A liberdade da internet brasileira está ameaçada depois de votação nos EUA?
A decisão dos Estados Unidos de acabar com regras que exigem a neutralidade da rede por parte de provedores na última quinta (14) deixou usuários brasileiros com uma pulga atrás da orelha: afinal, isso pode acontecer por aqui? A resposta é sim – e já tem empresas lutando por isso. No entanto, aqui existem barreiras maiores para mudanças no setor.
Não seria uma novidade no Brasil uma pressão pelo fim da neutralidade da rede por parte das grandes operadoras. Por enquanto, a neutralidade é lei e exige que todos os conteúdos online sejam tratadas de forma igualitária. Ou seja, operadoras não podem diferenciar conteúdos, alterar e priorizar o tráfego de dados para determinadas plataformas ou até bloquear acessos a sites, serviços ou apps.
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Para Bazílio Perez, presidente da ABRINT (Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações), a votação nos Estados Unidos cria um “precedente ruim”. Contudo, o executivo entende que o Brasil está mais protegido pelo fato da neutralidade ser lei por aqui com o Marco Civil, ao contrário de uma regulamentação da agência de telecomunicações, como era o caso norte-americano.
“Eu acho um precedente ruim. Isso vai fatalmente fazer com que outras empresas e grupos de pressão façam isso em outros países. Mas acho que no Brasil não deve acontecer isso. É uma legislação diferente, lá é o FCC e aqui é uma questão de lei. É mais difícil mudar”, aponta.
A entidade de Bazílio Perez defende a neutralidade da rede porque agrupa provedores menores e regionais. A ABRINT enxerga que o fim da neutralidade possa gerar acordos exclusivos entre serviços e as grandes operadoras, com maior poder financeiro. Com isso, a internet brasileira poderia virar uma espécie de TV a cabo, com o usuário tendo que contratar pacotes diferentes para acessar, por exemplo, serviços de vídeo, serviços de mensagens, redes sociais ou jogos.
Isso já acontece em Portugal. A operadora local Meo cobra o consumidor em forma de pacotes. Existem diferentes categorias que o usuário pode adquirir: uma tem apenas WhatsApp e Skype, outra Facebook e Instagram, mais uma conta com o YouTube. Cada uma delas custa R$ 23.
Como é no Brasil
Por aqui, a neutralidade da rede é protegida pelo artigo nono do Marco Civil da Internet. Tal trecho diz que o “responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”.
Ou seja: as operadoras não podem tratar de forma diferente o conteúdo que o usuário acessa e nem limitar o que o usuário quer fazer online. Atualmente, o usuário brasileiro tem liberdade completa para decidir o que quer fazer quando está conectado. Para Leandro Bissoli, especialista em direito digital da Peck Advogados, a decisão norte-americana pode sim trazer mudanças por aqui.
“Você pega um lugar do tamanho dos Estados Unidos. Com certeza vai refletir no Brasil. Nós temos sempre um grande desafio que é a política acima de tudo. No primeiro momento, temos um impedimento legal, que é o Marco Civil, mas nada impede que grupos de pressão defendam que o fim da neutralidade da rede seja um bom negócio e forcem a criação de um projeto de lei que altere o Marco Civil”, opina.
E o caminho mesmo para alterar qualquer regra na rede por aqui tem que ser exatamente esse: para alterar o Marco Civil da internet, teria que ser criado um projeto de lei. Isso pode partir tanto dos congressistas brasileiros (deputados ou senadores) como do presidente Michel Temer (PMDB).
Operadoras já se movimentam
Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, a votação nos Estados Unidos já está aumentado a pressão para que mudanças também ocorram no Brasil. A neutralidade da rede é questionada há tempos, de forma silenciosa, pelas companhias.
A Sinditelebrasil, sindicato que reúne as mais poderosas operadoras do país, não quis comentar a decisão norte-americana. Antes, contudo, afirmou ao UOL Tecnologia que defende uma neutralidade de rede praticada de forma “inteligente”.
A opinião da entidade é que conteúdos não sejam diferenciados, mas sim que aspectos técnicos possam ser tratados de forma diferente – por exemplo, um vídeo e um e-mail. Isso, contudo, pode levar a diferenciação nos pacotes contratados por consumidores e preços diferentes.
Quem se beneficia com o fim da neutralidade?
O fim da neutralidade é benéfico principalmente para as grandes operadoras, que terão mais autonomia para gerir os tráfegos da rede e poderão cobrar distintamente os usuários. Há a possibilidade ainda delas priorizarem conteúdos próprios em relação a de terceiros – por exemplo, se uma operadora tiver um serviço de streaming, pode deixar ele com melhor velocidade do que a Netflix.
Grandes empresas da internet, contudo, não deveriam sofrer com o fim da neutralidade da rede. Companhias como Google, Facebook e Netflix atualmente têm condições de pagar aos provedores para serem mantidos nas “vias rápidas” da web. Já startups e novas empresas, não. Isso, segundo alguns críticos, resultaria numa menor chance de inovação e de escolha entre os usuários.
Dependendo da decisão das operadoras, os consumidores, por sua vez, não teriam o que comemorar. Acabar com a neutralidade da rede seria colocar nas mãos das provedoras de internet o futuro da rede. Embora o FCC argumente que o fim da neutralidade ofereça mais transparência aos usuários por saberem pelo o que estão pagando, isso pode servir simplesmente para essas companhias cobrarem mais. Lembra da revolta envolvendo as franquias de banda larga?
“Podem cobrar diferente por serviços e entregar uma ‘semi-internet’ que nem alcança a internet toda. Alguns países fazem isso já. Isso engana o consumidor. Parece que está acessando a rede, mas está acessando um jardim murado”, diz Demi Getschko, diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).
Veja os riscos causados pelo fim da neutralidade:
- Internet mais cara para os consumidores
- Possibilidade do surgimento de “pacotes” de internet, como TV a cabo
- Operadoras podem diminuir ou aumentar velocidade de acesso a sites
- Provedores poderão bloquear o acesso a determinados sites
- Maior dificuldade de inovação na internet
- Startups e pequenas companhias serão prejudicadas na competição
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