Quando você pode ser filmado sem autorização (e quando não pode)?
Resumo da notícia
- PM-SP filmará pessoas com câmeras nos uniformes; mas isso pode?
- Não há lei sobre usos de imagem, mas Constituição diz que é direito individual
- Pode-se filmar e divulgar vídeo, desde que não cause prejuízos aos filmados
- Tratamento de dados para segurança pública não será coberto pela LGPD
A polícia de São Paulo vai passar a filmar pessoas em ações com câmeras acopladas aos uniformes. Mas este é só mais um passo de um fenômeno contemporâneo: temos hoje 8,6 bilhões de smartphones no mundo e uma câmera de segurança em cada esquina das grandes cidades. Mais do que nunca, sorria, pois você está sendo fotografado ou filmado. E muitas vezes, é julgado a partir disso.
Só para ficarmos em exemplos recentes, tivemos o presidente Jair Bolsonaro incentivando alunos a filmar professores para obter prova de "doutrinação política"; o governo federal pedindo filmagem de alunos cantando o Hino Nacional; e uma youtuber vegana sendo fotografada comendo filé de peixe. Até o vídeo de uma moça pegando flores em um canteiro público virou motivo para inquisição online.
Mas isso não quer dizer que virou bagunça e você, se for filmado ou fotografado, está desamparado legalmente. Como quase tudo nesta vida, vai depender das circunstâncias. Vamos aos fatos.
O que diz a lei sobre isso?
Esta é uma boa pergunta, pois na verdade não existe ainda no Brasil uma lei específica sobre usos e direitos de imagem. Mas algumas legislações mais abrangentes já dão reforço a esses casos.
Constituição: No artigo 5º, cita como direito individual e inviolável a "intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" e a "proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas".
Código Civil: No artigo 11, os direitos da personalidade são "intransmissíveis e irrenunciáveis", tirando exceções previstas em lei. O artigo 20 ainda cita algumas formas para isso, e entre elas cita "a utilização da imagem de uma pessoa".
Código Penal: Segundo os artigos 139 e 140, difamar ou injuriar alguém pode render prisão de um mês a três anos, além de multa. No caso de difamação, prevê a "exceção da verdade", ou seja, se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. Sobre injúria, o juiz pode deixar de aplicar a pena em alguns casos, como quando o ofendido provocou a injúria.
Marco Civil da Internet: O artigo 7 cita de novo "inviolabilidade da intimidade e da vida privada", mas no caso, durante o acesso da internet. O artigo 21 garante punição a qualquer aplicação de internet que divulgar imagens ou vídeos com nudez ou atos sexuais sem autorização das pessoas filmadas.
Ok, mas pode filmar ou não?
Em resumo, essas leis permitem que filmemos, guardemos e até divulguemos na internet imagens de terceiros. Normalmente o uso que se fará dessas imagens é que pode ser passível de ações --basicamente, se a pessoa filmada alegar algum tipo de lesão ou constrangimento que se enquadre nas leis citadas acima.
Por exemplo, filmar pessoas basicamente andando na rua em um enquadramento amplo não costuma causar problemas, já que é uma via pública --logo, fora do caso de "vida privada" citado na Constituição. A menos que se crie algum viés ou discriminação no vídeo, como focar uma única pessoa e ofendê-la com algum tipo de edição ou voz em "off".
Uma pessoa pode processar o autor de um vídeo divulgado na web que a mostre sem seu consentimento mesmo que não haja prejuízo pessoal, clamando apenas pelo direito de imagem.
Mas não é algo que costuma acontecer com frequência; até porque é preciso antes que esta pessoa tenha ciência do vídeo. E isso geralmente só acontece se a imagem viralizar ou for informada à pessoa filmada por quem teve acesso ao vídeo.
Alguns usos específicos de imagem devem ser comunicados, como por exemplo a produção de um show de música avisar que cenas do público poderão constar em vídeos nas redes sociais do artista.
E a polícia, pode filmar pessoas sem autorização?
Tanto agentes públicos quanto privados, como as câmeras de segurança em lojas, metrôs e apartamentos, e até os shows de música que citamos acima, podem filmar qualquer pessoa sem consentimento prévio. Elas já fazem isso, como sabemos. Novamente, é o uso da imagem que faz a diferença, além da informação clara sobre o ato de filmar.
Para evitar processos, os autores das filmagens devem:
- criar normas internas;
- dispor as câmeras em locais com bom ângulo de visão e não íntimos (em banheiros não, por exemplo);
- informar a todos os filmados sobre o monitoramento constante;
- não focalizar em áreas ou pessoas específicas;
- e disponibilizar os registros somente às autoridades e pessoal responsável
Recentemente vimos o exemplo de câmeras com reconhecimento facial que foram testadas no Carnaval em Salvador e no Rio de Janeiro. Sem falar nos aeroportos e shoppings com esse sistema. Por que eles fazem isso? Porque a lei preserva o direito à segurança nestes casos.
O Brasil aprovou uma lei geral de proteção de dados pessoais (LGPD), que vai vigorar a partir de agosto de 2020. Em um dos artigos, diz que ela não se aplica ao tratamento de dados realizado para fins exclusivos de segurança pública e para atividades de investigação e repressão de infrações penais (art. 4º, III, "a" e "d").
Por isso, as filmagens das ações da PM-SP estariam garantidas pela LGPD, desde que sejam apenas para esse uso. A sociedade deve cobrar para impedir abusos. Por exemplo, que apenas as pessoas filmadas e as autoridades competentes tenham acesso às filmagens, e que seja impedido de outras pessoas ou entidades obterem cópias para uso indevido.
Por exemplo, um político poderia ter acesso à filmagem de um rival seu em batida policial e espalhar isso pelo WhatsApp para desmoralizá-lo. Para evitar algo assim, faz-se necessário que a polícia instale procedimentos rígidos de restrição de acesso a essas imagens por parte de pessoas não autorizadas.
A LGPD ainda diz que o tratamento de dados pessoais para essas finalidades deverá ser regido por uma legislação específica, que ainda não existe. Enquanto isso não acontece, ações que entrem nesses pontos teriam que se apoiar na Constituição e textos afins que citamos acima.
Fontes: Paulo Rená, especialista em direito digital e gestor do projeto de elaboração do Marco Civil da Internet no Ministério da Justiça; e Luiza Sato, advogada especialista em propriedade intelectual e direito digital.
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