Facebook permite post político com dados falsos; isso afetará eleições?
Sem tempo, irmão
- Facebook defendeu manter um anúncio de Trump com imprecisões sobre rival
- Empresa tem regras mais flexíveis quanto à veracidade de posts de políticos
- Facebook permite publicidade direcionada a perfis específicos de eleitores
- Funcionários do Facebook questionam regras; Twitter vetou anúncios políticos
Para Jack Dorsey, executivo-chefe do Twitter, uma mensagem política ganha alcance quando pessoas decidem retuitar ou seguir uma conta. "Acreditamos que essa decisão não deve ser afetada por dinheiro", disse ele na quarta-feira (30), ao anunciar que o Twitter baniria propagandas políticas da plataforma.
A decisão foi anunciada em um momento que o Facebook sofre críticas por sua defesa da veiculação de publicidade eleitoral embasada em uma liberdade de expressão —quase— sem freios.
O debate não chegou ao Brasil, mas é forte nos EUA, onde políticos democratas disputam quem será o seu candidato na eleição para presidente do ano que vem. Joe Biden, vice-presidente durante os mandatos de Barack Obama e um dos favoritos à candidatura, foi alvo de uma propaganda impulsionada pelo presidente Donald Trump no Facebook.
Trump insinuou que Biden prometeu, enquanto vice-presidente dos EUA, US$ 1 bilhão à Ucrânia se o país demitisse um procurador que investigava a empresa do filho do político. A narrativa é um caso típico de desinformação, que associa uma frase de Biden sobre um aporte e apoio à Ucrânia —vindo também de outros membros da administração Obama— à saída do procurador Viktor Shokin, acusado de ignorar corrupção no país europeu.
Biden pediu para que a propaganda fosse excluída, mas o Facebook negou, sob a alegação de que o material não viola as políticas da empresa.
Segundo as regras em vigor desde setembro, o Facebook "não envia conteúdo orgânico ou propagandas de políticos aos parceiros independentes de checagem para análise". Foi o caso do vídeo de Trump, visualizado milhões de vezes. A rede social se defende sob o argumento de que apenas a rede de TV CNN se recusou a exibir a propaganda política, enquanto mais de mil canais abertos, além do YouTube, a transmitiram.
Liberdade de expressão como argumento
Apesar de ser usado como um meio de comunicação, o Facebook se apresenta como uma plataforma que não dita o que é veiculado por seus usuários. A empresa trata propagandas políticas no limite entre liberdade de expressão e o poder de interferência que a plataforma deve exercer.
A abordagem do Facebook para anúncios políticos é baseada em uma crença fundamental na liberdade de expressão. O discurso político já é possivelmente o mais analisado e checado que existe. Ao limitá-lo, deixaríamos as pessoas menos informadas sobre o que os políticos estão dizendo e deixaríamos os políticos menos responsáveis por suas palavras
Porta-voz do Facebook a Tilt
Só conteúdos de políticos que contiverem informações já desbancadas pelas agências de checagem são rejeitados como propaganda pelo Facebook, que trata estes materiais da mesma maneira que qualquer outro: derruba o alcance do post e expõe a informação correta da checagem.
Assim, políticos desrespeitem regras do Facebook sem ter suas publicações removidas. Nestes casos, a plataforma age como juíza de valor, avaliando se o interesse público se sobrepõe ao risco de manter o conteúdo no ar.
Em uma audiência no Congresso americano, o executivo-chefe Mark Zuckerberg foi confrontado por políticos sobre esse posicionamento. O embate mais marcante foi com a democrata Alexandria Ocasio-Cortez, que questionou os limites da liberdade oferecida pela plataforma para políticos.
"Eu poderia rodar propagandas mirando [eleitores] republicanos nas eleições primárias dizendo que eles votaram para o Green New Deal?", perguntou, citando um projeto com ampla rejeição entre os republicanos. Zuckerberg não soube responder com exatidão, mas disse: "provavelmente".
Escudo para críticas
Para Luiz Peres-Neto, professor de pós-graduação de Comunicação da ESPM, a defesa da empresa para a liberdade de expressão não procede. "É uma falácia, porque parte do princípio que é a liberdade de dizer qualquer coisa. Disseminar a desinformação não contribui para o amadurecimento da esfera pública, e sim acentua assimetrias", afirma.
Ao assumir um papel isento, o Facebook passa a seus usuários a responsabilidade de julgar o que é veiculado e responsabilizar políticos de eventuais deslizes —motivo para a manutenção de um arquivo público de anúncios.
"Ao fazer essa defesa da liberdade sem limites, o Facebook está defendendo a não-regulamentação da internet, assumindo esse discurso de como é livre não pode ser regulamentado", diz o professor da ESPM.
O Facebook ganha bastante dinheiro com propaganda política, embora isso não pese tanto nos ganhos totais da empresa. Zuckerberg estimou, na conferência de resultados trimestrais realizada na quarta-feira, que apenas 0,5% da receita de 2020 virá desta forma.
Em um cálculo baseado na receita anual de 2018 (US$ 55 bilhões) isso corresponderia a US$ 275 milhões. Mas o percentual não engloba todos os anúncios políticos, que também envolvem, por exemplo, páginas de partidos. Assim, há interesse em manter o Facebook aberto a esse tipo de anúncio. O Twitter, por sua vez, preferiu deixar de lado esse dinheiro para melhorar o discurso.
Isso não é sobre liberdade de expressão, mas sobre pagar por alcance. E pagar para aumentar o alcance do discurso político tem ramificações significativas que a infraestrutura democrática atual pode não estar preparada para lidar
Jack Dorsey, executivo-chefe do Twitter
Enquanto o Twitter, que tem menos de um sétimo dos usuários mensais ativos do Facebook, admite que sua plataforma e ferramentas de controle não estão prontos para lidar com essa questão, Zuckerberg banca que as regras de sua rede social estão prontas para entregar uma finalidade pública em uma esfera privada.
Dorsey reconhece o lado positivo das redes sociais como ferramenta de engajamento político e social, mas aponta que vários movimentos atingiram grande escala sem propaganda. "A Primavera Árabe mostrou que o ativismo em redes sociais é capaz de articular", lembra Perez-Neto.
Afinal, é permitido mentir na propaganda de redes sociais?
O Facebook permite, mas como a legislação brasileira veria um caso como o de Joe Biden? A propaganda eleitoral mentirosa é passível até de punição criminal ao responsável. O contexto brasileiro, no entanto, difere do americano.
"O direito eleitoral busca tutelar o que o eleitor pode, ou não, receber de informação. Não existe uma regra de que pode tudo porque o que interessa é a liberdade de expressão. Ela está na Constituição, mas tem limites", afirma Alberto Rollo, professor de direito eleitoral do Mackenzie.
Um político não pode comprar um espaço publicitário em um canal de TV ou em uma rádio brasileira, nem pode anunciar em sites, como o UOL. Mas o impulsionamento de conteúdos políticos nas redes sociais é autorizado, contanto que a partir do dia 15 de agosto e em anos de eleição.
Também há regras para comprar esse serviço oferecido por plataformas como o Facebook. Somente partido, coligação e o próprio candidato podem bancar a propaganda. É proibido que pessoas físicas ou empresas o façam, ainda que sob o argumento de doação.
A legislação brasileira também prevê o direito de resposta em um caso de desinformação, da mesma maneira que ocorre no horário eleitoral gratuito. Cabe ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinar o que deve ser feito. O ofendido escolhe: ou manda tirar, pede direito de resposta, ou pede as duas coisas. O Facebook diz atender as decisões do TSE com rapidez.
Tem solução?
O posicionamento do Facebook tem recebido resistência interna de centenas de funcionários da empresa, que protestaram contra a possibilidade de mentiras serem propagadas por políticos, enquanto a plataforma recebe por isso.
Em uma carta, eles argumentaram que as regras do Facebook "não protegem vozes, mas permitem que políticos utilizem nossa plataforma como arma para mirar em pessoas que acreditam que o conteúdo postado por figuras políticas é confiável".
Eles também sugeriram mudanças na propaganda política, como a restrição nas opções de direcionamento a usuários. Essa alteração aproximaria o Facebook da TV ou rádio: em vez atingir apenas tipos específicos de pessoa, o anúncio atingiria mais usuários com potencial de perceber as possíveis mentiras espalhadas por candidatos —e cobrá-los por isso depois.
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