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Viagem grátis e tarifa 'fiada': pagamos ônibus de SP com cartão e celular

Pagamento feito com celular, que possui a tecnologia NFC, em um ônibus de São Paulo - Helton Simões Gomes/UOL
Pagamento feito com celular, que possui a tecnologia NFC, em um ônibus de São Paulo Imagem: Helton Simões Gomes/UOL

Helton Simões Gomes

De Tilt, em São Paulo

18/09/2019 04h00Atualizada em 18/09/2019 16h18

Sem tempo, irmão

  • Tilt testou o pagamento por aproximação, em teste nos ônibus de SP
  • Ele permite pagar a passagem com cartão de débito, crédito e celular
  • Mesmo sem saldo, é possível custear a tarifa, algo impossível de fazer com o bilhete único
  • O perigo é cair no cheque especial, que possui os maiores juros do país
  • O sistema ainda possui falhas que permitem viajar de graça

Se você pegar um ônibus em São Paulo com um bilhete único sem crédito suficiente para quitar a passagem, vai ter de contar moedinhas, implorar para o motorista dar uma carona ou se conformar e seguir a pé. Nesta segunda (13), estreou oficialmente na capital paulista uma nova modalidade de pagamento que pode mudar essa realidade.

O pagamento com cartão de débito, crédito ou via celular no ônibus permite que você drible esse desconforto: é possível passar pela catraca ainda que sua conta corrente esteja zerada.

Tilt embarcou nos busões que já aceitam o pagamento moderninho e, além de enfrentar situações como essa, fez viagens de graça devido a falhas na plataforma e encontrou um leitor de bilhete único que não funcionava.

A reportagem andou em três ônibus da linha 908T/10 (Pq. Dom Pedro II - Butantã) e por outros três da linha 715M/10 (Jd. Maria Luiza - Lgo. Da Pólvora). Usou três meios de pagamento: um cartão de débito pré-pago, carregado com R$ 10, cedido pela Visa; um cartão pré-pago sem saldo, cedido pela Mastercard; e uma conta no Apple Pay cujo cartão de débito cadastrado estava atrelado a uma conta com saldo de R$ 0,01.

Propaganda enganosa?

A primeira viagem começou na Praça da República. Eram cerca de 10h30, quando o 908T/10 subia a rua Augusta rumo ao Butantã. O validador desse ônibus não reconheceu nenhum dos cartões, tampouco o celular.

"Isso é uma propaganda enganosa", brincou a cobradora, que não quis se identificar. "Mais de 15 cartões bateram aí e a máquina não aceitou. Os passageiros tiveram que descer pela frente", disse. O problema já havia acontecido no sábado, completou.

Depois de desembarcar na altura da avenida Paulista, o próximo ônibus foi o 715M/10. O cobrador, que também não quis se identificar, disse que, até aquele momento, nenhum passageiro havia tentado usar o novo meio de pagamento.

O cobrador também quis ver o cartão para se certificar de que daria certo -- apenas os plásticos com quatro traços curvos impressos possuem a tecnologia NFC (sigla em inglês para Near Field Communication), como os do PagBank. Também presente no bilhete único, é esse recurso que transmite as informações dos cartões para o validador.

Cheque especial

Assim que o celular encostou no leitor e o Apple Pay efetuou o pagamento, uma mensagem chegou: "você entrou no cheque especial". A comodidade de não ter um centavo no bolso e ainda assim não ficar a pé tem um preço: apesar de parecer que a viagem saiu de "graça", a conta é bastante salgada. Afinal a passagem, havia acabado de ser custeada com o cheque especial.

"O cheque especial não é o problema, e sim sua má utilização. Ele é um crédito à disposição para usar por períodos curtos e em emergências. Ele é o vilão do crédito porque as pessoas acabam rolando, rolando", explica Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo da Anefac (Associação Nacional dos executivos de Finanças, Administração e Contabilidade).

O risco de ir parar no cheque especial não ocorre só no ônibus; qualquer transação superior ao saldo em conta está sujeita a isso. Mas, se esse buraco não for tapado rapidamente, pode virar um rombo no orçamento.

"Se alguém me disser, 'Se eu não entrar no cheque especial, eu vou a pé', eu vou dizer que é preferível ir a pé", diz Oliveira. "Ele pensa que tudo bem, já que só vai usar uns R$ 10 e, mesmo que pague 10% ao mês, o que quer dizer R$ 1. Quando se trata de valores monetários baixos, as pessoas não têm muita noção do que significa."

Para se ter ideia do problema, os juros do cheque especial ficaram em 318,7% ao ano em julho, enquanto a taxa básica de juros do país (Selic) estava em 6% ao ano. "É a linha de crédito mais cara que você tem no país", lembra Oliveira.

Para a SPTrans, o passageiro deve avaliar qual modo de pagamento que cabe no bolso. "O pagamento com tecnologia NFC é mais uma opção oferecida ao usuário do transporte público. Portanto, cabe ao passageiro decidir qual forma é a mais adequada para seu perfil."

Viagem de graça

Seguindo a viagem, a reportagem seguiu pela avenida Rebouças a bordo do 715M/10 e saltou no cruzamento da avenida Brasil para tomar outro ônibus da mesma linha. Após um novo embarque, o cobrador Valdir Vieira avisou: "Tem gente que nem sabe disso aí". "Eu não sabia", falou uma senhora que não quis se identificar. "Isso aí é débito ou crédito? Funciona no meu celular?", perguntou ela.

Vieira aproveitou a deixa para contar tudo o que sabe do projeto.

  • É um projeto piloto em 200 dos mais de 14 mil ônibus que rodam na capital;

  • Só funciona em cartões que tenham tecnologia de NFC;

  • Em celulares e outros aparelhos, como relógios ou pulseiras, funciona se o aparelho tiver NFC e o usuário tiver cadastrado um cartão válido em serviços como Apple Pay, Google Pay ou Samsung Pay.

Na hora de pagar, a opção foi um cartão pré-pago. Ainda que o plástico não tivesse saldo, o validador registrou o pagamento e liberou a catraca. Esse comportamento já era esperado.

Fernando Teles, diretor para o Brasil da Visa, explicou que os passageiros com cartões sem crédito seriam autorizados a viajar. Mas isso só duraria até o sistema do bilhete único ser atualizado —isso ocorre quando os veículos vão para as garagens e as máquinas leitoras são conectadas à internet para transmitir os dados de pagamentos coletados ao longo do dia. Neste momento, os cartões caloteiros seriam incluídos em uma lista restrita.

Mas não foi isso que aconteceu. Nesta terça, o mesmo cartão foi usado para pagar uma tarifa em um ônibus da linha 908T/10.

A SPTrans informou que "a equipe técnica acompanha todas as transações neste projeto piloto para averiguar possíveis anomalias e efetuar a correção e aprimoramento do sistema". O órgão municipal acrescenta que "o projeto piloto não tem nenhum custo para a Prefeitura" e o "valor da passagem chega integralmente para a conta do sistema, ou seja, não há prejuízos para a operadora nem para a Prefeitura".

Em casos como esse, diz a SPTrans, são as empresas envolvidas as responsáveis por arcar com o prejuízo. "Em qualquer situação de liberação da passagem, os envolvidos arcam com o valor, uma vez que esse risco foi calculado para o período de testes."

A Prodata, responsável pelos ônibus em que Tilt embarcou sem pagar, não respondeu aos contatos da reportagem. A Mastercard, bandeira responsável pelas operações em questão, informou que "nenhum emissor de pré-pago Mastercard está emitindo cartões com tecnologia por aproximação no Brasil" e o cartão entregue à reportagem "foi apenas uma forma de oferecer a opção de teste". A Stone, adquirente da transação, informou que não comentaria.

As outras empresas por trás do projeto são a bandeira Visa, a adquirente Cielo e as empresas de bilhetagem Digicom e Empresa 1.

Tecnologia x cobradores

Permitir o pagamento de ônibus com cartões de débito e crédito é uma tentativa de reduzir os desembolsos em espécie, admitiu a administração municipal de São Paulo. Atender aos turistas é outro dos objetivos.

Isso atinge em cheio os cobradores, há anos sob pressão. Durante a apresentação do programa, Bruno Covas, prefeito da capital, afirmou que os cobradores já não fazem sentido, ao passo que só 5% das tarifas são pagas com dinheiro.

Os cobradores ouvidos pela reportagem estão conformados diante do fim de suas ocupações. "Vai fazer o que? A tecnologia chega e a gente vai embora", disse a cobradora do 908T/10 que não quis se identificar. "Até o fim do ano que vem já não tem cobrador", aposta Eduardo Dias, cobrador de outro ônibus da mesma linha.

Ainda assim, eles acreditam que a solução, da forma como está configurada, não é ideal. "Quase ninguém vai usar", afirmou Dias. "O trabalhador usa integração, pega mais de dois ônibus, e isso aqui não permite integração. Vai usar apenas quem pega ônibus de fim de semana e não precisa tanto."

As empresas que conduzem o teste informam que a tecnologia do sistema permite integração com outros meios de transporte, como trem e metrô, mas ainda não discutiram como isso será feito ao fim do projeto piloto.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
A descrição da sigla em inglês NFC é Near Field Communication, e não Near Fear Communication, como estava escrito anteriormente no texto. O trecho com o erro foi corrigido.