Sabia que um remédio para enjoo traz 90% dos royalties que a USP recebe?
Resumo da notícia
- Vonau Flash inovou ao ser remédio para enjoo que dissolve na boca e tem efeito rápido
- Existem remédios similares no exterior, mas seria muito caro importar
- USP é parceira de laboratório que vende o remédio
- Faturamento da empresa foi de mais R$ 135 milhões em 2018
Muita gente acha que as pesquisas feitas dentro das universidades públicas do país não têm utilidade prática. Pois saiba que uma delas, feita dentro da USP (Universidade de São Paulo), achou a "solução" para náuseas e vômitos e trouxe um retorno de cerca de R$ 10 milhões nos últimos 13 anos.
Você já ouviu falar do medicamento Vonau Flash? Trata-se de uma patente da USP, concedida no ano passado, que representa a maior fonte de arrecadação em royalties (valor recebido pelo direito de comercialização de um produto) da universidade até agora: aproximadamente 90% do total.
É o que explica o professor Marcos Martins, coordenador da agência de inovação da universidade, a Auspin. Ou seja, o resultado de uma única pesquisa gera mais dinheiro do que todas as patentes de propriedade da USP inteira.
Atualmente, a universidade tem 1.299 patentes envolvendo tecnologias e/ou produtos desenvolvidos por diferentes departamentos. Dados da Auspin mostram que em 2018 a receita em royalties de todas as patentes com contratos de exploração chegaram a R$ 3,44 milhões. O medicamento Vonau foi o que liderou esse montante.
Por que o Vonau se tornou um sucesso para a USP?
O sucesso financeiro do Vonau Flash se dá por duas características marcantes: ele não dá sono e se dissolve na boca. Assim, a absorção é mais rápida do que os comprimidos que precisamos engolir, afirma o professor Humberto Gomes Ferraz, farmacêutico responsável pelo desenvolvimento do medicamento.
A pesquisa do que viria a ser o Vonau Flash começou há quase 15 anos e contou com o apoio financeiro da Biolab Farmacêutica, organização que detém parte da patente e os direitos exclusivos de comercialização do Vonau.
"Nós sabíamos que o Brasil tinha uma demanda por ter um medicamento para náuseas e vômito que se dissolvesse na boca e que a tecnologia de produção fosse bem mais barata do que a usada lá fora. Por isso fomos atrás da universidade", relembra Dante Alário Júnior, presidente técnico-científico da Biolab. Os valores investidos na pesquisa do Vonau Flash não foram divulgados.
Os profissionais explicam que a inovação patenteada envolveu a melhoria de uma substância já existente -- a ondansetrona-- como medicamento e o uso de uma tecnologia mais barata para sua formulação.
O problema de alguns medicamentos para vômito e náusea é que, quando você toma o produto oral, o líquido que você ingere pode provocar ainda mais reações. Nisso, é comum você tomar e vomitar em seguida. Então, o remédio não consegue fazer efeito. O Vonau também age mais rápido Alário Júnior
Faturamento de mais R$ 135 milhões para empresa
O contrato entre a USP e a Biolab foi assinado em 2005. No ano seguinte, depois de o medicamento ser autorizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ele já começou a render frutos para a instituição e para a empresa. Uma porcentagem fixa (não detalhada) de cada caixa do medicamento vendida é repassada para a universidade.
Segundo a Biolab, em 2018 o faturamento da empresa com o Vonau Flash foi de R$ 135 milhões. A expectativa para 2019 é que o fluxo gire entre R$ 160 a R$ 165 milhões só com o produto desenvolvido pela USP. "Este ano devo pagar mais ou menos entre R$ 3,5 a R$ 4 milhões só pelo Vonau Flash", destaca Alário Júnior, o que daria cerca de 2,5% do faturamento total.
Na pesquisa não tem milagre. É preciso buscar investimento. As parcerias são fundamentais para os dois lados. A universidade é parceria de inovação. Não consigo ver a produção de conhecimento que se desenvolve aqui e não alcançar a sociedade por falta de recursos Professor Humberto Ferraz
Em meio aos cortes no orçamento da universidades públicas brasileiras, o professor Ferraz reforça que iniciativas como as da patente podem ser uma alternativa importante para o controle do orçamento. Além do valor que é investido no próprio laboratório, é possível direcionar os recursos recebidos em equipamentos, pagamento de bolsistas e outras pesquisas que são custosas para a instituição.
"Acho que a parceria entre a universidade e empresas poderia - e deveria - ser muito maior do que é atualmente. Acho que todos ganhariam com isso, pois as empresas ganhariam especialistas que as ajudariam a desenvolver soluções, processos e produtos. Enquanto a universidade ganharia problemas para serem resolvidos e fontes de financiamento para resolvê-los", conclui Martins.
Como funciona a divisão dos royalties?
Pelo acordo fechado com a USP, o valor arrecadado é pago para a Reitoria (departamento de finanças). Em seguida, é dividido entre:
- USP em geral
- Agência de Inovação da universidade
- Faculdade de Ciências Farmacêuticas
- Deinfar (Laboratório de Desenvolvimento e Inovação Farmacotécnica)
- Inventor da patente (pesquisador responsável)
A porcentagem de cada um não foi detalhada.
Pelas regras de vigentes no Brasil, a USP terá até 2028 para aproveitar as receitas geradas da venda do medicamento. O acordo com a Biolab prevê que depois disso a porcentagem do repasse será reduzida.
Apesar de ter se tornado um produto de alto retorno para a universidade, Ferraz critica a demora para a concessão da patente. O depósito da inovação foi feito em 2005 e só em março de 2018 é que o direito da USP e da Biolab sobre ela foi autorizado. "Foram mais de 13 anos. É muito tempo e isso já virou rotina no Brasil, infelizmente."
A comercialização do medicamento contou até então com a segurança da "expectativa de direito". Imagine que você tem um produto em análise para ser patenteado. Se alguém começa a usá-lo durante esse processo, você vai poder entrar judicialmente contra a prática assim que obtiver a concessão (mesmo que ela demore anos para sair). Dificilmente uma empresa vai querer correr esse risco.
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