"Gatonet" no celular tem até SAC e pacotes ilegais vendidos por até R$ 35
Os serviços de TV por assinatura no Brasil, que já enfrentam uma concorrência inclemente de vídeos por streaming, como os da Netflix, veem agora a mutação de um inimigo antigo: a distribuição pirata de canais pagos, o famoso "gatonet", foi parar nos celulares.
O UOL Tecnologia conversou com vendedores desses pacotes ilícitos e deu para perceber como eles estão preparados.
As mensalidades vão de R$ 18 a R$ 35 por mês (varia conforme a qualidade da imagem e quantidade de canais), e os interessados recebem suporte digno de um serviço de atendimento ao consumidor (SAC) via WhatsApp.
Eles explicam que você precisa de uma internet de, pelo menos, 10 Mbps, para rodar canais como HBO, ESPN, Combate e Sexy Hot em alta-resolução sem engasgos —embora alguns digam que com 5 Mbps já dá para assistir com resolução padrão.
Eles até enviam trechos da legislação para provar que estão dentro da lei. Spoiler: eles não estão (muito menos quem contrata esse gatonet para smartphone).
O que esses vendedores fazem —se aproveitar da internet para transmitir conteúdo de terceiros— não é novo. A diferença é a facilidade como tudo é feito: não vamos dar detalhes, mas basta baixar um aplicativo para Android, inserir um link, pagar a mensalidade e ter acesso a centenas ou milhares de canais.
O que não muda é que se trata de roubo de sinal de uma operadora de TV por assinatura.
A maioria usa aplicativos já existentes para atuar e, por meio deles, cobram pelo acesso a listas de canais. O mais popular é o Kodi, mas há também, entre outros, o ViniTV.
A Irdeto, empresa que desenvolve plataformas de segurança, identificou que os principais servidores de conteúdo pirata receberam 16,4 milhões de visitas. Em média, oferecem 174 canais, mas há aqueles que chegam a 1.000.
Hoje em dia os piratas se profissionalizaram e montaram operações grandes
Gabriel Ricardo Hahmann, diretor de Vendas no Brasil e América Latina da Irdeto
Por "grandes", entenda: 2,7 milhões de propagandas em redes sociais e sites de comércio eletrônico no ano passado, segundo cálculo da Irdeto.
"Só revendo"
A reportagem se passou por cliente para conversar com oito desses revendedores por WhatsApp. Quando se identificou, só três toparam conversar. A maioria alega que só divulga o pacote:
Apenas repasso a lista que me passam. No caso, sou divulgador, entende?
Elias Santos
Sou apenas revendedor de IPTV. Tem perguntas que você tem que fazer pra quem é dono de servidor
André Doria, outro que diz ser apenas um divulgador, mas possui até site para divulgar a sua distribuição, a Super Elite IPTV (IPTV, de Internet Protocol Television, é o método usado para enviar sinal de TV por streaming).
Por isso, evitam tratar de pormenores do negócio e se concentram em dar instruções sobre o serviço. O que todos fazem é oferecer um test drive de quatro horas aos interessados —alguns fazem a proposta antes mesmo de responder o "Tudo bem?" no WhatsApp.
ESTAMOS EM MANUTENÇÃO
Santos avisa que não há garantia de que a transmissão seja ininterrupta. Segundo diz, as instabilidades, ainda que raras, são para "manutenção":
"As manutenções ocorrem raramente. Quando ocorre, é porque eles estão atualizando os canais e ajustando algumas coisas. E, infelizmente, sim: quando está em manutenção, os canais ficam off. Isso demora de 3 horas a 12 horas para consertar."
Ricardo Alves, outro revendedor, disse que abandonou a venda de listas de canais porque :travam muito e sai fora do ar direito, sempre com desculpas de que está em manutenção".
As cenas rápidas ficam cheias de quadradinhos, uma resolução muito ruim
Se, por acaso, você for daqueles que se irrita com engasgos durante a final da Liga dos Campeões, de uma partida importante do Brasileirão ou em uma cena crucial do seu filme favorito, Santos mesmo responde em tom de gozação:
Infelizmente é um dos problemas. Para ter um serviço 100%, tem que assinar TV a cabo com aqueles valores abusivos
Servidores potentes
Ok, se eles são revendedores, revendem de quem?
Um deles explicou que compra a capacidade de transmissão de um terceiro, que, por sua vez, monta operações com servidores dedicados a repassar sinal de TV paga adquirido até de fornecedores estrangeiros.
Um dela é a Infinity IPTV, que vende tanto no varejo (pacotes a consumidores finais) como no atacado (espaços dentro de seus servidores destinados a revendedores que queiram iniciar uma operação própria).
Um homem que se identificou apenas como Emerson e se disse sócio da Infinity IPTV conversou com a reportagem, mas só pelo WhatsApp.
Não é pouco o dinheiro desembolsado para custear uma operação dessas. Ele diz que o equipamento usado para processar o sinal de TV transmitido pela internet custa entre R$ 60 mil e R$ 140 mil —as fotos de um deles foram compartilhadas com a reportagem.
Cada um deles pode atender até 150 mil clientes de uma vez. Atualmente, no entanto, só 30% dessa capacidade está em uso —coisa de 45 mil clientes. Segundo ele, o conteúdo exibido é comprado de "gringos".
Não produzimos o conteúdo, existem fontes em vários países nos quais compramos
Emerson parou de responder subitamente quando foi perguntado como responde às acusações de que pirateia sinal de TV paga.
PIRATA?
Quando é lançada a pergunta sobre a ilegalidade do serviço, Santos tenta acalmar:
"Cara, o que posso dizer é que uso isso há anos e nunca aconteceu nada de errado comigo nem com nossa rede de clientes"
Mas, depois de um tempo de conversa, ele muda o discurso e confessa que sabe que a prática é, sim, pirataria. Argumenta que ele só divulga os canais por estar em dificuldades financeiras e, diferentemente do que disse inicialmente, conta que faz isso há "aproximadamente um mês".
Outro revendedor chega a enviar um trecho da legislação sobre a TV paga no Brasil, oficialmente chamada de Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), para validar o argumento de que o negócio está dentro da lei.
Curiosamente, o trecho escolhido da Resolução nº 581, de 2012, do Conselho da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) diz que o SeAC é caracterizado pela "contratação e a distribuição de canais de programação ou pacotes", "adoção de mecanismos, a critério da prestadora, para assegurar a recepção do serviço, somente pelo seus assinantes" e "remuneração pela prestação do serviço".
Esses revendedores alimentam a ideia de que vendem pacotes de IPTV, ou seja, TV por assinatura via protocolo IP. Esse é um serviço que não usa a internet do usuário e sim uma rede gerenciada pela operadora.
Não é, porém, o que ocorre na prática, diz Hahmann, Irdeto. O serviço de "gatonet" pelo smartphone se assemelha mais ao da Netflix, que usa a internet do usuário para entregar vídeo por streaming. Só que a empresa norte-americana produz seu próprio conteúdo ou licencia o de criadores. Os piratas, não.
Eles também tentam pregar que as operadoras não são lesadas. André Doria, por exemplo, diz que se trata apenas de um "sistema de canais através da internet através de aplicativos". "Não é utilizada a estrutura direta de nenhuma operadora", diz ele.
Mas, de onde vem então os canais que a Super Elite TV prometer exibir —como HBO, Telecine, Fox Sports, ESPN, SporTV, Combate e Sexy Hot? Isso mesmo: das operadoras de TV paga.
Segundo Hahmann, hackers exploram vulnerabilidades no sistema de transmissão dessas empresas para distribuir seu conteúdo sem ter de pagar a elas. Há algumas formas para isso: ou capturam o conteúdo das caixinhas de TV paga, o chamado set-o-box, ou divulgam a senha criptografada para destravar cada canal.
Uma das vulnerabilidades, conta ele, é a existência de cartões magnéticos dentro de um set-o-box. Eles são usados como medida de segurança para barrar canais pelos quais um cliente não pagou ou para barrar seu acesso ao pacote assinado caso ele esteja com a mensalidade em dia. A falha, diz Hahmann, está no fato de esse cartão poder ser retirado da caixinha e ter seu código de acesso reproduzido e distribuído pela internet.
A Irdeto, que atende no Brasil algumas operadoras de TV paga, de TV por assinatura via IP, distribuição de conteúdo online e canais de TV aberta, criou um sistema em que esse cartão é substituído por um software.
"Antigamente, para ter gatonet, você precisava ter o cabo da TV chegando até sua casa ou de uma antena apontada para o satélite de quem você queria roubar o sinal. A banda larga passou a permitir levar conteúdo de streaming de vídeo para dentro da maioria das casas. Qual o investimento para o usuário? Nenhum, além da mensalidade. Ele já tem o dispositivo", diz Hahmann.
Para ele, a disseminação do acesso à banda larga favoreceu a transformação do "gatonet" clássico nas diversas formas piratas de sinal de TV paga via internet.
CRIME
Segundo a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), o que essas pessoas fazem é crime e deve ser punido:
"O comércio ou compartilhamento de listas IPTV com conteúdo da TV por assinatura, seja por meio de sites ou de aplicativos, é crime, porque viola o direito de propriedade dos detentores destas programações. Também se enquadra como crime de concorrência desleal, na modalidade desvio de clientela alheia."
A ABTA diz estar "tomando providências cíveis e criminais contra os proprietários de sites e de aplicativos de IPTV ilegais, assim como contra as caixas piratas que utilizam esses mesmos métodos", mas não entra em detalhes.
Vale ressaltar que a pirataria de TV por assinatura favorece o crime organizado e provoca graves prejuízos para toda a sociedade brasileira
ABTA
A pena para a interceptação ou a recepção não autorizada dos sinais de TV por assinatura é polêmica. O STF (Supremo Tribunal Federal), por exemplo, já se manifestou contra punir quem intercepta o sinal, mas o STJ (Superior Tribunal de Justiça) entende que caso de é furto simples —pena de reclusão, de um a quatro anos, além da multa.
As operadoras apontam ainda outro possível crime: concorrência desleal (detenção de três meses a um ano, ou multa).
Um projeto de lei que pretendia alterar a Lei no 8.977 para estabelecer uma punição mais dura (detenção de seis meses a dois anos) foi arquivado no final do ano passado. Em enquete no site do Senado, ele recebeu mais de 80% de votos contra.
De qualquer forma, vale lembrar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou, em segunda instância, a condenação do youtuber Marcelo Otto Nascimento, responsável pelo canal Café Tecnológico, por promover pirataria de TV por assinatura nas redes sociais. Além da remoção do conteúdo, a Justiça condenou Nascimento ao pagamento de R$ 25.000 por danos morais e materiais à ABTA, autora da ação.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.