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Como a 'zona' dos postes afeta sua conta de luz e atrapalhará o 5G

Cabos amontoados em poste da cidade de São Paulo - Van Campos /Fotoarena/Folhapress
Cabos amontoados em poste da cidade de São Paulo
Imagem: Van Campos /Fotoarena/Folhapress

Helton Simões Gomes

Do UOL, em São Paulo

15/04/2019 04h00

Basta uma ida até a esquina para ver que os postes da sua rua estão cheios de cabos. As planilhas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no entanto, captam uma situação diferente: elas mostram que boa parte das distribuidoras de energia ocupam apenas 13% dos pontos para colocar fios.

A dificuldade que as agências reguladoras têm para medir o tamanho da bagunça que é o compartilhamento de postes no Brasil é apenas a ponta do iceberg de um problema que se arrasta há duas décadas sem solução. Travada entre as empresas de distribuição de energia, donas dos postes, e as companhias de telecomunicação, que instalam cabos para ofertar banda larga, a disputa prejudica você, que não recebe desconto na conta de luz, e está prestes a virar o novo obstáculo para a chegada do 5G, a tecnologia que deve revolucionar a internet.

Como a treta China x EUA pode afetar sua banda larga.

Guerra da internet móvel

Qual o problema?

Nas contas de Aneel e da Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), o Brasil tem aproximadamente 46 milhões de postes. Para o órgão responsável por regular serviços de comunicação, 10 milhões deles têm superlotação de fios.

Essa é uma dor de cabeça antiga, tanto que o primeiro acordo conjunto entre Aneel e Anatel para regularizar o uso de postes foi firmado há 20 anos. A regra foi atualizada pela última vez em 2014, quando a Resolução nº 4 estabeleceu que:

  • um poste não pode ter mais de cinco pontos para fixar fios - um desses deve abrigar cabos reservado à distribuição de energia, enquanto os outros quatro podem ser oferecidos para alocar fios para transportar internet;
  • o aluguel de cada ponto fica em R$ 3,19 (valor atualizado para R$ 4,10);
  • para colocar fim à desordem, as operadoras de telecomunicação devem regularizar por ano 2.096 postes.

A essa altura, você já deve ter adivinhado que não deu muito certo.

Se cada operadora arruma 2.000 por ano, vamos levar 500 anos para resolver. a realidade dos fatos é que a Resolução nº 4 não foi suficiente para conduzir a uma solução para o problema. Há situação que a gente já levantou de um poste com 50 cabos
Abraão Balbino da Silva, superintendente de competição da Anatel

Poste 1 - Jardiel Carvalho/Folhapress - Jardiel Carvalho/Folhapress
Poste de São Paulo com muito mais fio do que o permitido
Imagem: Jardiel Carvalho/Folhapress

Essa bagunça é produzida de duas formas diferentes, explica Efrain Cruz, diretor da Aneel. No primeiro caso, algumas provedoras de banda até alugam formalmente um espaço no poste, mas, na hora da instalação, colocam mais cabos do que o acordado. No segundo caso, as instalações são clandestinas mesmo: os cabos são pendurados sem contrato nenhum.

Para complicar, as duas agências não trocam informações para checar se as prestadoras de banda larga levam seus serviços aos consumidores usando infraestrutura contratada de forma regular.

A gente observa que muitas operadoras de telecomunicação têm contrato na Anatel dizendo que oferecem conexões usando o modelo físico, que é o cabo de fibra, mas não apresentam contrato de compartilhamento de postes com as distribuidoras de energia elétrica
Efrain Cruz, diretor da Aneel

Além disso, as agências parecem ter formas diferentes de dimensionar o tamanho do problema. A Anatel estima que sejam 10 milhões os postes superlotados:

Cerca de 20% da base de poste tem sérios problemas de ocupação
Abraão Balbino da Silva

Já a Aneel nem possui uma conta:

A gente não coloca o quantitativo de postes irregulares. Até porque este número nós não temos
Efrain Cruz

Presidente da Anatel diz: ou conexão de ponta para poucos ou serviço meia-boca para todos

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O que a reguladora do setor elétrico faz é uma estimativa. Para entender esse ponto, é preciso entender outro detalhe: como o dinheiro dos aluguéis dos espaços nos postes é repartido. Do total, 40% da quantia fica com as distribuidoras de energia e o restante vai para a Aneel, que usa os recursos para amortizar a tarifa elétrica.

Hoje, esse valor arrecadado é de R$ 1,25 bilhão. Nas contas da Aneel, isso indica que 85% das distribuidoras cobram, em média, por menos de um ponto. Isso indica ainda como as instalações irregulares são um escoadouro de dinheiro.

Como afeta você?

Aquele emaranhado de fio suspenso sobre ruas do país não é apenas uma feiura estética. Ele é símbolo de uma ineficiência que afeta você das seguintes formas:

  • a conta de luz não cai;
  • a competição entre serviços de internet é menor;
  • falta segurança e qualidade do serviço de energia elétrica.

Conta de luz

Vamos começar pela conta de luz. Os 60% do valor arrecadado com o aluguel de pontos em postes que ficam com a Aneel são usados para reduzir a tarifa cobrada dos consumidores. Quando o valor não aumenta, porque empresas de telecomunicação fazem instalações clandestinas e não pagam o aluguel, quem deixa de ganhar o desconto é você.

Poste 2 - Van Campos /Fotoarena/Folhapress - Van Campos /Fotoarena/Folhapress
Poste de São Paulo ocupado por diversos cabos, em quantidade superior à permita
Imagem: Van Campos /Fotoarena/Folhapress

A Aneel calcula que o valor das taxas poderia chegar a R$ 5,6 bilhões caso fosse recolhida a taxa de 75% dos pontos disponíveis. Quer saber quanto isso poderia acabar barateando sua conta de luz? Prepare-se:

Cada R$ 1 bilhão injetado [como amortização] no setor elétrico corresponde a uma atenuação aproximada na tarifa dos brasileiros de 0,6%. Numa conta simples, o Brasil teria aproximadamente 3% de redução tarifária
Efrain Cruz

Competição menor na internet

Outro problema é o que valor de referência estabelecido para quem quiser ocupar um ponto do poste nem sempre é aplicado. Empresas grandes, com grande capacidade de articulação, conseguem pagar menos, enquanto firmas menores arcam com contas maiores.

Essa é uma prática que varia muito. As concessionárias de telecomunicação pagam entre R$ 0,50 e R$ 0,60, enquanto muitas das pequenas pagam entre R$ 6 e R$ 10 pelo uso
Abraão Balbino da Silva

A discrepância no tratamento é fruto do "abuso de poder econômico", diz o superintendente da Anatel, e chega a impedir que empresas pequenas atuem em determinadas regiões. "A gente tem relatos de vários pequenos provedores que não conseguem construir infraestrutura em determinada área por não conseguir fazer uma negociação para usar poste ou porque a distribuidora se nega a dar espaço a eles, dizendo que o poste está lotado", afirma Silva.

Qualidade e segurança

Postes abarrotados de fio geram ainda problemas de segurança. Técnicos são deslocados com maior frequência para resolver interrupções em infraestrutura sobrecarregadas, o que gera maior número de acidentes.

Fora isso, a qualidade do serviço elétrico é comprometida todas as vezes que a presença de cabos de banda larga deve ser regularizada.

Poste 3 - Jardiel Carvalho/Folhapress - Jardiel Carvalho/Folhapress
Poste de rua da capital paulista com volume de cabos superior ao permitido por Anatel e Aneel
Imagem: Jardiel Carvalho/Folhapress

Onde vai afetar no futuro?

A longa lista de problemas gerados com a bagunça dos postes de rua está prestes a ganhar mais um item: o 5G. Essa nova tecnologia de banda larga móvel, que substituirá o 4G, precisará que antenas sejam instaladas em muitos mais pontos do que os existentes atualmente - e os postes são um forte candidato para recebê-las. Além disso, os cabos das estações de radiobase terão de passar por algum lugar.

Para que consigamos ter o 5G devidamente implementado no Brasil, temos que resolver a ocupação dos postes, senão dificilmente vai ter 5G decente no Brasil
Abraão Balbino da Silva

As faixas de radiofrequência escolhidas para o primeiro leilão do 5G no ano que vem, as de 3.5 Ghz e de 26 Ghz, ampliam ainda mais a necessidade de instalar antenas. Isso porque bandas como a de 26 Ghz possuem alta capacidade de transmissão de dados, mas o alcance delas é reduzido a algumas dezenas de metros.

Como pretendem resolver?

Aneel e Anatel já discutiam uma nova proposta para solucionar a questão, mas resolveram acelerar o processo para não empacar o 5G. O cronograma regulatório anterior previa uma solução entre o fim de 2020 e a primeira metade de 2021. Só que o leilão do 5G deve ocorrer até março do ano que vem.

Agora, a ideia é acertar um novo acordo até o fim de 2019. O novo cronograma deve ser levado aos conselhos das duas agências no começo de maio, diz o superintendente da Anatel.

As novas medidas estão sendo elaboradas. Os custos para regularizar tudo são estimados entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões para um prazo de até 10 anos. Mas o que deve mudar? Em resumo, as agências darão incentivos financeiros e burocráticos para que as empresas ordenem os postes.

As distribuidoras de energia que regularizarem os fios ficarão com todo o valor arrecadado com a tarifa de referência do aluguel dos pontos. As que não fizeram nada verão esse dinheiro ir todo para a Aneel e ainda poderão receber multa. A ideia é que essa regra funcione em três etapas: na primeira, os recursos custearão a reforma; na segunda, eles gerarão lucro para as distribuidoras; na terceira, voltarão a ser partilhados entre empresas e a Aneel.

Já as empresas de telecomunicação enfrentarão dois cenários. Nas regiões com problemas de competição, ou seja, onde há mais fio do que poste, o preço será mais alto, para incentivar que as empresas façam acordos de compartilhamento de infraestrutura. Nas outras áreas, o preço de referência será maior, mas valerá para todas - caso haja tratamento desigual, a distribuidora não ficará com o dinheiro, ainda que a situação dos postes esteja regular.

As teles serão ainda pressionadas a não ocupar postes irregularmente, já que apenas poderão instalar antenas naqueles que não possuam aglomeração de fios.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do publicado anteriormente, a receita arrecadada com os preços é dividida assim: 60% ficam com a Aneel para promover modicidade tarifária, enquanto 40% ficam com as distribuidoras de energia