Topo

Privacidade gera guerrinha de indiretas entre Apple, Facebook e Google

Apple tem batido na tecla da privacidade, mas o custo de seus produtos não é para qualquer um - Reprodução
Apple tem batido na tecla da privacidade, mas o custo de seus produtos não é para qualquer um Imagem: Reprodução

Rodrigo Trindade

Do UOL, em São Paulo

30/05/2019 04h00Atualizada em 15/05/2020 00h51

Resumo da notícia

  • Fabricante do iPhone exalta privacidade, porém rivais cutucam que direito não deveria ser luxo
  • Google diz privacidade deveria ser para todos, mas explora dados dos bilhões de usuários de seus serviços gratuitos
  • Manifesto recente de Mark Zuckerberg a favor da privacidade afasta Facebook de países como China, enquanto Apple está lá

Você notou que a Apple passou a exaltar a privacidade de seus produtos desde a virada do ano? É um daqueles recursos que a maioria dos leitores desse texto possivelmente nunca colocou como uma prioridade na hora de comprar um celular ou notebook. A escolha pode parecer curiosa, já que a importância da proteção de dados ainda não é o maior interesse das pessoas como é a câmera ou a tela, por exemplo.

Mas graças às recorrentes falhas de segurança de grandes empresas dessa era digital, especialmente do Facebook, esse é um fator que vem ganhando valor.

A gigante americana se posiciona como uma defensora ferrenha da privacidade de seus consumidores, ainda que eles possam estar nem aí para isso. Há dois conceitos que são oficialmente defendidos pela Apple, ambos presentes nas legislações mais modernas de proteção de dados. São eles a privacidade por design, que prevê a segurança dos dados em todas as etapas de desenvolvimento de um produto, e a privacidade por padrão, em que a empresa evita ao máximo coletar dados, o fazendo somente quando realmente é necessário.

É um posicionamento louvável, mas que tem sido questionado por meio de indiretas por vizinhos do Vale do Silício. Nos últimos três meses, foram duas cutucadas de executivos rivais: Sundar Pichai, do Google, e Mark Zuckerberg, do Facebook.

Privacidade só para quem pode pagar?

Ambas as provocações foram doloridas, mas a de Pichai, executivo-chefe do gigante de buscas, é a que aflige a maioria dos usuários de smartphones do planeta. Líder de uma empresa que oferece diversos produtos gratuitos, mas coleta uma enorme quantidade de dados de seus bilhões de usuários, Pichai escreveu um artigo para o jornal "New York Times" que já começa com um título forte: "a privacidade não deve ser um artigo de luxo".

O nome Apple não é citado, mas a associação das críticas a ela é inevitável, visto que os produtos dela são costumeiramente os mais caros à venda e associados pela própria marca ao conceito de privacidade.

Além do mais, a Apple não é infalível e brechas de privacidade escapam às vezes. Nesta semana, o jornal "Washington Post" descobriu que muitos apps do iOS — OneDrive, Mint, Nike Run Club, Spotify, Weather Channel, Yelp, Citizen e até o app do próprio "Washington Post"— se aproveitam do recurso "Atualização em 2º Plano" do iOS para enviar regularmente dados a empresas de rastreamento.

Já o Google registra os traços que você deixa na internet, e usa essas informações para finalidades diversas que podem ser resumidas em dois grandes grupos: melhorar os produtos do próprio Google e direcionar propaganda relevante para você.

Isso resulta em diversos serviços gratuitos, como Maps ou a busca, ou produtos mais acessíveis como celulares de entrada, que rodam com o sistema operacional Android, adotado sem custo pelas fabricantes de smartphones. Não se engane: o Google ainda faz muito dinheiro, mas de um jeito diferente da Apple.

A empresa da maçã vende aparelhos e lucra com isso, sem capitalizar com os dados que circulam por esses dispositivos; o Google até vende um ou outro produto e serviço, vide os celulares Pixel e o YouTube Premium, mas o grosso do seu negócio é ganhar dinheiro com a base de dados massiva obtida a partir do uso de seus serviços.

Como ele cuida de tudo isso é a questão chave. Desde que os deslizes do Facebook foram expostos a partir do escândalo de Cambridge Analytica, Pichai tem feito esforços para mostrar que o Google se preocupa cada vez mais com a sua segurança sem que você precise pagar um centavo por isso. Entretanto, essa postura parece mais uma consequência do que aconteceu com o Facebook e da aplicação do GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados, sigla em inglês) europeu do que uma iniciativa do próprio Google.

Aí é o ponto que a Apple aproveita para provocar. "É gratificante que outras empresas da área parecem estar dando sinais positivos de preocupação com a privacidade nos últimos meses", disse Craig Federighi, vice-presidente sênior de engenharia de software da Apple, ao jornal inglês "The Independent".

Não pega dados, mas na China é outra história

Mesmo que a Apple seja uma defensora vocal da privacidade e da defesa dos dados dos seus consumidores, sua presença no mercado chinês serve como uma aparente contradição a todos esses princípios da empresa.

Enquanto nem Google, nem Facebook oferecem seus serviços na China, onde a lei exige que dados sejam armazenados no próprio país, a Apple tem ali um de seus principais mercados. Ela tem um data center no território chinês, operado por uma empresa local, o que abriu brecha para críticas, visto que o governo do país tem como espionar as informações de seus cidadãos.

E claro que isso não passa batido pelos concorrentes. Mark Zuckerberg publicou um longo manifesto em defesa da privacidade no início de março, delineando uma nova visão para as propriedades de sua rede social e aproveitou para dar uma alfinetada.

Dado não é roubado: o ano que nos obrigou a cuidar melhor dos nossos dados

Leia Mais

Escolhemos não construir data centers em países que têm um histórico de violação de direitos humanos como privacidade ou liberdade de expressão. Se construirmos data centers e armazenarmos dados sensíveis nestes países, em vez de apenas pegar dados não-sensíveis, poderíamos facilitar que esses governos pegassem as informações das pessoas
Mark Zuckerberg

A Apple, em sua defesa, argumenta que seus sistemas protegem os usuários chineses do controle estatal, mas ONGs ativistas no campo dos direitos humanos consideram que a existência de um data center local coloca os donos de iPhone do país sob riscos.

Novas leis exigem cuidado com privacidade

O cuidado com os dados de usuários virou um assunto quente não apenas pela benevolência de grandes empresas, mas porque governos criaram leis com parâmetros que devem ser seguidos para evitar abusos e proteger cidadãos. O GDPR forçou muitas empresas a ajustarem e simplificarem seus termos de uso, mas iniciou uma tendência global para a criação de legislações semelhantes.

É o caso da Lei Geral de Proteção de Dados, sancionada em agosto 2018 pelo então presidente Michel Temer. Como foi com o GDPR, empresas receberam um período de adaptação de 18 meses até que a lei começasse a valer. Na última terça-feira (28), um novo elemento foi aprovado para cuidar da aplicação da lei: a Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Mas todas essas regulações são relativamente recentes e há muito a ser feito para que tenhamos uma noção real de sua eficácia perante os abusos do mercado de tecnologia.