Na era do wi-fi, a internet ainda depende de cabos para existir
Você muito provavelmente está lendo esta matéria em um aparelho que não precisa de fios para se conectar à internet. Seja no ônibus ou no metrô, seja em casa ou no trabalho, usando as redes 4G no celular ou navegando na internet com um computador conectado a uma rede Wi-Fi, é fácil esquecer que grande parte do vai e vem de informações na rede ainda depende de cabos.
Muita gente acha que, hoje, tudo é via satélite. Ledo engano: para vencer as grandes distâncias entre continentes, os dados que chegam a sua telinha ou a sua telona passam por cabos submarinos de fibra óptica. Estima-se que 99% das conexões internacionais seja feita com o uso desse meio de comunicação, e só 1% utilize exclusivamente links sem fio.
VEJA TAMBÉM
- Com avanços lentos, bateria é o ponto fraco do futuro tecnológico
- Por que os celulares não são feitos de materiais mais resistentes?
- Tecnologia que monitora emoções quer mudar a produtividade
“A maioria das pessoas não sabe, mas se não existisse fibra óptica, não existiria internet,” diz Arismar Cerqueira Sodré Junior, professor doutor do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), uma das mais importantes instituições de pesquisa sobre o assunto. “A fibra óptica é o meio de comunicação que consegue a maior capacidade de transmissão de dados.”
Para você ter uma ideia, os cabos submarinos são capazes de enviar até 3.840 gigabits por segundo por cada uma das fibras ópticas, segundo a empresa japonesa de telecomunicações NEC. Isso equivale a 102 DVDs entregues em um segundo. E, como cada cabo pode chegar a ter até centenas de fibras, alguns deles chegam a atingir 64 terabits por segundo. Imagine quantos filmes e episódios de séries não podem ser transmitidos em um piscar de olhos.
É possível estabelecer uma conexão entre dois continentes por link sem fio? Sim. Mas a capacidade é muito pequena. Não tem como a gente ter a internet como a gente conhece hoje sem ter os cabos ópticos
Arismar Cerqueira Sodré Junior
Muito pequena, no caso, quer dizer quase 1.000 vezes mais lenta. Os satélites não dão conta nem mesmo de transmitir um DVD por segundo.
Isso é muito pouco, ainda mais quando você pensa no monte de vídeo que aquele seu tio manda no grupo da família no WhatsApp. “Antes, a gente só navegava”, explica Sodré Junior. “Depois, começamos a usar fotos. Depois, vídeos. Hoje, os usuários mandam vídeos e fotos de alta resolução. Tem que aumentar essa rede de cabos ópticos, tanto terrestres como submarinos, para a internet continuar crescendo.”
Atalho
Como explica o site da NEC, uma das mais importantes do mundo, grande parte dessa diferença na capacidade de satélites e cabos submarinos se dá por um elemento bem básico: distância.
Entre o Japão e os EUA, são 9 mil quilômetros por terra. Um satélite geoestacionário, por outro lado, fica a 36 mil quilômetros, o que significa que qualquer sinal precisaria viajar 72 mil quilômetros para sair de um país a outro. É melhor cortar caminho por baixo do oceano.
O princípio da fibra óptica é bastante simples e gracioso. Sinais de luz passam por tubos da espessura de um fio de cabelo revestidos por material reflexivo. Como a luz não sofre interferências, é possível usar um feixe de fibras pequeno e levar muitas informações ao mesmo tempo, ao contrário do que acontece com cabos elétricos.
Um fio finíssimo e de muita velocidade permite que os cabos submarinos, por exemplo, tenham a espessura de uma mangueira de jardim.
No ano passado, os pesquisadores do Centro de Pesquisa em Desenvolvimento (CPqD), organização independente voltada para tecnologias de informação e comunicação, alcançou um feito impressionante: bateram o recorde mundial de transmissão óptica sem repetição. Foram 400 Gbps por 444 km usando 24 canais.
Andrea Chiuchiarelli, pesquisador do CPqD, diz isso pode melhorar a internet de locais remotos:
É possível aumentar em até quatro vezes a capacidade do sistema, aumentando a quantidade de dados transferida e melhorando a conectividade em regiões de difícil acesso, como o Norte e Nordeste do Brasil
Mas calma que isso são planos para o médio prazo, pois falta projetar e instalar novas redes capazes de suportar essa velocidade --os sistemas atuais só funcionam para taxas de no máximo 200 Gbps por canal.
Viagem ao fundo do mar
Como você pode imaginar, colocar um cabo de fibras ópticas no fundo do oceano não é uma tarefa fácil, muito pelo contrário. São milhares de quilômetros de extensão, a profundidades que podem chegar a 8 mil metros.
Além disso, é preciso mapear o relevo do fundo do mar, identificando áreas montanhosas e vales, e saber onde estão recifes de corais para evitar danos ao ambiente.
Nas áreas mais rasas, o cabo é enterrado com o auxílio de uma ferramenta parecida com um arado, levada por um navio. Ela abre sulcos no fundo do mar, onde o equipamento de transmissão será enterrado. As próprias correntes marítimas se encarregam de colocar a areia de volta e, assim, ocultar o cabo, protegendo de âncoras de navios, redes de pesca e ataques de tubarões.
Até mesmo a tarefa de enrolar o cabo requer tempo e trabalho. Segundo a engenheira de sistemas Erika Koga, para instalar um cabo entre o Japão e os EUA, por exemplo, é necessário enrolá-lo manualmente em unidades de 3 mil quilômetros, o que leva cerca de três semanas.
Acertar o posicionamento de um cabo no fundo do oceano é como jogar um objeto do topo do monte Everest para acertar a base.
Koga explica que outros fatores, como as correntes oceânicas, influenciam a trajetória do cabo até o fundo, o que exige que tecnologias bastante sofisticadas sejam usadas nessa tarefa.
Já existem 428 cabos submarinos no mundo, que somam um milhão de quilômetros de extensão, de acordo com dados de 2017 do site TeleGeography, responsável por um dos mapas mais completos sobre o assunto.
A Antártida é o único continente que não possui ligações desse tipo, pois a fibra óptica ainda não é capaz de suportar as temperaturas extremamente baixas e o deslocamento constante do gelo.
Os cabos costumam ter vida útil de 25 anos. Passado esse período, o custo de manutenção fica alto demais, e o desenvolvimento de novas tecnologias torna mais interessante e mais barato instalar um cabo completamente novo do que reparar o antigo, que é abandonado no leito do mar.
Cabos ligam o Brasil ao mundo
Desses cabos, oito ligam o Brasil a outros países, e mais sete estão a caminho, com previsão de entrarem em operação até o final de 2019.
Há ainda o Brazilian Festoon, que liga as principais cidades da costa brasileira, em funcionamento desde 1996.
Outro cabo é o Júnior, do Google, que deve entrar em operação ainda esse ano. Com 400 km de extensão, ele liga Praia Grande, no litoral paulista, à Praia da Macumba, no Rio de Janeiro.
O Júnior se interligará a dois cabos da gigante das buscas, ambos ainda em implantação. Um deles é o Monet, que ligará Santos (SP) a Fortaleza (CE) e a Boca Ratón, na Flórida (EUA). O outro é o Tannat, que sairá do litoral paulista e irá até o Uruguai, se conectando à cidade de Maldonado.
Alguns cabos cruzam o Oceano Atlântico rumo ao velho continente. É o caso do Atlantis-2, inaugurado em 2000, que sai de Fortaleza e passa pelo Senegal, pelas Ilhas Canárias espanholas e termina em Portugal, na cidade de Carcavelos.
Caminho parecido fará o EllaLink. Encomendado pela Telebrás e pela espanhola IslaLink, ele deverá entrar em operação no final de 2019, ligando as cidades de Santos e Fortaleza a Sines, em Portugal, passando por Cabo Verde e pela Ilha da Madeira.
Além disso, o South Atlantic Cable System (SACS), da Angola Cables, já está em operação entre Fortaleza e Luanda, capital do país africano. A transmissão entre os dois extremos do cabo agora se dá em apenas 63 milissegundos, cinco vezes menos tempo que antigamente.
Nos próximos anos, deverão ficar prontos o SABR, conectando Recife à Cidade do Cabo, na África do Sul, e o South Atlantic Inter Link (SAIL), ligando Fortaleza a Kribi, Camarões.
No passado, as operadoras teriam que pagar um link do Brasil para a Europa e da Europa para Angola. Em termos de custo de infraestrutura para as operadoras, isso seria muito mais caro, e esse custo poderia ser repassado para a população
Sodré Junior
O futuro já está aqui
Com o 5G em vias de entrar em operação nos próximos anos, as fibras cairão em desuso? A resposta é não.
"Aplicações na nuvem, transmissão de vídeo em altíssima definição, realidade aumentada e o 5G, por exemplo, apontam para uma perspectiva de aumento de tráfego – e de demanda por banda – cada vez maior, não só nas redes terrestres de comunicação como também nas redes submarinas”, diz Manuel Andrade, presidente da Padtec. “Qualquer aumento da banda ajuda a aumentar a velocidade e baratear o custo dos serviços de internet e voz.”
O futuro, portanto, já está no fundo do mar, permitindo que possamos usar uma internet cada vez mais rápida, mesmo sem fios.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.