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"Negócio da China": por que o Vietnã se deu bem na guerra comercial dos EUA

Bandeiras vermelhas e lanternas são destaque em festia no bairro antigo de Hanói, no Vietnã - Hoang Dinh/AFP
Bandeiras vermelhas e lanternas são destaque em festia no bairro antigo de Hanói, no Vietnã Imagem: Hoang Dinh/AFP

Fabricio Calado

Colaboração para Tilt

26/09/2019 04h00

Sem tempo, irmão

  • Disputa levou empresas americanas a levar negócios ao país vizinho da China
  • Elas acham mais vantajoso trocar de fornecedor asiático, em vez de fabricar nos EUA
  • Em dois anos, superávit do Vietnã com EUA foi de US$ 31,9 bi a US$ 39,4 bi
  • Boa onda do Vietnã pode mudar: Trump já disse que país "explora mais EUA que China"

Há alguns meses, os EUA de Donald Trump estão em guerra comercial com a China. Apesar do presidente americano ter famosamente declarado que "guerras comerciais são boas e fáceis de vencer", ainda não dá para saber quem "ganhou" a briga. Até porque o próprio Trump prometeu, recuou e agora ameaça adiar a criação de novas tarifas contra o país asiático.

O mais provável não é tanto que um lado saia ganhando, mas sim que se trate de uma situação de perde-perde tanto para os EUA quanto para a China. Mas isso não quer dizer que ninguém se beneficie. O Vietnã, por exemplo, é um dos países que tem lucrado com a briga sino-americana.

Segundo o site NBC, nos últimos 18 meses o país asiático vizinho da China faturou alto com a disputa, segundo profissionais do setor de tecnologia e investidores locais. A revista Diplomat, que cobre a Ásia, mostra com números que o saldo é positivo para o Vietnã até aqui: em dois anos, o superávit comercial do Vietnã com os EUA aumentou de US$ 31,9 bilhões (2016) para US$ 39,4 bilhões (2018), e em junho já era 39% maior que o mesmo mês do ano passado.

Tem mais. No mês passado, foi revelado que o Google estaria planejando migrar a produção de seus smartphones da linha Pixel da China para o Vietnã. Logo depois, o Grab, equivalente ao Uber do Sudeste Asiático, anunciou um plano de investir US$ 500 milhões no Vietnã nos próximos cinco anos.

Se confirmado, é um péssimo dia para Pequim.

Bom dia para quem, Vietnã?

Como Trump é um tanto imprevisível, e pela própria natureza das guerras comerciais, cheias de retaliações e efeitos colaterais, é difícil dizer o que vem por aí. A própria boa onda do Vietnã pode mudar: em junho, Trump disse que "o Vietnã explora os EUA muito mais que a China".

Ou seja, não está descartado que a balança comercial volte a se movimentar em breve.

Enquanto isso, o Vietnã continua a receber investimentos —curiosamente, até mesmo de pessoas que investem na China e que, segundo a NBC, consideram o Vietnã menos dependente do país vizinho e, portanto, menos sujeito aos efeitos negativos da guerra comercial.

Embora a indústria tec esteja prosperando, nem tudo são flores para a cena startupeira vietnamita. Em termos de estímulo ao setor, assim como alguns fabricantes de smartphones, o Vietnã copia algumas funções do "sistema operacional chinês": o Partido Comunista, única liderança política vietnamita, controla o poder com punho de ferro, e costuma reprimir manifestações de opositores online.

Em janeiro deste ano, o Vietnã aprovou uma lei que exige que empresas estrangeiras de tecnologia como Facebook e Google armazenem dados em servidores locais. Para defensores de direitos humanos, o governo pode usar a lei para perseguir (mais) os críticos do governo.

É a economia, Trump!

Há outro provável motivo para o Vietnã estar se beneficiando na disputa EUA-China, e a guerra comercial ser menos fácil de ganhar do que os EUA imaginavam.

É que, com a mercadoria mais cara devido ao aumento dos impostos, e diante da perspectiva de uma tributação ainda maior, muitas empresas americanas acharam melhor mudar de fornecedor.

Afinal, se o mercado onde você comprava aumentou os preços, e não descarta subir eles de novo, não parece muito vantajoso continuar comprando ali, certo?

Pelo mesmo motivo, você não vai passar a fabricar algo que nunca fez antes se não tiver dinheiro para isso, ou se ainda sair mais em conta comprar de alguém que já sabe como fazer isso de um jeito mais barato que o seu. Por esse motivo, mesmo que passem a fabricar seus produtos nos EUA, empresas como a Apple podem aumentar o preço de seus aparelhos caso a guerra tarifária influencie seus custos: sairia mais caro produzir um iPhone em território americano do que terceirizar peças e montagem para uma Foxconn, por exemplo.

Como resultado da guerra comercial, as empresas americanas que antes compravam da China trocaram o país pelo Vietnã para pagar "menos caro" do que se importassem seu material da China —o que é diferente de dizer que estão pagando mais barato. Afinal, antes dos impostos de Trump, a matéria-prima da China sairia mais barato.

Em seu blog no New York Times, o Nobel de Economia Paul Krugman fez o seguinte resumo da situação: "Quando você taxa produtos fabricados na China mas com várias peças que vêm da Coreia ou do Japão, a montagem não muda para os Estados Unidos, só vai para outros países asiáticos como o Vietnã". Esse assunto ainda deve ir longe.