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Falta muito para termos aviões sem piloto? A tecnologia já existe

eVTOL da Vahana, subsidiária da Airbus, exibida no Show Aéreo de Paris de 2019 - Divulgação
eVTOL da Vahana, subsidiária da Airbus, exibida no Show Aéreo de Paris de 2019 Imagem: Divulgação

Victor Bianchin

Colaboração para Tilt

10/11/2019 04h00

Você sabe que voos comerciais já contam há tempos com a função de piloto automático, mas os pilotos humanos continuam lá na cabine. Os completamente automatizados ainda podem demorar para se tornarem comuns, mas profissionais do ramo dizem que a tecnologia já existe.

Estabelecido em 1909, o Show Aéreo de Paris se tornou um dos principais eventos do setor de aviação, com fabricantes de todo o mundo se reunindo para mostrar seus novos modelos e discutir o mercado. A grandiosidade do evento é tanta que ele se tornou um termômetro para medir tendências do setor.

A edição de 2001, por exemplo, teve a francesa Airbus apresentando o A380, antecipando duas décadas de demanda por aeronaves de grande capacidade, enquanto a de 2017 foi cheia de "carros" voadores. Mas, em junho deste ano, só se falava de uma coisa: a crise da falta de pilotos na aviação civil.

Executivo-chefe da Boeing, Dennis Muilenburg estimou que o setor irá precisar de 800 mil novos profissionais nos próximos 20 anos. Essa quantidade, em parte, será para atender o aumento na demanda por voos comerciais, mas também para suprir o alto número de aposentadorias que deve acontecer no período — consequência da "década perdida" após os atentados de 11 de setembro de 2001, quando a empregabilidade caiu e a carreira deixou de atrair novos profissionais.

Em meio a esse cenário, a discussão sobre aviões sem piloto esquentou. O assunto é novo, mas deve ganhar proeminência nas próximas décadas

Prós e contras

Dentro da indústria, a ideia dos aviões sem piloto é considerada uma realidade iminente. O chefe de comunicação da Airbus, Christian Scherer, declarou durante o Show Aéreo de Paris que sua empresa tem a tecnologia para tal.

Em 2018, o executivo-chefe da Ryanair, operadora que comanda voos baratos na Europa, disse o mesmo, prevendo que os aviões não tripulados devem começar a voar comercialmente em 40 ou 50 anos.

A IATA (Associação de Transporte Aéreo Internacional), que representa 265 companhias aéreas, incluindo Latam, Gol e Azul, publicou em 2018 um relatório sobre o futuro setor, o qual dizia que a tecnologia existe e deve ser aplicada primeiro em aviões de carga para que a segurança seja aprimorada.

"Em termos de tecnologia, já é uma realidade", afirma Annibal Hetem Junior, pesquisador na área de Projeto e Controle de Órbitas de Satélites Artificiais e Espaçonaves da UFABC. "Os itens tecnológicos necessários, o GPS, a robótica e a inteligência artificial já estão disponíveis. Os aviões atuais já são capazes de decolar sozinhos, o que é fácil, e também voar em cruzeiro e pousar sozinhos, o que é difícil." Ele ainda lembra que há drones em operação incorporando essas funções.

De acordo com uma pesquisa de 2017 da empresa suíça de investimentos UBS, a tecnologia sem pilotos iria gerar uma economia de US$ 35 bilhões por ano ao setor de aviação. A maior parte disso seria correspondente aos salários que deixariam de ser pagos —graças à baixa oferta de pilotos, as empresas têm gastado mais com remuneração para tornar o mercado atrativo a novos funcionários e segurar os que estão empregados.

É aí que essa novidade encontra uma oposição: nos pilotos.

A Alpa (Associação de Pilotos de Empresas Aéreas), que representa mais de 63 mil profissionais no mundo inteiro, lançou, em 2018, um comunicado condenando uma decisão do Congresso americano que permitia pesquisa e desenvolvimento de um programa com um único piloto para aviões de carga. Ela se opõe radicalmente a qualquer substituição de humanos por máquinas na aviação.

"A segurança do avião comercial se baseia fortemente na experiência e coordenação da tripulação para operar aeronaves complexas", diz um trecho do documento. "Qualquer quantia menor do que dois pilotos fisicamente presentes no cockpit aumentará o risco significativamente."

Muitos estudiosos acreditam no contrário —um avião sem piloto eliminaria a maior causa atual de acidentes: o erro humano.

Segundo dados do site PlaneCrashInfo.com, que reúne estatísticas sobre voos desde a década de 1950, os pilotos são os maiores causadores de acidentes fatais com aviões, respondendo por 49% dos casos. Os demais causadores são problemas mecânicos (23%), condições climáticas (10%), sabotagem (8%) e "outros" (10%).

Outro levantamento sobre acidentes, feito em 2003 pela Boeing, também aponta uma tava elevada de erro humano em acidentes aéreos: 80%.

Para o comandante Paulo Licati, presidente da Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil, a polêmica sobre segurança é normal e não deve frear a implementação da tecnologia. Ele compara a situação à eliminação dos engenheiros de voo como membros obrigatórios no cockpit —a tecnologia passou a substituir esses profissionais nos anos 1980, tornando necessários apenas o piloto e o copiloto.

"A tecnologia vai vir, diminuir a carga de trabalho do segundo piloto e [eventualmente] tirar o segundo homem da cabine", diz, reafirmando que a tecnologia já existe e que falta apenas um marco regulatório. Ele concorda com a hipótese de que a mudança pode diminuir acidentes. "Se você tem um computador, um robô fazendo esse trabalho, com certeza nós não vamos ter acidentes por fadiga, por erros humanos", diz.

Licati diz que a ideia de perda de empregos no setor é "assustadora", mas entende que ainda haverá necessidade de humanos.

"Em vez de termos pilotos no cockpit, teremos pilotos em uma sala para dar suporte a várias aeronaves em voo. Voos em simuladores já estão sendo feitos em que a aeronave consegue identificar e conversar com outras, tem interação com o controle de tráfego aéreo, decola e pousa, ativando o trem de pouso e o flap, mas com o apoio de alguém em terra. Essa pessoa em terra tem que entender como funciona um avião", afirma.

É claro que nem tudo são flores: um sistema completamente autônomo implica em mais linhas de código para operar os diversos sistemas, como detectores de turbulência e de pressão. E quanto maior o código, maiores as chances de ele dar problema — e maior a dificuldade para consertá-lo. Ainda há outro fator: a vulnerabilidade a ataques hackers.

Há precedente disso: em 2015 descobriu-se uma falha no Boeing 787 que fazia com que os geradores elétricos se desligassem sozinhos após 248 dias de uso contínuo. Em 2017, foi encontrado um bug de comunicação nos sistemas do Airbus A350, também por excesso de uso contínuo, que podia causar uma falha de segurança.

O que há agora

Polêmicas à parte, os testes já estão acontecendo. Em outubro, a Embraer realizou o primeiro teste com aeronave autônoma no Brasil. O avião, baseado na plataforma dos jatos Legacy 500 e Praetor 600, taxiou por conta própria, sem interferência humana, por um trajeto preestabelecido. A operação foi resultado de uma parceria entre a Embraer e a Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo).

Procurada pela reportagem, a Embraer preferiu não comentar sobre a possibilidade de operar aviões sem piloto no futuro. Sua assessoria informou que "as ações de desenvolvimento tecnológico têm uma visão de longo prazo" e que os sistemas autônomos fazem parte dos estudos para o eVTOL, o "carro" voador que a companhia está desenvolvendo e foi revelado em junho.

Quando se fala em aviões sem piloto, boa parte das companhias responde com seus projetos de eVTOLs, máquinas pequenas pensadas para circular em cidades e transportar passageiros em rotas curtas.

A Boeing testa desde janeiro um protótipo para essa função, enquanto uma subsidiária da Airbus, a Vahana, já completou mais de 100 viagens sem pessoas dentro. Na China, a EHang realizou em setembro o primeiro voo com um passageiro de seu modelo principal, o EHang 184.

Também procurada pela reportagem, a Boeing declarou, via assessoria, que entre os projetos capitaneados pela Boeing Next, divisão da Boeing que explora a mobilidade aérea urbana, está o veículo aéreo de carga (CAV, siga em inglês).

Projetado para transportar 220 kg, o CAV não tripulado abrirá "novas possibilidades para o transporte de mercadorias com segurança", diz a empresa. A equipe do Boeing NeXt conduziu os testes de voo interno do CAV em dezembro de 2018, em preparação para o seu primeiro voo externo.

Se as previsões dos especialistas se confirmarem, a aviação civil deve começar a receber aviões preparados para operar sem pilotos em duas ou três décadas. Aí faltará só vencer um obstáculo temido por todos eles: a resistência do público.

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