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O que um cientista brasileiro espera ao enviar "minicérebros" ao espaço

Alysson Muotri segura uma placa com os minicérebros humanos que tem o tamanho de um alfinete - Muotri Lab/UCSD
Alysson Muotri segura uma placa com os minicérebros humanos que tem o tamanho de um alfinete Imagem: Muotri Lab/UCSD

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

05/09/2019 04h00

Minúsculos cérebros humanos estão agora no espaço para testar uma teoria presente nas ficções científicas: se seria possível a vida humana fora da Terra. Eles chegaram na semana passada à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) e já apresentaram algumas possíveis respostas. Talvez não seja só possível viver, talvez o desenvolvimento seja ainda mais rápido lá do que aqui.

A pesquisa é encabeçada pelo brasileiro Alysson Muotri, pesquisador da Universidade da Califórnia, em San Diego, Estados Unidos. Sua equipe, juntamente com o laboratório Space Tango, quer descobrir se a colonização humana em outros planetas - semelhante a retratada em filmes como "Interestelar" - seria de fato possível. Humanos seriam capazes de viver e se reproduzir fora da Terra?

Para isso, os cientistas enviaram em julho, por meio da Nasa, "minicérebros" desenvolvidos a partir de pele humana para a ISS, a fim de estimular o seu desenvolvimento em gravidade zero.

"Para se desenvolver em outo planeta o cérebro humano precisaria ser desenvolvido na ausência de gravidade ou em microgravidade como na Lua ou numa viagem espacial muito longa", explica Muotri em entrevista ao UOL. Segundo ele, esta é a primeira vez que pesquisadores fazem um estudo assim.

Apesar de isso estar escrito em um monte de livro de ficção e as pessoas assumirem que é algo normal, ninguém tinha estudado
Alysson Muotri

Os organoides (termo correto para os minicérebros) foram enviados ao espaço dentro de uma cápsula. O primeiro desafio era garantir que eles chegariam vivos à estação, o que ocorreu com êxito. O próximo é ver como será seu desenvolvimento e se há alguma diferença no amadurecimento cerebral no espaço e na Terra. Uma câmera dentro da cápsula envia imagens dos organoides à Terra para avaliação.

Nesse um mês viajando pelo espaço, eles já apresentaram alguns resultados considerados interessantes pelo cientista.

"Olhando assim por cima, parece que esses minicérebros se desenvolveram um pouco mais rápido, eles proliferaram e se dividiram mais rapidamente. O que, se confirmado, vai ter uma implicação muito interessante, significaria que o desenvolvimento cerebral é acelerado no espaço".

Esse resultado já poderia sugerir como seria a vida se humanos colonizassem outros planetas. De acordo com Muotri, uma implicação do desenvolvimento acelerado seria a incapacidade de mulheres terem filhos através de parto normal. "Teria que ser uma cesárea ou algo assim, porque o cérebro do feto seria muito grande para passar pelo canal vaginal", explica.

Além disso, o tamanho do cérebro também poderia indicar uma presença maior de algumas doenças neurológicas como autismo.

Os pesquisadores já planejam enviar outros minicérebros ao espaço, porém para estudar patologias humanas. Uma das propostas é enviar organoides derivados de pessoas que tenham Alzheimer. A intenção é tentar envelhecer os minicérebros no espaço para favorecer o estudo da doença aqui na Terra.

Imagem dos minicérebros enviada por uma câmera acoplada à capsula enviada para a Estação Espacial Internacional - Muotri Lab/UCSD - Muotri Lab/UCSD
As pequenas bolinhas são os minicérebros flutuando dentro de um tubo
Imagem: Muotri Lab/UCSD

Cérebro fora do corpo

Outra descoberta feita pela equipe de Muotri e publicada na Cell Steam Cell é de que esses organoides estão produzindo ondas cerebrais simples, semelhantes ao cérebro de um ser humano pré-maturo, o que poderia sugerir um possível desenvolvimento de consciência. Segundo Muotri, isso refuta a crença científica de que o cérebro não poderia amadurecer fora de um corpo.

"Achávamos que o cérebro, para conseguir se desenvolver, teria de ser completo e receber dentro do útero materno os estímulos. O que essa pesquisa acaba mostrando é que, na verdade, se você recriar o cérebro, mesmo que seja um pedaço, as células são geneticamente programadas para formar essas ondas complexas. Então é possível sim você ter um cérebro fora do corpo".

Ele explica que isso pode trazer avanços no estudo de doenças em fetos ainda na barriga da mãe. "A gente consegue agora olhar para o desenvolvimento humano de uma forma que nunca foi feita antes e testar diferentes hipóteses".

Porém, a possibilidade de desenvolver consciência pode causar um questionamento ético em torno desses trabalhos. Uma preocupação que pode surgir é o aparecimento de uma autoconsciência e de sensações como dor ou angústia nos organoides. No entanto, Muotri ressalta que não há evidências científicas que comprovem que isso ocorra.

Caso fosse comprava a existência dessa consciência, ele supõe, seria atribuído a esses minicérebros um status moral semelhante ao aplicado a animais utilizados em laboratórios.

Muotri diz compreender que este tipo de trabalho pode causar estranhamento e questionamentos morais, mas destaca a busca constante da ciência para melhorar a vida humana. "O que o cientista está buscando é o bem para a humanidade, é desenvolver um modelo para buscar a cura de milhares de doenças neurológicas que afetam milhões de pessoas".