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Excluidões do Zap: como se viram os brasileiros que não usam o WhatsApp

"Eu não uso WhatsApp", diz o adesivo fixado no capacete de uma dos raros brasileiros sem conta no aplicativo. - Arquivo Pessoal/Evandro Souza
'Eu não uso WhatsApp', diz o adesivo fixado no capacete de uma dos raros brasileiros sem conta no aplicativo. Imagem: Arquivo Pessoal/Evandro Souza

Helton Simões Gomes

Do UOL, em São Paulo

24/02/2019 04h00

Você pode até não aguentar ficar longe do WhatsApp, mas há brasileiros que não sentem a menor falta do bate-papo que completa 10 anos neste domingo (24) e virou o aplicativo mais usado do Brasil.

Em conversa com o UOL Tecnologia, as pessoas que resolveram não usar o serviço de bate-papo dizem que tomaram essa decisão por diversos motivos: umas não confiam na forma como o Facebook lida com a privacidade dos usuários, outras não veem a menor necessidade em enviar inúmeras mensagens para marcar um compromisso que poderia ser acertado em um minuto de conversa. Em comum, todos sofreram uma pressão enorme para aderir ao WhatsApp. Mas resistiram.

Pressão zapeira

Os excluidões do Zap contam que, quando as pessoas sabem que não usam o app, há duas reações. A primeira é de estranhamento. Depois, surgem investidas para convencê-los a aderir ao WhatsApp.

É o caso de Evandro Souza, servidor público de 32 anos que mora em Recife (PE), que faz questão de dizer que não morre de amores pelo aplicativo: colocado em seu capacete, um adesivo exibe os dizeres: "Eu não uso WhatsApp".

Na semana passada, fui a oficina colocar minha moto na revisão. A atendente olhou o adesivo e perguntou: 'Sério que você não usa o WhatsApp?'. Eu respondi: 'Seríssimo'. O pessoal acha que é porque a esposa ou namorada não deixa

Ele não é o único. "Existe uma cobrança, mas não tô nem aí pra essas cobranças. Tudo que sai do que é estabelecido como convencional incomoda quando você recusa a se render ao sistema. Dizem: 'como você pode não ter WhatsApp?'", diz Euclides Falconi, dermatologista de 56 anos, de São Paulo (SP).

Às vezes, a insistência não fica apenas na conversa e passa para a ação. Foi o que ocorreu com Henrique Rios Queirós, de 21 anos, que abandonou o WhatsApp há três anos. Um cliente da distribuidora em que trabalha em Feira de Santana (BA) resolveu que ele precisava arranjar amigos no aplicativo.

A pessoa tomou o celular e instalou [o WhatsApp] dizendo que preciso 'socializar'

Por que não usam?

Os motivos de cada um deles para não embarcar na onda do WhatsApp são distintos. Falconi não vê a menor utilidade no aplicativo que pertence ao Facebook. "O WhatsApp era pra ser uma comunicação rápida e, como eu estou o dia inteiro ocupado, não tenho como parar para responder mensagem."

Quem quiser falar com ele, pasmem, terá de mandar um email ou fazer uma ligação telefônica. "Como eu sou intransigente com essa questão do WhatsApp, quem quiser falar comigo vai ter que recorrer ao método arcaico", brinca.

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As outras pessoas com quem o UOL Tecnologia conversou já usaram WhatsApp em algum momento. A cisma de Souza com o app nasceu em 2015. "Já gostei muito do WhatsApp. Era administrador de um monte de grupo lá. Mas fiquei desconfiado depois que ele foi comprado pelo Facebook e começou a compartilhar os dados dos usuários com a rede social", diz. Ele saiu do app de vez em 2017.

A questão principal é minha privacidade. Sei que é difícil manter a privacidade no mundo cheio de redes sociais, em que nossa vida fica cada vez interligada a elas. Mas, se tiver apps que prometam preservá-la, vou dar prioridade

Há três anos longe do WhatsApp, Queirós também saiu do app para preservar sua vida íntima.

O que me incomodou mais foi a falta de privacidade. O fato de o Facebook e o WhatsApp serem do mesmo dono e o Facebook estar envolvido em vários casos de vazamentos influenciaram bastante.

Marcelo Patrocínio, de 42 anos, também vê na exposição de suas informações o ponto fraco do WhatsApp. Ele não vê com bons olhos o compartilhamento de dados com o Facebook e nunca gostou de ter seu número de telefone exposto em todos os grupos do qual participava. Duas situações que começaram assim serviram como a gota d'água para que ele deixasse o aplicativo em 2015.

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Apagar o WhatsApp do celular é algo que nem passa pela cabeça de muitos brasileiros
Imagem: UOL

Na primeira delas, ele foi incluído sem pedir em um grupo em que homens, mulheres e meninas menores de idade combinavam festas e depois contavam sobre as experiências sexuais que rolavam nelas. Saiu de lá correndo. "Cara, é como o ditado diz: 'quem se junta com bandido bandido é'." Mas não foi só isso.

Enquanto dormia com sua esposa, seu celular tocou no meio da madrugada. Era uma ligação pelo WhatsApp de uma pessoa que ele não conhecia e morava a 230 km da cidade em que ele vive.

Uma mulher me ligou às 3h querendo falar comigo, sendo que eu era casado à época. Imagine a treta que não deu com a esposa olhando tudo isso. De tanto insistir, ela acabou revelando que pegou meu número em um grupo que eu nem sabia que estava. Disse que gostou de mim e queria me conhecer. Como explicar para a patroa? Gastei muita saliva falando por muitas e muitas semanas.

'Não me manda um zap'

As pessoas ouvidas pela reportagem não são avessas à tecnologia. O dermatologista Euclides Falconi trata por email de assuntos mais complexos, como a compra de nozes de um vendedor do Norte do país. Se precisar acertar um assunto rápido, basta telefonar.

Os outros também usam serviços de correio eletrônicos, mas gostam mesmo é do Telegram.

Souza passou dois anos largando e voltando a usar o WhatsApp. Só conseguiu abandonar o WhatsApp de vez em 2017, quando convenceu sua mãe e sua chefe a aderirem ao Telegram.

Se você perguntar o que veem de bom no app, receberá uma lista mais ou menos como esta:

  • Não usa o número telefônico como credencial de acesso nem precisa manter o celular ligado - a versão web funciona de forma independe do app;
  • Armazena todos os arquivos na nuvem, o que não sacrifica a memória do celular;
  • Permite enviar arquivos grandes, com mais de 1 Gigabytes;
  • Compartilha uma mensagem com diversas pessoas de uma vez só (é possível criar grupos com até 200 mil pessoas);
  • Grupos possuem instrumentos de controle muito mais refinados do que os do WhatsApp;

"Creio que as pessoas só deveriam usar o WhatsApp entre família, fora isso é entregar dados para terceiros", diz Patrocínio.

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Adesivo na moto de um brasileiro que não usa WhatsApp e é adepto do Telegram
Imagem: Arquivo Pessoal/Evandro Souza

O último dinossauro no WhatsApp

A pequena, mas orgulhosa, turma que não usa o aplicativo de bate-papo do Facebook sofreu uma perda nos últimos dias. Giuliano Micheletti, produtor gráfico de 72 anos, tentou, mas não vai conseguir passar os primeiros 10 anos do WhatsApp sem usar o aplicativo verde: entrou para o serviço nos últimos dias.

Mas ele, que se considerava o último dos dinossauros, faz uma ressalva: só adotou o app porque perdeu seu antigo celular e ganhou um smartphone.

É possível ainda estar no tempo do SMS, no tempo do aparelho analógico. Tanto é possível que sobrevivi a todos esses anos. Talvez eu me considerasse o último dinossauro vivente, que não tinha se adaptado, mas eu sobrevivi à era geológica, analógica e digital.

Quem quisesse falar com Micheletti teria que encontrá-lo, mandar SMS ou telefonar. Estar fora do Zap, diz, criou algumas lacunas. "Talvez eu tenha perdido alguma comunicação mais rápida ou não tenha feito parte de alguma comunidade."

E as fofocas no grupo da família? "Totalmente fora. Eu tenho uma família grande, inclusive com parentes fora do Brasil, na Itália. Eu talvez só soubesse da parte boa. De vez em quando, vinham e me diziam: 'Como você não soube disso?'. 'É, não soube'. Ficava sabendo só depois."

E os memes, Micheletti? E os memes?

O meme? O que vem a ser isso? Ah, aquelas brincadeiras, aqueles desenhinhos. Os emojis da vida? Eu vi, mas por meio de aparelhos de terceiros, porque isso não chegava, não chegava.

A partir de agora, os memes começarão a chegar ao celular de Micheletti, que tem mais dificuldade com o aparelho novo do que para entender o WhatsApp.

"O que eu acho mais difícil é a parte da digitação. Ser rápido nos números e na forma de digitar. É tudo muito pequeno. Eu não vou ser tão rápido quanto o aparelho pode ser. O WhatsApp nada mais é do que um SMS mais veloz e acelerado."