É possível alto-falantes inteligentes funcionarem sem bisbilhotarem?
Um em cada cinco americanos já convivem com alto-falantes inteligentes, como o Echo, da Amazon, e o Google Home, da Google. Ativados por voz, permitem controlar assistentes pessoais robóticos que auxiliam em tarefas cotidianas - de ficar de olho nos compromissos do dia a fazer compras.
Ainda que não estejam disponíveis no Brasil, já há quem os use por aqui. Mas, para os que se animam com a ideia, fica o aviso: eles têm uma tendência a espiar seus donos. “Uma vez ligados e conectados à internet, eles já ficam com o microfone ativo o tempo todo”, diz Thiago Marques, analista de segurança da Karspersky Lab.
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De fato, a preocupação com perda de privacidade é o principal motivo de críticas a esses aparelhos - e realmente isso parece difícil de ser contornado. Eles são comandados por voz, o que exige um microfone captando tudo que é dito ao seu redor.
A partir daí, o dispositivo começa a gravar o usuário e identifica padrões de fala para realizar tarefas - dizer a temperatura do dia, por exemplo. Não apenas isso, eles identificam vozes diferentes e podem criar buscas personalizadas baseadas nos gostos de cada uma delas. Isso, claro, exige muitos dados.
Os três principais nomes do mercado, Amazon, Apple e Google, armazenam cópias de todas as gravações tanto nos dispositivos quanto em seus servidores. Do lado do usuário, é fácil acessar esse arquivo, revisar tudo que já foi registrado (inclusive quando isso não era esperado) e deletar o material - com exceção da Apple. No Google, é só ir até a página que registra atividades de áudio, enquanto o Echo exige um app no celular, que no menu de configurações dá acesso ao histórico de áudio.
Já o destino das cópias armazenadas pelas empresas, por sua vez, é mais difícil de prever. Todas elas afirmam que criptografam os arquivos depositados nos servidores. O discurso oficial é de que ninguém pode acessar as gravações em si, apesar das plataformas de propaganda tanto do Google quanto pela Amazon utilizarem dados de uso dos alto-falantes para segmentar de maneira ainda mais precisa a publicidade. A Amazon, além disso, também já admitiu que pode disponibilizar as gravações para desenvolvedores de aplicativos no futuro.
O discurso das empresas é o de que podem utilizar o comando de um usuário pedindo indicações de um restaurante árabe, por exemplo, para lhe oferecer publicidade sobre os melhores restaurantes árabes na região. Mas de que não utilizam uma gravação ao acaso em que o mesmo usuário fala sobre como está com vontade de comer comida árabe para fazer o mesmo. Em teoria.
Só que como tudo é feita por voz, o serviço precisa ser bastante preciso para distinguir o que é pedido e o que não deveria ser registrado a fronteira fica difícil - e nem sempre funciona.
Além disso, a conexão dos serviços de voz com ferramentas de busca e lojas na internet se mostra uma inesgotável fonte de ofertas. Os cookies gerados por esses sites são posteriormente usados para gerar perfis de comportamento, preferências e consumo.
“Para usar um destes dispositivos você tem que ceder parte da privacidade”, afirma Lucas Teixeira, diretor de tecnologia do Coding Rights, que estuda a proteção de direitos humanos no ambiente digital.
Como contornar
As soluções não são nada fáceis. Há sempre a possibilidade de desligar o microfone - todos os modelos têm botões que permitem fazer isso, mais ou menos expostos. Aí, no entanto, o smart speaker vira um objeto de decoração. Caso queira ativá-lo de novo, o dono precisaria ligar o microfone.
Em outras palavras: para ser prático e estar sempre disponível, um assistente pessoal precisa estar de ouvidos atentos. E ouvir tudo o que você fala. Uma opção seria não ter uma conta ou perfil vinculado ao aparelho.
O quesito, porém, é atendido apenas pela Apple: o uso do HomePod não é vinculado a nenhuma conta e o histórico de uso do usuário é deletado após um ano. O Google Home, por sua vez, exige a ligação a uma conta do Google. A Amazon faz o mesmo, com o agravo da empresa exigir um número de cartão de crédito. E as duas apagam os dados dos servidores apenas se o dono fizer um pedido - por isso, é sempre bom ficar atento pedir a remoção desses dados periodicamente.
Do lado das empresas, algumas medidas podem ser feitas para aumentar a privacidade. Além da criptografia, a anonimização dos dados é um caminho - isso significa que as informações são organizadas de maneira que não identifica diretamente seu dono.
O Google também está experimentando uma técnica chamada "federated learning". Com ela, em vez dos dados serem coletados pelos aparelhos e processados nos servidores da empresa, o caminho inverso ocorre. O Google envia para o aparelho um modelo de inteligência artificial (IA) que irá processar os dados. Esse modelo então volta para o servidor e se junta aos modelos vindos de outros celulares para juntos aperfeiçoarem as formas de processamento. Assim, informações pessoais jamais deixariam o aparelho.
Fato é que assim como celulares e mesmo outros dispositivos conectados a internet - de geladeira a torradeira - os alto-falantes geram mais dados sobre hábitos e rotinas dos usuários. “Nesse cenário em que dispositivos conectados acabam mediando vidas é muito importante ter garantias constitucionais para proteger cidadão" afirma Bruno Bioni, advogado e pesquisador da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits).
“Quando problematizamos esses aparelhos, não é para falar que a solução é viver sem. Eles têm utilidade. Mas no cenário de hoje há uma assimetria de poder entre o indivíduo e as grandes empresas”, explica Teixeira. “As pessoas precisam ter o conhecimento de como funciona, de que não é mágica, de que colocamos uma parte de nós nesses sistemas e de que eles merecem uma proteção equivalente ao que temos no mundo físico,” diz Teixeira.
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