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Como o iFood quer usar drones no delivery de comida sem cortar entregador

Drone que será usado pelo iFood em delivery de comida voando - Divulgação/iFood
Drone que será usado pelo iFood em delivery de comida voando Imagem: Divulgação/iFood

Helton Simões Gomes

De Tilt, em São Paulo

12/09/2019 04h00

Sem tempo, irmão

  • O app de delivery iFood planeja fazer entregas com drones, as aeronaves não tripuladas
  • Voos entre shopping a condomínio em Campinas (SP) devem começar em outubro
  • Máquinas executarão parte do trabalho, mas entregadores não serão cortados, diz iFood
  • A estratégia é humanos e aeronaves trabalharem juntos para diminuir tempo de entrega

O iFood já faz entregas com motos, bicicleta, patinetes e até a pé. O maior aplicativo de delivery de comida do Brasil quer agora entregar refeições pelo ar. Em breve, usará drones para transportar encomendas de restaurantes até a casa de clientes.

Mas não espere ver cenas como a de filmes futuristas em que aeronaves não tripuladas praticamente batem à porta das pessoas. O plano do iFood é que os drones percorram parte do caminho e os entregadores façam o resto do trabalho, afirmou a Tilt o CEO da empresa, Carlos Moyses.

A gente não imagina que seja como nos Jetsons, com drones chegando na sua janela. O drone vai funcionar para pegar um pedaço da rota [de entrega]
Carlos Moyses, CEO do iFood

Os veículos aéreos não tripulados (vants) serão usados para expandir o alcance do iFood a regiões que, pela distância, sejam pouco atrativas a entregas com motocicletas ou bicicletas. A operação está sendo desenhada para que as máquinas não substituam seres humanos, diz Moyses, mas para que trabalhem juntos. "Entregadores fazem parte do nosso dia a dia."

O executivo descreve como será a primeira operação com drones. Ainda em fase de teste, ela ocorrerá no shopping Iguatemi, de Campinas, em São Paulo. Para adotar os drones, o iFood trabalha em parceria com a SpeedBird, uma empresa que desenvolve sistemas aéreos para transporte de produtos sediada em Franca (SP).

Em contato com a Agência Nacional da Aviação Civil, as companhias traçaram duas rotas aéreas — elas são espécies de rodovias aéreas pelas quais aeronaves de todos os tamanhos podem trafegar. Uma dessas vias liga dois lados opostos do shopping. A outra, mais complexa, conecta o estabelecimento até um condomínio a 5 km de distância e passa por cima de uma região de floresta.

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Carlos Moyses, CEO do iFood, e Bruno Henriques, vice-presidente de inteligência artificial do iFood.
Imagem: Keiny Andrade/UOL

Na prática, vai funcionar assim:

  • quando um morador do conjunto habitacional pedir pelo iFood algo a um restaurante do shopping, a comida será levada para o aeroporto de drone, que fica no topo do prédio comercial;
  • de lá, a aeronave já abastecida decolará e irá até o condomínio, mas não viajará até a casa do cliente; pousará em uma área próxima a um ponto de concentração de entregadores;
  • a partir dali, serão eles quem transportarão a comida até o destino final, ou seja, até a porta dos clientes.

A ideia é usar o drone para agilizar o processo de logística. Em vez de usar só moto ou bicicleta, uma perna dessa rota pode ser feita com o drone para agilizar o processo final
Samuel Salomão, um dos fundadores da SpeedBird

O drone usado foi criado pela empresa francana, tem capacidade de carregar 2 kg, chega a 50 km/h e pode fazer sobrevoos automatizados — basta inserir as coordenadas do local de partida e de destino. É esse tipo de voo que o iFood espera executar: voos em que as ações dos drones são configuradas previamente, mas acompanhadas por pilotos que podem intervir a qualquer momento.

Nos cálculos do aplicativo de delivery, o trajeto que poderia durar entre 15 minutos e 20 minutos seria feito em 2 minutos. Para o entregador, todos os minutos contam para a remuneração final. O tempo gasto no deslocamento não é o único que conta. Soma-se a isso a demora na portaria do condomínio, os momentos à espera do cliente e até o tempo para voltar ao restaurante e por aí vai.

A remuneração de um entregador não é só uma função de quantas entregas ele faz ou se ele vai ter mais entregas ou não. Ela é dada em função da eficiência no tempo em que ele está apto a trabalhar
Bruno Henrique, vice-presidente do iFood para inteligência artificial

Os planos do iFood

Os drones não são apenas uma forma de o iFood ampliar seu raio de atuação. Eles fazem parte também da estratégia para diminuir o custo dos restaurantes na hora de entregar. A empresa já conseguiu diminuir essa média de 40 minutos no ano passado para 28 minutos, apenas usando algoritmos que traçam a melhor rota levando em conta os entregadores disponíveis mais próximos e pedidos a serem entregues.

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Detalhe da embalagem carregada pelo drone usado pelo iFood para entregas de comida
Imagem: Divulgação/iFood

Se hoje os drones parecem um luxo, eles podem vir a ser no futuro um elemento crucial na operação da empresa, diz Henriques. Ainda mais porque a companhia traçou planos agressivos ao receber um aporte de US$ 500 milhões no fim do ano passado. A meta era chegar a quase mil municípios brasileiros - já está em 662 - e contar com 150 mil restaurantes - já possui 80 mil.

Eu brinco que o nosso negócio é muito mais difícil do que um comércio eletrônico tradicional, porque todo mundo sente fome mais ou menos na mesma hora. Se a gente quer revolucionar o universo da alimentação, a gente tem que servir todo mundo com excelência durante o horário de pico. Temos que projetar entrega de comida para 50 milhões de brasileiros, no almoço e no jantar. E isso requer uma eficiência absurda e usando o máximo desse tipo de tecnologia para fazer tudo de uma forma automatizada
Bruno Henriques

E os entregadores?

Durante a conversa com Tilt, Henriques e Moyses negaram repetidas vezes que a iniciativa de usar drones foi pensada para enxugar custos com entregadores. O CEO afirmou que o dinheiro despendido com esses profissionais é considerável, mas não revelou a cifra.

"A gente não vê o drone acabando com isso [entregadores], mas, sim, esse multimodal acontecendo. A gente sempre vai depender de ter as pessoas entregando. O ritmo de crescimento do iFood no mercado de delivery é muito maior do que a tecnologia de drone", diz Moyses.

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Carlos Moyses, CEO do iFood, detalha planos sobre a operação de drone do app de delivery
Imagem: Keiny Andrade/UOL

A empresa de delivery quer afastar a suspeita que paira sobre outras companhias de tecnologia da chamada Gig Economy (Economia dos bicos) que dependem do uso intensivo de trabalhadores autônomos. O Uber é exemplo dessa situação. Ainda que dependa dos motoristas, o mais famoso dos aplicativos de transporte alternativo trabalha no desenvolvimento de carros que dirigem sozinhos.

Isso não quer dizer que o iFood não pense em automatizar parte da logística. Ela já desenvolve um robô autônomo para levar a comida do restaurante no shopping até o ponto de retirada de motoboys.

Quando começa?

Quando a primeira pizza pedida pelo iFood for transportada com um drone, a empresa terá se tornado uma das primeiras do Brasil a usar aeronaves desse tipo para entregas no país autorizadas pelos reguladores -- outras iniciativas já ocorreram, mas não terminaram muito bem. O cronograma traçado pela SpeedBird é que isso seja feito em outubro, mas ainda depende de ajustes com a Anac.

A agência informou Tilt que tem se reunido com a companhia para "esclarecer os principais aspectos regulatórios e garantir a segurança das operações". "Talvez a gente tenha que dar muito mais satisfação do que um avião", brinca Moyses. "Vai ter muito mais gente monitorando e participando de todo processo, porque é uma inovação, algo novo que está acontecendo."

A SpeedBird não precisa de autorizações da Anac para realizar voos em áreas segregadas e quando houver contato visual com o drone. Só que os planos são para voos automatizados e por distâncias maiores a 1 km, quando já não há mais a chamada visada visual. Para isso, é necessário aval da agência. A empresa, diz Samuel Salomão, usará os testes do iFood para demonstrar que a operação é segura, já que esse é um dos critérios para conseguir a aprovação.

"É uma questão de ovo e galinha ao mesmo tempo", brinca o executivo. "Para voar, tem que certificar. Só que, para certificar, tem que voar."

Por enquanto, o iFood prefere não indicar quais locais, além de Campinas, poderiam receber seus drones. A ideia agora é aprender com essa primeira experiência e depois pensar na expansão.

Expectativa a gente tem. Adoraria em janeiro ter 100 rotas traçadas em Campinas e tudo funcionar como se tivesse virado um controle aéreo da cidade. Mas eu acho que é fundamental a gente não pular o passo do aprendizado
Bruno Henriques