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Por que esse cara trocou carro autônomo da Uber por startup de brasileiros

Steven Choi, gerente de produto da Olivia, startup que usa inteligência artificial para reduzir gastos - Eduardo Viana/StartSe
Steven Choi, gerente de produto da Olivia, startup que usa inteligência artificial para reduzir gastos Imagem: Eduardo Viana/StartSe

Helton Simões Gomes

De Tilt, em São Paulo

05/11/2019 04h00Atualizada em 27/11/2019 13h35

Sem tempo, irmão

  • Ele trabalhou por 15 anos em empresas de tecnologia com inteligência artificial (IA)
  • Só no Google e Uber, Steven Choi ficou quase 5 anos liderando projetos de carros autônomos
  • Mas os serviços não o agradavam: muito esforço e pouco benefício para as pessoas
  • Agora desenvolve app que usa IA para encontrar produtos e serviços mais baratos
  • Ele ainda faz previsões sobre quando carros autônomos substituirão motoristas da Uber

Por quase 15 anos, Steven Choi trabalhou como líder da criação dos sistemas de inteligência artificial e na criação do cérebro por trás dos carros que dirigem sozinhos, primeiro no Google e depois na Uber. Neste ano, ele trocou o trabalho que pode revolucionar o mundo dos transportes pelo desenvolvimento de um aplicativo que indica como você pode economizar dinheiro.

De quebra, deu um bico no trabalho dentro de duas das maiores Big Tech do mundo e se juntou à Olivia, uma pequena startup fundada por brasileiros (com sede nos EUA) que ainda nem começou a operar no nosso país —o que só deve ocorrer no começo de 2020.

O motivo? Para Choi, gerente de produto da empresa emergente, as grandes companhias colocam um tremendo esforço em algo que vai melhorar pouco o cotidiano das pessoas ou desenvolvem recursos inteligentes que não fazem a menor diferença na vida de ninguém.

Depois de fazer isso por 15 anos, eu olhei tudo isso e pensei: 'Onde eu posso impactar mais as pessoas com muito menos estímulo?'. Colocam muito esforço nos carros autônomos e obtêm pouco resultado. Eu queria reverter isso: qual a menor coisa que você pode fazer para impactar ao máximo a vida das pessoas diariamente?
Steven Choi

Para impactar todo mundo

Foram três anos no Google e quase dois na Uber. O que o incomodava também era o nível de relevância de recursos criados com "machine learning" (aprendizado de máquina, um dos ramos da inteligência artificial). "É sobre aplicabilidade, entende. Se você olhar o que o Google está tentando resolver com aprendizado de máquina... Vou dar um exemplo: se você for ao Gmail e tentar escrever alguma coisa, ele vai completar automaticamente para você. Isso é aprendizado de máquina. Mas você consegue viver sem isso? Sim, consegue."

Trabalhando desde julho na startup, ele diz que a nova missão é usar inteligência artificial para substituir os conselheiros financeiros. Na prática, o app Olivia pede autorização do usuário para analisar seu extrato bancário para detectar padrões de consumo. Após traçar um perfil do sujeito, antecipa quais serão as próximas vezes em que ele gastará dinheiro — e, principalmente, no que. Com isso em mãos, indica opções mais baratas que aquelas com que a pessoa está acostumada.

"As pessoas gastam tempo abrindo o app da Uber e depois o da 99 para ver qual é mais barato. Mas, e se nós já dissermos: 'você está prestes a pegar um Uber, mas a 99 está mais barata agora'? Ou: 'você está para comprar no Starbucks, mas há esse restaurante brasileiro que oferece um expresso mais barato'. Nós podemos impactar a vida de todo mundo"

Como treinar seu carro autônomo?

Ao contrário do que se pode imaginar, conta Choi, criar um app desses e desenvolver um carro autônomo são tarefas similares. São dois problemas que envolvem a classificação de elementos e a predição de eventos. A diferença está na quantidade de variáveis mensuradas e no número de possibilidades a ser processado.

No caso dos veículos, é preciso não só identificar o que está adiante, mas classificá-los - é uma bicicleta, um trem, uma criança, um cachorro ou outro carro? Isso é importante para prever qual movimento esses objetos farão a seguir — pular, saltar, correr e em que intensidade.

"Se você ficar parado aqui e eu caminhar na sua direção, significa que você vai entrar no meu caminho? Eu não sei, mas, se houver uma chance de 99,99% de você não entrar na minha frente, há essa chance de 0,01% de que isso possa acontecer. E em um carro em alta velocidade, se 0,01% for verdade para algo entrar no meu caminho, eu tenho um acidente. Por isso, classificação é um problema difícil, assim como a previsão", explica Choi.

No caso da Olivia, saem as bicicletas que devem ser identificadas e entram os valores gastos com Uber ou restaurantes.

Veículos que dirigem sozinhos no lugar de motorista da Uber?

Há uma boa notícia para motoristas de Uber que temem perder seu trabalho para carros autônomos. Choi acredita que dificilmente máquinas assim substituirão seres humanos de verdade, devido ao grau de complexidade da atividade. O mesmo, completa, não pode ser dito dos caminhoneiros. Ainda que não seja verdade para a maioria das estradas brasileiras, eles fazem viagens mais longas por trajetos mais ou menos previsíveis, que exigem menos interações, como desacelerar, parar e seguir adiante.

"Eu acho que a tecnologia para carros autônomos será adaptada para a indústria do caminhão muito em breve, em vez de ser usada para substituir motoristas da Uber. Mas isso talvez não aconteça enquanto eu viver. Eu construí as equipes do Uber e da Waymo [Google] do zero. Não vai acontecer."

Se você acha que Choi está desdenhando por já ter deixado as duas empresas, pense de novo. A executiva chefe da Waymo disse em uma conferência no fim de outubro que "às vezes, muito da publicidade [sobre carros autônomos] é descolada do que está ocorrendo no mundo real". Ou seja, há um tremendo exagero do que esses veículos podem fazer.

Humanos previsíveis

Muito mais simples do que adivinhar o que surgirá na frente de um carro que dirige sozinho, conta Choi, é prever quando você irá novamente ao supermercado. "Se você vai ao mercado todo sábado, com base nas suas transações, eu posso prever que, da próxima vez que você fizer compras, será no sábado. Se você pega Uber todas as manhãs, eu sei que você vai solicitar uma corrida amanhã de manhã, certo?"

Nos Estados Unidos, onde foi lançado primeiro, o app já consegue indicar quais produtos frequentemente comprados por um usuário estão mais baratos em supermercados próximos à casa dele. Segundo a empresa, isso tem impacto direto no orçamento mensal. Quando começa a usar o serviço, o nível da poupança de um usuário é de 0,8%. Mas salta para 5,7% após 60 dias.

Para funcionar, porém, Olivia precisa ter acesso aos dados dos usuários — e, só de ouvir isso, uma ruga de preocupação já brota na sua testa. Segundo Choi, o jeitão de a Olivia processar dados é, de alguma forma, similar ao que Google e Facebook fazem. "A diferença entre nós e essas grandes empresas de tecnologia, Uber incluído —porque se eu sei a informação dos seus trajetos, consigo saber onde você mora ou gosta de ir— é que nós deletamos tudo do nosso servidor. Não armazenamos nenhuma informação."

Ligação com o Brasil

Ainda que já tenha deixado as potências do Vale do Silício, Choi continua morando na Califórnia, porque a Olivia abriu um laboratório na região. A ideia é recrutar especialistas em inteligência artificial.

As visitas ao Brasil, porém, não são raras. E isso não é porque ele trabalha em uma startup com DNA brasileiro. Ele é casado com uma brasileira, uma dentista que conheceu em um voo de São Paulo a Foz do Iguaçu — "ela odeia tecnologia e nem gosta de me ouvir falar a respeito". Os dois já têm um filho, mas pretendem ter, pelo menos, mais dois.

"Mas só se eu conseguir gerenciar as finanças com a Olivia", brinca.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A startup Olivia tem sede nos EUA, e não é brasileira --apesar de ter sido fundada por brasileiros. O texto foi corrigido.