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Criador da Wikipedia lança rede social "saudável" para ser anti-Facebook

Jimmy Wales, cofundador da Wikipedia, transformou antigo site de notícias colaborativo em rede social - Kirsty Wigglesworth/Reuters
Jimmy Wales, cofundador da Wikipedia, transformou antigo site de notícias colaborativo em rede social Imagem: Kirsty Wigglesworth/Reuters

Rodrigo Trindade

De Tilt, em São Paulo

13/11/2019 04h00

Sem tempo, irmão

  • Em entrevista, cofundador da Wikipédia apresentou a proposta de sua rede social
  • Wiki Tribune Social chega com a proposta ousada de substituir outras plataformas
  • Rede terá forte veia colaborativa e não será bancada por anúncios, mas assinantes

Mark Zuckerberg e o Facebook ganharam um novo e inesperado desafiante. Desde agosto Jimmy Wales, cofundador da Wikipédia, prepara a Wiki Tribune Social, uma rede social que conta com o DNA da enciclopédia colaborativa e tem enormes diferenças para as plataformas mais usadas na atualidade, especialmente no que diz respeito a como ganhar dinheiro.

O fundador da nova rede social não quer que ela seja uma plataforma marginal no mercado. Sucesso, para ele, significa "substituir as redes sociais venenosas existentes". Ambicioso? Sem dúvida, mas em entrevista exclusiva a Tilt, Wales contou o que está por trás dessa motivação. "Se você não gosta do que existe, nós podemos mudar, fazer algo diferente", explicou.

Na quinta-feira (6), Wales publicou em seu Twitter que a Wiki Tribune Social ganhou em uma semana 25 mil usuários depois de ganhar espaço na mídia alemã, mas, desde então, o número dobrou e há fila de espera para interessados em entrar.

De acordo com o modelo da Wiki Tribune Social, a comunidade toma conta do conteúdo que circula por lá; algoritmos não filtrarão conteúdo inadequado; e empresas não serão contratadas para analisar conteúdo nocivo, como fazem Facebook, Instagram e Twitter. Como é na Wikipédia, todos poderão editar quase tudo o que será publicado na rede social.

Tilt: Li o artigo que você escreveu para a Foreign Policy em outubro e você menciona nele que havia uma versão prévia da Wiki Tribune fundada em 2017. Como você a diferencia da nova rede social que você acabou de lançar?

Jimmy Wales: O conceito original era muito mais o de um site de jornal. Mas conforme avançamos, percebi que os problemas verdadeiros estão na distribuição das redes sociais. Precisávamos de uma mudança radical de direção. Estávamos usando WordPress, que é uma plataforma fantástica para um novo site, mas como eu queria me mover para um sistema colaborativo, aberto e mais radical, reescrevemos todo software do zero. Obviamente, ainda tem muita coisa incompleta, mas relançamos com um foco muito mais no social. É basicamente a mesma plataforma.

Tilt: No mesmo artigo, você argumenta que as pessoas estão perdendo a confiança na imprensa. Como uma nova rede social pode mudar essa percepção pública?

Jimmy Wales: O que temos que olhar é quais são as causas [dessa perda de confiança]. Sabemos que existe esse problema de confiança em várias instituições e os principais motivos para isso, eu acredito, vêm da forma que as pessoas recebem informação, a quantidade de ruído, o fato de que boa parte da imprensa foi forçada a seguir estratégias caça-clique para buscar audiência de redes sociais. Precisamos resetar tudo isso para um sistema de distribuição social que ponha mais ênfase em qualidade em vez de propaganda.

Tilt: Então você diria que recuperar essa confiança na imprensa e criar uma plataforma que é mais saudável para consumo de notícias é uma das motivações para criar a Wiki Tribune Social? Teve alguma outra motivação?

Jimmy Wales: Precisamos encontrar um modelo de negócios diferente, uma abordagem diferente e saudável que não dependa de mecanismos que tentem manter as pessoas clicando.

Tilt: O Facebook diz querer conectar você aos seus amigos. O Twitter é sobre o que está rolando naquele momento. O que você diria que distingue sua rede social das outras que estão por aí?

Jimmy Wales: Qualidade de informação. Mas em termos de design e funcionamento, é uma diferença radical, porque tudo que todo mundo posta é editável colaborativamente. É uma Wiki, no final das contas. E isso é uma coisa que não vimos antes.

Tilt: Você critica as redes sociais existentes por conta de seu modelo de negócios baseado em propaganda. Como você pretende manter uma rede social sem propaganda?

Jimmy Wales: A abordagem que eu estou disposto a adotar é o pagamento voluntário. Se alguma pessoa acredita na ideia e a considera valiosa, essa é uma abordagem distinta que nos dá um conjunto de incentivos completamente diferente. Não é sobre te manter viciado, é sobre ter um sentido na sua vida. Caso contrário, por que você pagaria?

Se esse modelo de negócios é factível ou não, bem, é uma startup. Temos o exemplo brilhante da Wikipédia —que, para ser claro, é uma organização completamente separada—, em que só alguns pagam. A maioria usa o tempo todo e não paga. Espero que o mesmo espírito funcione em um ambiente diferente.

Tilt: Quais você diria que são as piores características das redes sociais atuais?

Jimmy Wales: Para mim, uma das grandes questões é que os incentivos que elas têm não se alinham bem aos incentivos dos usuários. As redes têm todos os incentivos para aumentar o seu uso e te manter clicando. O que funciona para eles é conteúdo compartilhável, o que significa manchetes caça-clique, discurso de revolta. Esse é o problema fundamental que ainda precisa ser resolvido.

Tilt: Recentemente, Facebook e Twitter ficaram nos holofotes por conta de suas decisões a respeito de como lidar com propaganda política. Como você enxerga os posicionamentos diferentes que os dois tomaram?

Jimmy Wales: Sou muito mais favorável da abordagem que o Twitter está tomando (banir completamente propaganda política), de dizer que isso é um problema tão sério que é melhor não tê-lo. Mas eu tenho respeito pela abordagem do Facebook. Podemos ser céticos e pensar que "eles só querem continuar fazendo dinheiro disso". Mas não é como se propaganda política fosse uma máquina de fazer dinheiro para o Facebook.

Eles acreditam estar tomando uma certa forma de posicionamento baseado em princípios, mas é obviamente muito problemático. Não vimos ainda os níveis de transparência e abertura que gostaríamos. A maior preocupação que as pessoas têm sobre essa área é a quantidade de dinheiro suspeito que anda por aí. Se propagandas e conteúdo estão sendo impulsionados e você não consegue entender quem está fazendo isso ou porque, e quais são esses mecanismos, acho que é isso que incomoda.

Se eles vão fazer isso, creio que eles devem ser radicais na imposição de parâmetros de transparência de onde o dinheiro vem e [da origem] do conteúdo. E considero que uma checagem limitada de fatos para propaganda política é importante. Muito não pode ser checado porque é opinião, mas fatos básicos podem ser verificados — se algo é completamente falso, checar não é um problema.

Tilt: As maiores redes sociais dependem de inteligência artificial para moderar conteúdo. Qual é o seu plano para a moderação da Wiki Tribune Social? Você acredita que o que funciona na Wikipédia vai funcionar na rede social?

Jimmy Wales: Sim, [acredito que vai], pelo menos em uma forma modificada. Para mim o mais importante é que se você dá a toda a comunidade a habilidade e o poder de moderar, resolve o problema bem extensamente. Em termos de escalabilidade, o problema que o Facebook e o Twitter enfrentam é que seu modelo escala mal. Já ouvimos história dos empregos horríveis [de quem modera conteúdo], de ter que ver coisas horríveis o dia todo.

Se eu vejo algo que é profundamente ofensivo no Twitter, o único mecanismo que eu tenho é que eu posso denunciar para eles. E [para isso] precisam de uma pessoa, ou uma inteligência artificial. E se, em vez disso, tivéssemos um espaço colaborativo, onde qualquer um pode vir e mudar? Se você for na Wikipédia e você tentar postar um meme racista, ofensivo, ele será deletado em segundos pela comunidade, porque é um conteúdo inapropriado. Dar o poder às pessoas é uma abordagem escalável e que eu considero melhor, mas obviamente introduz uma série de complexidades.

Tilt: Qualquer um pode editar qualquer coisa na plataforma ou existe um limite de edição?

Jimmy Wales: Existe uma exceção. Se você for escrever alguma coisa, você pode postar como colaborativo, que é o padrão, ou individual. Se você escolher individual, só você e os administradores podem editar. Está assim temporariamente, vamos ver. Eu gosto de experimentar; se isso causar problemas, vamos nos livrar disso. Se funcionar, se usado responsavelmente, isso é bom.

Tilt: Quando você pensou no design da Wiki Tribune Social, você se inspirou por outras redes sociais? Pelo que explorei, o conceito de SubWiki me lembra os subreddits. E, já que sou brasileiro, também me lembra das comunidades do Orkut.

Jimmy Wales: Eu me lembro [do Orkut]. Eu me inspirei em várias coisas e, do Reddit, certamente a ideia de uma subseção onde as pessoas podem vir e postar alguma informação sobre um tópico, mas uma versão social é bem diferente disso.

No Reddit, quando você cria um subreddit, ele é tipo um feudo que os criadores têm controle absoluto e acho que esse é um dos maiores problemas da plataforma. Significa que partes do Reddit podem virar muito tóxicas porque os administradores não estão fazendo as coisas certas.

Tilt: Você disse que quer substituir as redes sociais atuais. Essa é uma afirmação ousada. Como você espera alcançar isso?

Jimmy Wales: É uma afirmação ousada feita para empolgar e desafiar as pessoas a sonharem alto. Sabe, se você não gosta o que temos, podemos mudar, fazer algo diferente. E a principal questão é encorajar as pessoas a criarem algo que pessoas gostem, que é de qualidade, que é divertido e encoraje pessoas a trazerem os amigos. Essa é a única maneira que eu conheço de fazer qualquer coisa.

Tilt: Como tem sido, para você, a recepção da Wiki Tribune Social?

Jimmy Wales: Tem sido ótima. O que é interessante é que eu não saí e defini um embargo, um comunicado para a imprensa para anunciar [o lançamento]. A imprensa alemã descobriu e milhares de pessoas começaram a entrar. Alemães, em particular, têm um interesse maior em privacidade, são bem preocupados com o Facebook. Está crescendo e pessoas estão convidando outros, então é algo orgânico, o que me anima.

Perguntado, Wales colocou o dia 30 de outubro como data de lançamento da Wiki Tribune Social. No entanto, a rede teve um "pré-lançamento" em agosto, com um número seleto de usuários.

Tilt: Você diz que alemães são céticos a respeito do Facebook. Como vocês pretendem lidar com privacidade de dados na sua plataforma?

Jimmy Wales: Como nosso modelo de negócios envolve pagamentos voluntários, não vamos seguir os dados de ninguém e, como não temos propagandas, não estamos vazando dados com naturalidade por toda a internet.

Uma das coisas que estamos fazendo, pelo menos por enquanto, é bem semelhante à Wikipedia: como tudo é público no site, não existe como trocar mensagens privadas. Isso é importante porque, uma vez que você aceita a responsabilidade de permitir a troca de mensagens privadas, isso pode ser incrivelmente danoso. Estamos sendo bem cautelosos com isso - não quer dizer que nunca teremos mensagens privadas. É algo que eu quero fazer bem devagar.

Tilt: O que você aprendeu com a Wikipedia e como você pode aplicar isso na Wiki Tribune Social?

Jimmy Wales: Para mim, uma das grandes lições desse projeto é uma que aprendi há muitos anos, mas tive que reaprender: se você vai construir algo e espera que as pessoas usem, tem que ser algo divertido, não pode ser intimidador. A Wiki Tribune original era intimidadora, porque se você escrevia algo, você seria revisado por um jornalista bem sênior, o que é um processo fantástico, mas não muito divertido. Você tem que ter uma ideia de que as pessoas vão dizer "essa é uma boa ideia, que merece viver e o mundo seria melhor com isso". Mas isso não é o suficiente, porque também precisa ser divertido.

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