessos, com alguns buscando material erótico na internet. "Na escola há bloqueio no Wi-Fi a outros sites, mas os pais dão a eles celular com internet 4G, e a escola não consegue olhar isso", explica.

Para os especialistas, a solução dessa crise passa por questões como a conscientização dos pais para serem menos permissivos no uso do celular e o estímulo a boas experiências no mundo real. 

"A gente não pode perder de vista a responsabilidade dos adultos na construção desse cenário. O fato dos pais não terem mais tempo disponível para os filhos gera uma espécie de carência afetiva e social que é muito marcante. É preciso recuperar brincadeira e jogos na família, combinar bons hábitos como não usar nas refeições e também participar da vida digital dos filhos de forma franca, sem espionagem, da mesma forma que eles têm que saber quando os filhos vão ao shopoing", conclui Nejm.

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BBC Brasil