Corrente elétrica vai mudar em 2019, mas choque será o mesmo; entenda
O ano de 2019 não será de mudança só para o quilograma. A corrente elétrica passará a ser medida de forma diferente também. Mas não se preocupe: apesar de ser a primeira reformulação em mais de 70 anos, a eletricidade que você conhece continuará a mesma, ou seja, os choques continuarão a ser tão dolorosos quanto hoje.
O que muda é que o grau de precisão aumentará, a ponto de fabricantes de baterias, como a de celulares, e de aceleradores de partículas, como o CERN, poderem fazer cálculos muito mais precisos.
Mas isso quer dizer que medimos a corrente elétrica de forma errada por décadas? Mais ou menos.
Antes de tudo é preciso entender o que está em jogo e por que esse jogo está virando.
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O que vai mudar é a forma como o ampère, unidade da corrente elétrica, é medido. Ele é uma das sete unidades de medida fundamentais do Sistema Internacional (SI). As outras são:
- quilograma (massa),
- metro (tamanho),
- segundo (tempo),
- kelvin (temperatura termodinâmica),
- mol (quantidade de substância) e
- candela (luminosidade)
Após rodadas de debate ao longo de anos, o Escritório Internacional de Pesos e Medidas (BIPM, na sigla em francês) definiu no fim de novembro que quatro delas seriam calibradas: quilograma, ampere, kelvin e mol.
O quilograma, basicamente, mudou para deixar de basear sua medição na massa contida em um cilindro de 4 centímetros de platina e irídio, guardado pelo BIPM em um cofre na França desde 1889. Agora, o quilo será medido com uma balança que permite comparar energia mecânica com eletromagnética.
Já o caso do ampere é mais curioso. A definição estabelecida em 1948 diz o seguinte:
O ampere é a corrente constante na qual, se mantida em dois condutores paralelos, retilíneos, de comprimento infinito, de seção circular desprezível, e situados no vácuo a uma distância de 1 metro entre si, produziria entre estes condutores uma força igual a 0,0000002 newton por metro de comprimento.
Só que, conforme cientistas do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos Estados Unidos, isso sempre foi um embaraço metrológico por duas razões. Primeiro, porque a definição de ampere nunca pode ser comprovada fisicamente.
O segundo motivo é mais uma crítica à escolha do BIPM em transformar o ampere em uma unidade básica, já que as outras medidas elétricas, como volt (tensão) e ohm (resistência), não dependem dele para ser calculadas.
Só que, a partir de 20 de maio de 2019 (anote aí), isso muda. Quer dizer, pelo menos a parte de ser mensurado de forma arbitrária e distante do que ocorre fisicamente.
O ampere passará a ser medido de acordo com a carga elétrica elementar. Assim, a corrente elétrica será uma contagem do fluxo individual de elétrons.
"A ideia do SI surge para ter um termo de referência e não ficar naquela coisa arbitrária de quanto as coisas valem", diz Antonio Carlos Siqueira de Lima, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE).
O desafio agora será medir corretamente a carga elementar elétrica. Já há técnicas criadas para fazer isso. O próprio NIST utiliza uma, chamada de bomba de transporte do elétron único. Consiste em fazer uma corrente elétrica ir de uma ponta à outra em uma plataforma de silício. Parece simples, mas exige uma precisão quântica, a ponto de captar o movimento da partícula subatômica mais elementar para a eletricidade, o elétron.
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Funciona assim: dois equipamentos são colocados nessa plataforma. Eles agem como se fossem portões. Ao gerar uma tensão capaz de influenciar o movimento de elétrons, bloqueiam ou liberam o fluxo. É como se subissem e descessem. Conforme a tensão do primeiro ponto de bloqueio aumenta ou diminui, parece que o portão está subindo ou descendo.
A ação é similar à de uma bomba hidráulica. Só que em vez de água, o portão bombeia elétrons túnel adentro. A constância desse fluxo de elétrons é o que pode ser usado para mensurar a intensidade dessa corrente elétrica de forma mais precisa. Claro que há dificuldades bastante particulares no processo.
As dimensões envolvidas são tão pequenas que qualquer energia sobressalente pode perturbar o comportamento dos elétrons. A plataforma de silício, por exemplo, possui de uma ponta a outra até 300 nanômetros (um bilionésimo de metro). Por causa disso, a temperatura desse dispositivo é resfriada para próxima do zero absoluto (-273°C).
"Na vida cotidiana não vai ter muito impacto que as pessoas percebam, mas vai ter impacto no projeto e no de desenvolvimento a seguir", comenta Lima, professor da UFRJ.
O choque elétrico você vai perceber igualzinho, vai matar igualzinho
"Na superfície, vai parecer que não muito tem mudado", descreve o BIPM. "Do mesmo jeito que ao substituir fundações decadentes de uma casa por suportes novos e robustos, pode não parecer possível identificar a diferença vendo da superfície. Mas algumas mudanças substanciais deveriam ser feitas para para garantir a longevidade da propriedade."
Se até agora era ok usar essa forma de mensurar uma corrente elétrica, com a presença cada vez mais recorrente de princípios da física quântica no dia a dia dos laboratórios, tornou-se imprescindível criar um método mais preciso de medição.
Nós estamos no começo da revolução quântica. Definir unidades de medida em termos de constantes significa que as definições de unidades estão aptas para o propósito dessa nova geração de descoberta científica
BIPM
O professor da UFRJ diz que, "o que vai mudar é como se vai calibrar alguns equipamentos". A lista vai desde máquinas distantes do cotidiano, como os aceleradores de partícula usados pela CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), até dispositivos avançados mas corriqueiros, como máquina de ressonância magnética, passando pelas banais, porém essenciais, baterias de celular.
"Na bateria, é sempre importante saber quantos ciclos de vida ela tem e quantos ampere por hora elas tem. Sabendo isso, você vai conseguir ter ideia do tempo de vida útil."
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