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Como o smartphone 'sequestra' seu cérebro e o deixa preguiçoso e desatento

Getty Images/iStock
Imagem: Getty Images/iStock

Helton Simões Gomes

Do UOL, em São Paulo

24/09/2018 04h00

É chegar uma notificação no seu celular para o seu cérebro começar a se assanhar. Isso nem sempre quer dizer que o aparelhinho é capaz de ampliar suas faculdades mentais e deixar seu raciocínio mais afiado, sua memória mais potente ou sua concentração mais aguçada. 

Psicólogos e neurocientistas que estudam o assunto não encontraram uma resposta definitiva sobre os efeitos do celular e de outros dispositivos do mundo tecnológico sobre o cérebro, mas já têm dados que chamam a atenção. O volume gigantesco de estímulos produzidos por gadgets está relacionado com deterioração da memória, dificuldade de peneirar informações inúteis, aumento nas taxas de ansiedade e estresse e até num desperdício de capacidade cerebral.

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Esses efeitos não estão tão longe de você. Levante a mão quem nunca fez isso: pausou Netflix para responder WhatsApp; não voltou ao vídeo porque foi ver comentários a uma foto no Instagram; e, antes de ler tudo, já estava abrindo o Facebook para ver a nova polêmica no textão de um amigo.

Em termos de sequestrar sua atenção, smartphones, computadores e aplicativos são craques, mas não inventaram a roda. Apenas maximizaram um sem número de truques para você não largar deles. E, é claro, seu cérebro cai em várias armadilhas.

Ciclo vicioso do prazer

“Quando você recebe notificações e alertas, seja no computador ou no telefone, você cria uma resposta condicionada para reagir automaticamente a eles. Você pode dizer que isso está afetando 'seu cérebro' ao criar o hábito de um gatilho neurológico”, conta ao UOL Tecnologia a psicologista norte-americana Susan Weinschenk, consultora em neuropsicologia e autora do livro “Neuro Web Design – What  Makes Them Click?” (“Neuro Web Design – O que os faz clicar”, em tradução literal).

Esse condicionamento pode ser feito com qualquer coisa -- por exemplo: programar-se para passear com o cachorro todo dia de manhã após tomar café. Mas a onipresença desses aparelhos e a imprevisibilidade com que os diversos apps enviam alertas faz com que esse gatilho não tenha hora nem lugar para disparar.

“O smartphone deixa a gente conectado 24 horas por dia”, diz a psicóloga Janaína Brizante, diretora do laboratório de neurociência da Nielsen. “Cada vez que você aperta a bolinha do celular, recebe uma injeção de neurotransmissores que te dão uma sensação de bem-estar”, completa. Entre eles, está a dopamina.

Se você já se pegou rolando o feed no Facebook ou no Instagram por horas e horas sem objetivo nenhum, saiba que você já foi pego pelo ‘loop de dopamina’, um ciclo vicioso de bem-estar que faz seu cérebro esquecer do mundo, conforme explica Weinschenk.

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Esse neurotransmissor age em diferentes áreas, como o pensamento, o humor, a atenção e a motivação. Mas também é responsável por você sentir prazer. À medida que você vai recebendo curtidas e lendo comentários em redes sociais, por exemplo, a dopamina vai promovendo uma sensação gostosa de bem-estar.

Seu cérebro entra em um ciclo vicioso para receber prazer”, explica o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependências tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP).

Ansiedade e tensão

Só que, ao notar a inundação de dopamina, o cérebro cria uma trava para impedir que qualquer meia dúzia de curtidas leve ao êxtase. “Ele cria uma tolerância para que, se dessa vez foram precisos 8 minutos para liberar dopamina, da próxima sejam necessários 15 minutos”, explica.

Para completar, como o sistema que libera o neurotransmissor é sensível a pistas de que algo agradável está para acontecer, basta uma notificação para que fique em estado de alerta. Esse processo vai treinando nosso cérebro, à base de uma boa dose de estresse, para esperar notificações, diz o endocrinologista norte-americano Robert Lustig.

“Isso tem gerado bastante ansiedade. E faz que algumas pessoas fiquem o tempo todo checando se há coisa nova no celular”, diz Brizante.

Pagando o pedágio

Além de possuírem todas as artimanhas para nos abduzir a qualquer momento, os smartphones executam inúmeras funções, de tocar música a enviar mensagens. São, por excelência, um aparelho multitarefa. Só que toda vez que você pula de um app para outro, seu cérebro paga um “pedágio” em capacidade de processamento. Fazer isso intensamente pode comprometer até 40% do tempo produtivo do cérebro, estima o psicólogo David Meyer.

Essa constante interrupção associada ao ‘loop da dopamina’ tem efeitos negativos, aponta Lustig, já que libera injeções de cortisol (o hormônio de estresse) quando uma atividade é interrompida e de dopamina, quando outra é iniciada.

Sedentos por irrelevância

O caráter multitarefa dos celulares continua atrapalhando mesmo depois de o aparelho ser desligado, principalmente quando a concentração em uma só atividade é exigida. Pesquisadores da Universidade Stanford demonstraram que jovens acostumados a essa enxurrada de estímulos têm cérebros mais preguiçosos e com menor capacidade de ignorar informações irrelevantes.

Em testes, os acadêmicos constataram que essas pessoas também não conseguiam memorizar dados simples, como letras que se repetiam. “Eles são sedentos por irrelevância”, afirmou o professor Clifford Nass, um dos pesquisadores, à revista "Proceedings of the National Academy of Sciences".

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As informações vistas nesse troca-troca de tarefas não chegam nem a virar memórias de curto prazo, o que dificulta a consolidação de conhecimento. “A alternância de tarefas vai tornando as pessoas mais ‘rasas’ por não conseguirem fazer associações mais profundas”, diz Nabuco.

Crianças

O impacto da tecnologia é ainda maior sobre cérebros em formação, como os de crianças e adolescentes. Nabuco explica que crianças precisam receber estímulos do meio ambiente. Ao interagir com aparelhos eletrônicos, isso não ocorre, e ela pode sofrer dificuldade com a linguagem e em lidar com o outro, e não desenvolvem inteligência emocional.

"Quando você interage com um tablet, por mais que mude com o equipamento, a resposta é sempre a mesma. Você vai nivelando as respostas da criança e a amplitude de resposta emocional dela vai sendo diminuída."

Cérebro x mundo virtual

Nosso cérebro se desenvolveu e evolui em um mundo em que existiam apenas interações físicas, vindas da natureza ou da relação direta com outros seres humanos. Apesar de ele ser dotado de uma grande capacidade de se adaptar, algo chamado de “plasticidade cerebral”, ainda não se acostumou com as peculiaridades do mundo virtual. Por isso, não faz distinção entre o real e o virtual.

“Não é que o celular deixa a nossa cabeça turva, mas a gente está lidando com o mundo real e o virtual do mesmo jeito”, comenta Brizante. É isso que dispara uma onda de ansiedade quando mensagens no WhatsApp demoram para ser respondidas. Para o seu cérebro, é como se o remetente estivesse na sua frente e optasse por ignorar você. As redes neurais, aliás, que processam a dor física, como a de um corte no dedo, é a mesma que analisa a dor social, aquela do rompimento de um namoro, por exemplo.

Mais controle

O caminho para afastar essas interferências ao nosso cérebro é adotar uma dieta mais equilibrada de tecnologia. Isso não quer dizer proibir tudo. O caminho, dizem os pesquisadores, é restringir o uso em momentos em que a atenção é crucial. Citam, por exemplo, a França, que proibiu neste ano alunos de levarem celulares para a escola.

Ainda que lance mão de vários truques para chamar a nossa atenção, a indústria da tecnologia já percebeu que é preciso colocar um freio. As novas versões dos dois sistemas operacionais mais usados em celulares (iOS e Android) terão ferramentas para controlar o uso exacerbado de alguns apps.

“As próprias companhias estão percebendo que o uso prejudicial para a saúde pode prejudicar o uso geral. Elas querem que você continue usando, mas mantenha um uso saudável”, diz Brizante.

Nabuco, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, concorda. Mas duvida da intenção dessas ações. "A minha pergunta é: será que eles estão preocupados com o tempo gasto ou estão preocupados em receber processos de saúde como os que existem na indústria de cigarro?”.