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Robôs devem ter os mesmos direitos que os humanos?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Paula Soprana

Colaboração para o UOL Tecnologia

08/07/2018 04h00

Em setembro de 2017, Samantha foi molestada em um festival de tecnologia na Áustria. Deatlhe: Samantha é um robô sexual, um brinquedo realista e falante, que vale US$ 4.000 e foi pensado apenas para a satisfação humana.

Sergi Santos, seu criador, relatou a um jornal que homens "bárbaros" que "não entenderam a tecnologia" quebraram dois dedos da boneca e danificaram e sujaram várias partes do seu corpo. A ocorrência foi um dos pontos de partida para que começassem a pipocar questionamentos sobre o direito de robôs.

Não apenas isso: o debate é se essas máquinas devem ter direitos semelhantes aos que humanos têm

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Outros casos ajudaram a erguer a questão. Sophia, a popular humanoide que já trocou ideias com o ator Will Smith e com a chanceler alemã Angela Merkel, revoltou mulheres da Arábia Saudita ao receber um título de cidadã do governo. Apesar do cunho marketeiro desse anúncio, o direito de Sophia foi infeliz em um país onde as mulheres não podiam dirigir até o mês passado e ainda precisam da permissão do homem para tirar o passaporte, por exemplo.

Outro bot, programado para ser um menino de sete anos, recebeu residência oficial em uma cidade do Japão

Robôs sexuais, humanoides e ajudantes domésticos (como os dedicados a deficientes físicos ou a pessoas da terceira idade) estão cada vez mais antropomórficos. Suas características semelhantes às de humanos geram em muitos uma empatia natural.

Não é mérito apenas dos robôs físicos. Os virtuais e inteligentes, que dominam a linguagem natural, foram inseridos nas nossas tarefas cotidianas mais simples com jeitinho humano, a uma distância da palma da mão e de um comando vocal - "Ok, Google" ou "Ei, Siri".

O que dizer da nova função da Alexa, assistente virtual da Amazon, que só responde depois de ouvir um educado “por favor, Alexa”?

À medida que as máquinas inteligentes se entrelaçam mais em nossas vidas, há uma boa chance de que nossos princípios humanos nos forcem a reconhecer que eles também merecem direitos

Paresh Kathrani, professor de Direito da Universidade Westminster em artigo recente ao "The Conversation"

Ele diz que passamos a reconhecer máquinas complexas de uma maneira antes apenas reservada a homens e animais. “Sentimos que nossos filhos precisam ser educados com a Alexa porque, se não forem, isso prejudicará nossa própria noção de respeito e dignidade”, acrescenta.

7.jun.2017 - O robô ultrarrealista Sophia, desenvolvido pela Hanson Robotics - Denis Balibouse/Reuters - Denis Balibouse/Reuters
A robô Sophia ganhou cidadania na Arábia Saudita
Imagem: Denis Balibouse/Reuters
Por que dar direitos a robôs?

Na linha de pensamento de Kathrani, pode parecer absurdo, mas imagine que, num futuro não muito distante, exista uma máquina independente (ou quase), com fala natural, que forneça cuidados de saúde a um paciente por um longo período de sua vida. Se a empresa fabricante da máquina decidisse pará-la, o que esse paciente faria para salvá-la do desligamento? Provavelmente, um esforço considerável.

Nesse sentido, direito de máquinas inteligentes dizem muito mais sobre o direito dos próprios homens, sobre o significado que as máquinas têm na sociedade. Apesar de o cenário acima ser hipotético, discute-se na Europa a possibilidade dar a robôs uma "personalidade jurídica”, que lhes conferiria "direitos e deveres".

Para Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ, a discussão transcende a responsabilidade legal e trata da nova relação homem-máquina, já que "começamos a considerar que esses dispositivos sejam dignos de uma tutela jurídica que vai além daquela que damos para os bens corpóreos em geral".

Segundo ele, há um risco do contato entre homem e robô virar oportunístico: quando se quer afastar a responsabilidade do humano, é o robô que responde; quando se quer creditar o robô, ele é encarado apenas uma extensão da criatividade humana.

Por que um robô teria mais direitos do que uma mesa ou uma cadeira? Se a resposta for porque ele pode causar mais danos, estamos reduzindo todo o debate sobre autonomia, programação e algoritmos a uma simples equação econômica

Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ

"O debate deve ir mais fundo e procurar elucidar o motivo que levaria a conceder personalidade jurídica (e direitos) a um dispositivo robótico. Ele tem personalidade por que é capaz de tomar decisões autonomamente? Se for isso, então o grau de autonomia importa para que o robô tenha mais ou menos direitos (seja um sistema de IA fraco ou forte)", diz ele.

Humanos com menos direitos

A discussão filosófica é rica, mas em termos práticos, só há ensaios de regulação. O debate no Parlamento Europeu ainda é embrionário. A resolução busca redefinir o status legal dos robôs. O que isso significa? A partir do momento que um robô autônomo e inteligente tem uma personalidade jurídica, qualquer pessoa pode processá-lo de forma direta. 

Ao ler "personalidade eletrônica", cidadãos podem logo imaginar direitos civis e humanos, mas reguladores entendem mais como uma linguagem para fins legais. Juliano Maranhão, professor da Faculdade de Direito da USP e pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt, lembra que atribuímos direitos a animais, recursos naturais, ícones sagrados e organizações

Ninguém levanta indagações sobre se uma empresa jornalística seria um ser humano ou teria consciência, cérebro, braços, a não ser por referências metafóricas. Mas não estranhamos quando alguém defende sua liberdade de expressão ou sigilo perante uma intervenção do Estado

Juliano Maranhão, professor da Faculdade de Direito da USP e pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt

Há quem critique que essa abordagem não seja apenas jurídica. Um grupo de 140 acadêmicos, especialistas em robótica e inteligência artificial, escreveu uma carta aberta em que solicita que Comissão Europeia não prossiga com o plano de conferir esse status legal a robôs. Em resumo, alegam que isso não pode derivar do modelo de pessoa natural, pois daria a máquinas direito a dignidade, integridade, remuneração e cidadania, o que pode ir contra os direitos de seres humanos.

robô coração - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Há temores de que dar direitos a robôs retire diretos dos seres humanos
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Desafios para regular

A conversa sobre direito robótico vai longe. Regular a autonomia de máquinas é uma tarefa que precisa levar em conta muitos aspectos. Sistemas que usam aprendizado de máquina (machine learning), um subcampo da inteligência artificial em que se programa como o algoritmo deve aprender, tomam decisões surpreendentes para seus próprios desenvolvedores. Há uma série de registros em que a inteligência aprendeu com o ambiente e tomou decisões socialmente desastrosas (embora tecnicamente corretas).

Em poucas horas de vida, Tay, chatbot da Microsoft do Twitter, aprendeu com usuários da rede social a publicar mensagens nazistas e homofóbicas. O robô Promorobot IR77 fugiu do laboratório e causou transtorno em uma avenida de Perm, na Rússia. Já os bots do Facebook criaram uma linguagem desconhecida para conseguirem se comunicar. Será um desafio definir os critérios para regular esse tipo de autonomia.

"No ponto do debate e do desenvolvimento científico em que estamos, fala-se da regulação que busque a responsabilização de efeitos negativos do uso de inteligência artificial, principalmente quando essa tecnologia é usada por governos e empresas para conceder (ou não) acesso a benefícios ou a serviços públicos. Caberia priorizar leis que visassem estimular uma diversidade interseccional no desenvolvimento dessas tecnologias", diz Joana Varon, advogada e diretora do Coding Rights.

Se a noção jurídica perseguirá a ideia de que robôs inteligentes merecem direitos, só a evolução dirá. Em uma palestra do TED, Kerstin Dautenham, doutora e professora de inteligência artificial na Universidade de Hertfordshire, lembra que há uma série de possibilidades para desenvolver robôs que cumpram objetivos e sejam úteis sem precisarem passar pela imitação humana.

Se for impossível dissociar máquinas e robôs inteligentes de humanos, ela lembra de um fato importante: "robôs são muito mais parecidos com celulares e torradeiras do que comigo e com você".