'Cadê o botão de fechar?': como apps e sites usam o design para tapear você
Resumo da notícia
- Sites e apps usam truques e armadilhas de design para enganar você
- Chamadas de 'dark pattern', elas tentam aumentar a conversão dos negócios da plataforma
- Essas práticas podem ser simples, como mudar para verde a cor dos botões 'cancelar'
- Ou complexa, como a Cambridge Analytica que coletou dados pessoais com um quiz para usar em campanha política
- Agora, autoridades no Reino Unido e dos EUA querem acabar com elas e multas empresas
Atire um "like" quem nunca passou por uma das situações a seguir. Você abre um site e imediatamente surge na tela um banner chamativo com tamanho suficiente para atrapalhar a navegação. Você procura, procura e nada de achar um botão para fechar a peça. Ou ainda: após adquirir um serviço pela web e não gostar, você tenta encerrar o contrato, mas... cadê o botão para cancelar a assinatura?
Ficou frustrado com alguma das cenas acima? Saiba que você foi vítima das armadilhas que aplicativos e sites plantam no design de suas plataformas para enganar usuários e conseguir mais dados pessoais, reter um cliente insatisfeito ou aumentar o engajamento.
A tática tem até nome: é conhecida entre designers como "dark pattern" (veja exemplos abaixo). Ela não irrita só você: autoridades norte-americanas e britânicas querem tornar a prática ilegal e multar empresas que a fizerem. Mas até quem é contra avisa: não vai ser fácil, afinal, o design é o reino da subjetividade.
"'Dark pattern' são manipulações do design de uma interface para convencer o usuário a fazer algo especifico, normalmente algo contraintuitivo ou contra a vontade dele", explica Fabrício Teixeira, diretor de design da Work & Co, que criou o design de produtos para empresas como Apple, Google, Facebook, Nike e Disney.
Como você está sendo sacaneado
As armadilhas gráficas do "dark pattern" podem ter grau variado de complexidade. Pode ir desde inverter a cores de um botão a criar plataformas inteiras destinadas única e exclusivamente a enganar você.
- Trocar as cores de botões: normalmente é vermelho para cancelar e verde iniciar um processo, ao inverter aumenta o clique por engano
- Colocar banners que não possuem botão de "fechar" (ou que aparecem em um tamanho que você não enxerga)
- Dificultar o acesso ao botão de "descadastrar" numa lista de email de propaganda direita (isso é proibido no Brasil pelo Código de Defesa do Consumidor)
- Sites de reserva de hotel ou de passagens aéreas que tentam pressionar o consumidor a comprar logo. Para isso, avisam que há poucos lugares disponíveis à venda
Já os casos mais complexos são aqueles em que todo o modelo de negócio é baseado em um embuste. Exemplo disso são serviços de coaching ou mentorias online em que não fica claro qual é o objeto do serviço oferecido até que ele tenha sido, de fato, contratado.
O designer Harry Brignull criou uma página destinada a detalhar esses truques, veja algumas categorias:
- Fisgar e mudar: você é levado a optar por uma ação, mas a plataforma faz algo totalmente diferente ou indesejável.
- Opção embaraçosa: são as tentativas de culpar ou envergonhar o usuário por tomar uma decisão.
- Anúncio disfarçado: propaganda que aparece como outro tipo de conteúdo ou elementos de navegação para que você clique.
- Assinou? Tem que pagar: serviço de assinatura que oferece um período de uso gratuito e exige o número do seu cartão no cadastro. Quando o tempo de teste termina, a plataforma não avisa e começa a cobrá-lo.
- Spam amigo: o site ou app pede seu email ou permissão para acessar suas redes sociais sob o pretexto de fazer algo desejável, como encontrar amigos, mas envia a todos os seus contatos uma mensagem em seu nome.
- Despesas ocultas: você já está na última etapa de compra de um site de comércio eletrônico e só então é informado que o preço final subiu devido a cobranças inesperadas como taxas de entrega ou impostos.
- Mal direcionado: o design do app ou site é desenhado de tal forma que você é levado a prestar atenção em um elemento benéfico do produto e não notar algo negativo.
- Comparar preço para que?: um varejista online dificulta a comparação o preço de dois itens da mesma categoria para você não tomar uma decisão mais bem informada.
- Sem privacidade: você é levado a compartilhar publicamente mais informações sobre você do que pretendia.
- Beco sem saída: o design da plataforma faz com que seja muito fácil entrar em uma situação, mas que seja extremamente difícil sair dela (por exemplo, uma assinatura).
Quando o negócio aperta
Essas práticas não são nenhuma novidade no mundo online e é difícil identificar quando começaram a proliferar, porque "isso existe desde que a web é web". Rick Freitas, consultor em design da ThoughtWorks, explica que o ponto central do 'dark pattern' é usar truques ou armadilhas digitais para alavancar vendas". Ou fazer alguém permanecer por mais tempo navegando em uma página, convencê-lo a assinar um serviço e depois impedir que ele desista, levá-lo a se cadastrar em uma plataforma ou conseguir que ele forneça mais dados.
É claro que nem todo elemento gráfico é destinado a confundir as pessoas. A maioria é pensada para facilitar a vida. Mas, na hora do aperto, alguns são criados com o propósito de fazer o negócio por trás da plataforma ser bem sucedido.
Toda empresa tem uma visão de mundo incrível. O Google quer organizar a informação do mundo, o Facebook quer conectar pessoas. Mas, na prática, os times de venda, de produto e de marketing têm metas de curto prazo muito agressivas. Eles pensam: 'Legal, o Facebook quer conectar pessoas', mas a gente não pode ter abandono de usuário de mais de 1% por ano
Fabrício Teixeira
O uso dessas práticas é considerado um desvio ético. "Tem a meta do fim do mês para bater. Aí você vai ter que tomar sua decisão de seguir seu senso ético ou fazer o que seu chefe pediu. E o consumidor no meio de tudo isso? Às vezes, eles nem percebem que estão sendo sacaneados", diz Teixeira.
Agora virou um problemão
Apesar de as técnicas de "bad pattern" não serem novidade, a discussão sobre elas voltou à tona justamente porque os casos mais complexos exploram a sua privacidade. O modo como a Cambridge Analytica, consultoria política que auxiliou Donald Trump, coletou dados é considerado por eles como um símbolo de "bad pattern".
Um psicólogo criou um teste de personalidade que circulou no Facebook. Para acessá-lo, as pessoas tinham que dar permissão para que o quiz coletasse alguns de seus dados pessoais e o de seus amigos. Só que as informações de milhões de pessoas foram usadas para outro objetivo não revelado aos participantes: encontrar brechas psicológicas para manipular o voto desses indivíduos.
Esse caso da Cambridge Analytica é um exemplo de 'dark pattern' em que o uso das informações não é só antiético mas também criminoso. O foco do negócio nunca foi o quiz, mas criar uma forma de capturar os dados das pessoas
Rick Freitas
O Gabinete do Comissário de Informação do Reino Unido (ICO, na sigla em inglês) anunciou na semana passada uma proposta para proteger a privacidade de crianças e adolescentes que impacta diretamente na forma como sites e apps são desenhados.
Para o ICO, as interfaces dessas plataformas lançam mão de elementos gráficos como "técnicas de pressão" e "ciclos de recompensa" para convencer uma pessoa a se manter conectada indeterminadamente com o objetivo de coletar cada vez mais dados sobre sua atividade. Essas informações são posteriormente oferecidas a anunciantes em forma de um perfil sobre aquela pessoa.
Chamada de Código de Design para a Idade Apropriada, a proposta quer fazer plataformas online seguir três regras:
- ter configurações que preservem a privacidade de crianças como padrão e não como opcional;
- explicar como as informações pessoais são coletadas com linguajar apropriado para cada idade;
- reunir a menor quantidade possível de dados de crianças; e desenhar seus serviços para elas.
Cada uma dessas exigências deverá ser adaptada para as idades de 0 a 5 anos, de 6 a 9 anos, de 10 a 12 anos, de 13 a 15 anos e de 16 a 17 anos.
Uma versão final do projeto ser enviado ao Parlamento Britânico até o fim do ano.
Nos Estados Unidos, os senadores Mark Warner e Deb Fischer protocolaram um projeto de lei para proibir plataformas online com mais de 100 milhões de usuários de usar "dark patterns".
A proposta determina que:
- Serviços que "desenharem, modificar ou manipular a interface do usuário com o propósito ou efeito substancial de obscurecer, subverter ou prejudicar a autonomia, capacidade de decidir ou de escolha do usuário para obter consentimento ou seus dados" sejam considerados ilegais;
- Recursos que "cultivem uso compulsivo" de crianças até 13 anos sejam banidos;
- As plataformas sejam obrigadas a detalhar experimentos conduzidos "com o propósito de promover engajamento ou a conversão [de vendas]".
A ideia é que essas determinações sejam colocadas em prática pela Comissão Federal de Comércio (FTC) e outro órgão externo com poder de regulação.
"Vai ser um grande desafio traçar linhas muito claras do que é e do que não é. Design é muito subjetivo, mas o caminho é esse mesmo: criar restrições legais", afirma Teixeira, que trabalha em Nova York, nos EUA.
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