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O que define se um planeta é habitável ou não? Mistério intriga cientistas

Cientistas ainda não sabem se vida surge apenas em condições semelhantes às da Terra - ESA/Hubble, M. Kornmesser
Cientistas ainda não sabem se vida surge apenas em condições semelhantes às da Terra Imagem: ESA/Hubble, M. Kornmesser

Cristiane Capuchinho

Colaboração para Tilt

05/11/2019 03h00

Sem tempo, irmão

  • Descoberta do exoplaneta K2-18b motivou debates entre astrônomos
  • Cientistas discutem quais condições físicas e químicas que permitem a vida
  • "Zona habitável" de estrela é um fator fundamental na avaliação
  • Outros elementos são a existência de uma atmosfera e certa proteção de radiação

Dois estudos publicados em setembro apontaram que o exoplaneta K2-18b teria vapor de água em sua superfície e estaria na zona habitável, o que tornaria este um lugar promissor para quem busca vida fora de nosso planeta. Tão logo as notícias foram veiculadas, astrônomos iniciaram um debate intenso sobre a possibilidade de o exoplaneta ser, ou não, habitável.

O problema todo é que ainda existem poucas informações sobre esses mundos a dezenas e até centenas de milhares de anos-luz da Terra e, para piorar, só conhecemos o que é a vida em nosso planeta.

O que faz de um planeta habitável é uma questão ainda sem resposta. "Há cada vez mais estudos para entender quais são as condições físicas e químicas que permitam a vida em outros locais do universo. Como só conhecemos a vida como ela existe no nosso planeta, ainda não sabemos como seria esse tipo de atividade biológica em outros locais. Então procuramos coisas parecidas com o que temos aqui na Terra", afirma Gustavo Rojas, pesquisador da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

Superterra nem é tão habitável assim

A cada novo exoplaneta descoberto, como o K2-18b, a primeira coisa que se leva em consideração é saber se ele está na zona considerada habitável de sua estrela. Esta primeira categorização ajuda a filtrar os exoplanetas em relação a seu interesse de estudo.

"Partimos da suposição de que é preciso água líquida para que haja vida porque foi na água que a vida surgiu em nosso planeta", explica Carla Martinez Carnelo, astrobióloga e doutoranda do IAG-USP (Instituto de Astronomia e Geofísica da Universidade de São Paulo). "E para que haja água líquida, é preciso estar à temperatura que permita isso."

Assim, um exoplaneta perto de mais de sua estrela seria muito quente, e a água viraria vapor. Longe demais da estrela, a temperatura da superfície seria muito baixa e assim apenas poderia existir gelo.

zona habitável - Nasa/Divulgação - Nasa/Divulgação
Distância da estrela é um dos critérios para prever se planetas são habitáveis
Imagem: Nasa/Divulgação

Dos cerca de 4 mil exoplanetas que conhecemos até o momento, essa primeira classificação concentra nosso foco de interesse em pouco mais de uma centena, segundo a pesquisa dos astrônomos norte-americanos Stephen Kane e Dawn Gelino.

Estar na zona habitável de uma estrela só aumenta a probabilidade de que esses novos mundos também tenham outras condições necessárias para que seja possível encontrar o tipo de vida que buscamos. Mas isso não significa que eles sejam realmente habitáveis.

Vênus, por exemplo, está na área considerada habitável do Sistema Solar, mas a temperatura na atmosfera sufocante do planeta é de cerca de 460°C. Ou seja, nenhuma chance de ter água líquida. Nossa Lua também está na zona habitável, mas não tem atmosfera, destaca Rojas.

Além de estar na zona habitável, ter uma atmosfera, traços de água são características necessárias em um exoplaneta habitável, que também não pode ter uma pressão forte demais nem receber radiação em excesso.

"O problema é que para dizer que está na zona habitável a gente assume que o planeta tenha atmosfera e que tenha um tipo específico de composição, coisas que não sabemos", continua Carnelo.

E aí começa toda a discussão. Não temos informações precisas sobre esses exoplanetas, que estão localizados longe demais para enviarmos sondas que possam colher mais dados, como fazemos com Marte, Júpiter ou Saturno. O jeito então é fazer suposições a partir das informações disponíveis.

No caso da K2-18b, os astrônomos concluíram que há vapor d'água na atmosfera a partir dos dados captados pelo telescópio Hubble. Esse seria mais um passo para que o exoplaneta pudesse ser considerado habitável. E, dada sua grande massa, poderia ser classificado como uma Superterra.

"No entanto, ele é tão grande que não pode ser sólido. O mais provável é que seja gasoso, como Netuno", diz o pesquisador da UFSCar. "As probabilidades deste planeta ter alguma chance de ter vida, da forma que entendemos hoje, são bastante baixas."

A astrofísica Laura Kreidberg, do Center for Astrophysics Harvard and Smithsonian, escreveu na revista Scientific American que o K2-18b definitivamente não é habitável.

Kreidberg argumenta que dado o tamanho do exoplaneta —quase três vezes o tamanho da Terra—, ele precisaria ter uma grande atmosfera com uma fração importante de gás hidrogênio, como é Netuno. Além disso, em uma atmosfera rica em hidrogênio, quanto mais próximo do centro, maior a pressão e a temperatura, que seriam milhares de vezes mais altas que a de nosso planeta.

"Essas são más notícias para a formação de moléculas complexas, como o DNA, que não são estáveis a altas temperaturas e pressões", afirmou.

Habitável por quem, velhinho?

O modelo de vida que buscamos no espaço é o único que conhecemos dentro de nosso planeta. Não se fala sobre habitável para o ser humano, uma estrutura muito complexa. Em geral, os astrobiólogos estão à caça de bactérias, seres mais simples que dominam a vida também na Terra.

Sabemos que a vida surgiu na água líquida, então, quando olhamos para o espaço, vamos em busca de marcas de que houve água nesse estado para definir se seria possível algum ser vivo estar presente ali.

Certos cientistas acreditam que, para poder haver uma poça de água onde a vida poderia surgir, é essencial que o planeta seja rochoso, ou seja, tenha superfície sólida. Outros consideram que vida microbiana poderia se desenvolver no ar em uma atmosfera muito densa.

Essas são apenas algumas das dúvidas que pairam no ar. Os estudos com seres vivos extremos, como o tardígrado, o menor maior ídolo dos amantes da ciência nos últimos anos, colocam em xeque outras das condições usadas para classificar um exoplaneta como habitável.

Os tardígrados são capazes de sobreviver com temperaturas abaixo de - 250°C ou até 150° C, altas doses de radiação ultravioleta, alta pressão atmosférica e ficar até 30 anos sem água líquida. Isso aumenta o tipo de condições que vida, no caso de extremófilos como o tardígrado, poderia ser encontrada no espaço.

Mais informações sobre a atmosfera

Atualmente, um dos campos de pesquisa avançada na astronomia trabalha na tentativa de aferir que tipos de evidências observáveis determinarão se há ou houve ou não vida no local analisado.

Uma vez em uso, o supertelescópio James Webb, cuja inauguração está prevista pela Nasa para 2021, deve trazer mais informações ao observar dados sobre a composição das atmosferas de exoplanetas.

Mas quais são as moléculas que procuramos para saber se existe vida fora da Terra? O tema ainda cria muito debate.

"Se for vida como a nossa, buscamos marcas de oxigênio, ozônio e metano, porque tem bactérias que emitem metano. No entanto, marcas de metano podem vir de vulcanismo e tectonismo", exemplifica Carmelo. "Tem quem fale sobre a importância da clorofila como bioassinatura, sobre a celulose, mas ainda há muito debate por aí".

Como opinou David Charnonneau, professor de astronomia de Harvard, "a busca por biomarcadores atmosféricos em exoplanetas é uma das grandes oportunidades científicas de nosso tempo. Existe um consenso generalizado de que serão necessários novos observatórios poderosos. Não construiremos consenso confundindo o público em pensar que já estamos fazendo esse trabalho."

A busca por vida fora da Terra continua, mas ainda há muitos avanços necessários na ciência para que saibamos realmente o que e onde procurar.

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