Harari: Tecnologia deu aos humanos poderes divinos, e isso é perigoso
O ser humano está mais próximo de se tornar Deus, por ter um poder gigantesco nas mãos graças à tecnologia, e não necessariamente sabemos lidar com isso. Foi o que disse o historiador e filósofo israelense Yuval Harari, autor dos best seller "Sapiens", "Homo Deus" e "21 Lições para o Século 21", em entrevista para o Roda Viva, da TV Cultura.
"Estão nos dando um poder imenso, mas não temos necessariamente a compreensão e a responsabilidade para usar esse poder com sabedoria. Já vimos isso antes, com a energia nuclear: cientistas deram à humanidade o poder para criar energia muito barata o destruir o mundo com bombas nucleares, e a maioria das pessoas, pelo menos a princípio, e portanto não tinha a capacidade de tomar decisões sensatas", disse Yuval.
"Agora estamos vendo isso de novo, e de forma até mais extrema. A maioria as pessoas no mundo, incluindo a maioria dos políticos, tem um entendimento da inteligência artificial e biotecnologia muito limitado. E essas duas tecnologias em particular - inteligência artificial e biotecnologia, bioengenharia - estão realmente nos dando poderes divinos de criação, estão realmente alçando os seres humanos à condição de Deus", completou.
Ditadura digital
Para o israelense, é muito provável que daqui a décadas estaremos vivendo em uma ditadura digital, sendo monitorados por computadores e máquinas que analisarão informações essenciais para o governo e grandes corporações.
Daqui a dez anos, algumas pessoas no mundo, bilhões de pessoas, podem estar vivendo numa ditadura digital onde não só tudo o que fazem, mas até tudo o que sentem é constantemente monitorado.
O ideal, segundo Yuval, é regulamentar as tecnologias mais perigosas, como sistemas autônomos de armamentos e robôs assassinos, até a regulamentação de sistemas de vigilância para prevenir a criação de ditaduras digitais.
"Podemos prever que nos próximos dez ou vinte anos, a ascensão dessas ditaduras digitais, ditaduras baseadas em tecnologias digitais de vigilância que seguem tudo o tempo todo. Podemos prever que isso acontecerá não só nos países mais desenvolvidos, mas até em alguns países mais atrasados do mundo, na África e no Oriente Médio", analisou.
Governos homofóbicos, por exemplo, poderão monitorar constantemente atividades consideradas "suspeitas" de jovens que ainda não formaram sua identidade sexual, sugeriu o professor, o que tem impacto positivo para as grandes corporações. Ao mesmo tempo, a análise do comportamento de opositores pode ser uma arma importante dentro da ditadura digital.
"Talvez eu não veja nenhum filme gay, nada do tipo, mas simplesmente monitorando a reação dos meus olhos o algoritmo e a empresa por trás dele, já sabem que sou gay. Digamos que, no Youtube, eu veja um vídeo de um rapaz e uma moça, em roupas de banho na praia. O computador sabe para onde eu olho. Se eu olhar mais para o rapaz do que para a moça, o algoritmo já sabe que sou gay, e isso pode ser usado para me vender produtos", afirmou.
"Se você pensar numa ditadura do século 20, se você vivia na União Soviética na época do [ditador Josef] Stalin, a polícia secreta não podia seguir todos o tempo todo, era impossível. Daqui a dez anos, algumas pessoas no mundo, bilhões de pessoas, podem estar vivendo numa ditadura digital onde não só tudo o que fazem, mas até tudo o que sentem é constantemente monitorado."
Robôs x Humanos? Só no cinema
A ficção científica, de acordo com o professor, é um dos gêneros que pode conectar a comunidade científica com o povo. Porém, muito do que vemos em filmes é pura ficção literalmente, e a ideia de robôs lutando contra humanos pelo futuro da sobrevivência não é algo palpável.
"A situação favorita dos livros e filmes de ficção científica no tocante à Inteligência Artificial é que os robôs e computadores de repente ganham consciência e se rebelam contra os humanos, e aí acontece uma situação como a da [franquia] 'O Exterminador do Futuro', uma guerra entre robôs e humanos. Isso é extremamente improvável nas próximas décadas, não há nenhuma indicação de que nenhum robô ou computador esteja a caminho de se tornar consciente e se rebelar contra nós", afirmou.
"Os verdadeiros perigos dos avanços da tecnologia artificial são coisas como robôs e computadores tirando pessoas do mercado de trabalho, ou a nova tecnologia ajudando um governo ou uma pequena elite a criar a ditadura digital. Os robôs não são maus, não se rebelam", completou.
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