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Uma nuvem no nível do chão: como se produz água potável a partir do ar?

O ar que respiramos é repleto de partículas de água e há como aproveitá-las em larga escala - Getty Images/iStockphoto
O ar que respiramos é repleto de partículas de água e há como aproveitá-las em larga escala Imagem: Getty Images/iStockphoto

Rodrigo Trindade

Do UOL, em São Paulo

28/02/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Princípio básico é a condensação, presente nas nuvens e até no ar-condicionado
  • Materiais específicos são necessários para água não ser contaminada
  • Pura, a água recebe sais minerais necessários para nossa hidratação

No início de fevereiro, o Brasil ganhou um presente controverso: 11 máquinas que produzem água a partir do ar, doadas pela Watergen, uma empresa israelense. A polêmica está no fato de a tecnologia não precisar vir de fora do país, já que a brasileira Wateair produz equipamentos idênticos.

Ficou curioso de como funciona esse processo? Afinal, "produzir" água do ar que respiramos parece mágica, quando, na realidade, é o tipo de coisa que o ar-condicionado da sua casa faz --e as nuvens lá do céu também, em uma escala muito maior. Esse tipo de equipamento condensa o vapor de água e transforma-o em líquido, mas para fazer isso de uma forma produtiva é preciso muito mais energia do que um ar-condicionado gasta.

É como se essas máquinas induzissem o processo que resulta na chuva, como explica o professor José Carlos Mierzwa, do departamento de engenharia hidráulica e ambiental da Escola Politécnica da USP.

Eles não criam água a partir do ar. O que acontece é que a atmosfera tem uma quantidade de umidade. Esse vapor de água na atmosfera é o que vem a formar a chuva. Ele precisa ser condensado para virar água no estado líquido, que é o que acontece quando ele sobe na atmosfera, muito alto. A água condensa, vira nuvens e precipita. Esse equipamento força o resfriamento do ar para fazer que a água condense

José Carlos Mierzwa

Esse resfriamento não vem de graça, no entanto. Quem investiu em um ar condicionado para se refrescar durante o verão deve ter notado, mas, para esfriar o ambiente, é necessária muita energia. Dependendo do uso, um ar condicionado pode aumentar a conta de luz em até 50%.

Mas, segundo o engenheiro Pedro Ricardo Paulino, fundador da Wateair, essa comparação não é justa, já que as finalidades dos equipamentos são totalmente diferentes, assim como as semelhanças entre eles se esgotam no processo de condensação. Além de tirar a água do ar, as máquinas que têm a produção de água como objetivo precisam de 250 watts por litro, quando, há 10 anos, esse processo exigia 800 watts.

Além da nuvem

Fazer uma nuvem a nível do chão é o primeiro passo para produção de água a partir do ar, mas há uma grande diferença entre simplesmente fazer água e fazer uma água que possa ser aproveitada pelo ser humano. "A água condensada em si não tem função hidratante para o organismo", explica Paulino.

É por isso que a comparação com um ar condicionado para por aí, porque aquela água que pinga na parte do trás dele é imprópria para consumo. Isso ocorre porque a serpentina do ar condicionado é feita de cobre, que é tóxico, e não impede o acúmulo de bactérias. Desta forma, a água que sai dele é contaminada. Nas máquinas que produzem água do ar, a história é diferente.

Água a partir do ar - Wateair/Divulgação - Wateair/Divulgação
Equipamento condensa, purifica e adiciona minerais à água do ar
Imagem: Wateair/Divulgação

"O primeiro passo foi fazer serpentinas com liga metálica própria que seja bactericida. O próximo processo é a purificação ou esterilização antes de a água bater nos filtros, crucial para ela não chegar contaminada no filtro. Ali se formam colônias e a água fica contaminada, caso não chegue limpa", conta o fundador da Wateair.

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Para se tornar potável, a água ainda precisa receber sais minerais de uma forma equilibrada, pois só assim ela é absorvida pelas células do nosso corpo. Antes disso, a água condensada é como aquela que é destilada em laboratórios: imprópria para o organismo. Ela até mata a sede, mas não hidrata e pode até ter um efeito ruim, tirando sais do organismo.

Na comparação entre o que fazem as tecnologias das empresas israelense e brasileira, Paulino diz que o equipamento nacional tem mais capacidades, como essa de adicionar sais minerais na água. Além disso, as máquinas da Wateair têm capacidade de captação de água quando a umidade do ar está em 10%, enquanto a Watergen funciona a partir de 15%.

Miniatura

Deserto 2 - Universidade de Akron/Divulgação - Universidade de Akron/Divulgação
Diagrama que mostra como seria a mochila desenvolvida pelos pesquisadores
Imagem: Universidade de Akron/Divulgação
Enquanto empresas realizam avanços no desenvolvimento de grandes equipamentos para a produção de água do ar - o próximo passo da Wateair é engarrafar água -, pesquisadores trabalham em tornar esse tipo de tecnologia portátil. Em agosto de 2018, o engenheiro Shing-Chung "Josh" Wong, da Universidade de Akron, nos Estados Unidos, demonstrou a viabilidade de um aparelho capaz de obter 40 litros de água limpa e potável por hora. O dispositivo tem um formato de mochila.

Wong e sua equipe utilizaram polímeros que formaram fibras microscópicas. Estes materiais seriam mais eficientes do que os usados por destiladores de água atuais. As fibras absorvem e filtram a água do ar, processo que é otimizado por uma bateria de íons de lítio. Já o consumo seria baixo e a água passaria dos filtros limpa e livre de poluentes.

E se engana quem pensa que os pesquisadores tentaram fazer uma miniatura dos equipamentos das empresas que produzem água a partir do ar. A inspiração teria vindo de um inseto, o besouro-da-namíbia. Adivinha? Ele tira toda água que precisa para viver do ar, graças a um sistema de absorção de partículas escondido em sua carapaça.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Ao contrário do publicado inicialmente, o consumo de energia na mochila que fabrica água não é baixo graças aos avanços nas baterias de íons de lítio. O erro foi corrigido.