Big Brother urbano? Como vai ser o reconhecimento facial da polícia de SP
Sem tempo, irmão
- A Polícia Civil de SP adquiriu uma plataforma de reconhecimento facial
- Ferramenta vai auxiliar investigações e evitar fraudes na emissão de documentos
- Segundo fornecedora, sistema pode monitorar eventos e para solucionar crimes
- Estado de SP já possui base de dados com mais de 35 milhões de registros...
- ... e agora busca convênios com donos de câmeras para cruzar informações
A Polícia Civil de São Paulo recrutou uma nova ferramenta para ajudar em investigações criminais e no combate a fraudes na emissão de documentos em todo o Estado. É um sistema de reconhecimento facial, capaz de identificar quem é uma pessoa exibida em vídeos e fotos. Mas não espere uma reedição paulista do Big Brother.
A plataforma é a mesma que o governo dos Estados Unidos usa em portos, aeroportos e embaixadas. Segundo a fabricante, a Thales Gemalto, ela deve entrar em operação no fim do ano, algo que a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo não confirma.
Se, nos EUA, a ferramenta processa uma base de dados de 700 milhões, em terras paulistas, rodará sobre uma base que gira em torno de 35 milhões a 38 milhões de registros gerida pelo Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD), ligado ao Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol). Fazem parte dele os dados coletados no Poupatempo no ato da emissão do RG, como dados pessoais, biometria digital e foto do rosto, ou em uma delegacia.
A Gemalto já era a fornecedora da tecnologia por trás do banco de dados do IIRGD desde 2013, mas antes lidava com impressões digitais e outros dados biométricos, o que não inclui a identificação facial. Após o contrato expirar, a empresa ganhou a nova licitação, que inclui o reconhecimento de rostos.
Essa informação de que este cidadão tem estes dez dedos e este rosto já existe no banco de dados da polícia. O banco de dados do Estado já existe e é completo. O reconhecimento facial era [uma função] dormente, pois, apesar de ter o potencial de fazer, não era contemplado. Agora, basta cria um servidor para esse projeto novo
Ricardo Abboud, gerente de vendas e marketing para biometria e identidade da Thales Gemalto
Ter uma base de dados é apenas uma das pernas da estratégia. A outra é ter acesso a um parque de câmeras, que fornecerão as imagens a serem cruzadas com informações faciais quando for preciso. Nessa linha, a Polícia procura firmar convênios com órgãos, empresas e associações que controlem câmeras em áreas estratégicas. Na manhã de quarta-feira (13), representantes da polícia se reuniram com um grupo de varejistas.
O Brasil possui uma Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mas seus efeitos só passam a valer a partir de agosto de 2020. A legislação obriga processadores de dados a pedir autorização dos donos das informações e impõe penalidades a quem não protegê-las corretamente. Mas a LGPD não se aplica ao tratamento de dados pessoais na segurança pública e para investigação e repressão de infrações penais.
Como o reconhecimento facial de SP funciona?
Chamada de LFIS, sigla para "Sistema de Identificação Facial em Tempo Real", a plataforma a ser usada pela polícia possui, pelo menos, quatro funções:
- detectar rostos de uma lista prévia em imagens captadas ao vivo por câmeras de segurança;
- verificar, por meio da análise do rosto, se uma pessoa específica está dentro de uma lista;
- checar se as características do rosto de um indivíduo batem com os detalhes da foto de um documento;
- coletar rostos exibidos em vídeos e fotos para pesquisá-los em uma base de dados maior.
Abboud explica que a ideia é usá-la em duas situações: checar se alguém pleiteando a emissão de um RG já não é dono de um documento no Estado de São Paulo, e usar em investigações.
O sistema será instalado em salas seguras na sede do Dipol em São Paulo e em outra unidade em Sorocaba. Segundo o executivo, ainda que esteja instalado em um servidor fixo, o sistema pode ser usado em ambientes fora dos da polícia. Essa mobilidade pode auxiliar em ações externas.
"Se houver uma operação de monitoramento de algum evento, você vai transportar os 35 milhões de registros? Não, nem tampouco vai ficar consultando toda essa base de dados. Você cria outro banco de dados, uma 'blacklist'. Em um jogo de futebol, por exemplo, se você tem a lista de 'hooligans' que não pode entrar no estádio, só esse banco de dados [com os registros faciais destes torcedores] vai ser destacado para aquela operação", explica.
"Cada módulo [da plataforma] vai ter o seu papel. Um vai só tirar foto a partir do vídeo, outro vai ficar monitorando o vídeo em tempo real, outro vai se dedicar aos vídeos gravados", acrescenta.
Big Brother urbano?
Falar na implantação de sistemas de reconhecimento facial automaticamente desperta o receio de que esse é o primeiro passo para a criação de uma sociedade vigiada. Abboud descarta a possibilidade técnica de fazer algo nessa linha.
"Vai acontecer aquilo que todo mundo fala, aquela mística do Big Vrother urbano?' Não, não vai acontecer. Não é factível financeiramente nos próximos dez anos nem do ponto de vista da infraestrutura."
Ele explica que, mesmo em uma cidade de São Paulo, isso seria inviável por ela ser muito grande, não ter infraestrutura de comunicação suficiente e contar com câmeras que não registram imagens com qualidade adequada.
Fora isso, as conversas mantidas com os responsáveis pelo projeto não indicam que isto esteja nos planos, diz. "Existe o interesse de resolver crimes, reduzir a criminalidade e dar uma resposta à população a esses problemas específicos."
O governo paulista não concedeu entrevista para esta reportagem. Só informou que "investe continuamente em tecnologia aplicada à inteligência policial e, permanentemente, estuda a adoção de novas tecnologias de combate ao crime, entre elas o reconhecimento facial".
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