Sem satélites para monitorar, Brasil perdeu chance de perceber óleo antes
Sem tempo, irmão
- Brasil está bem atrás hoje de países sul-americanos na área de satélites
- Sem recursos, país se viu obrigado a sair de projeto com a Argentina
- Ele previa satélite para monitorar áreas mais extensas, como no caso do óleo
- Outro satélite, do tipo radar, tem mais resolução de imagem, mas é ainda mais caro
Além da tragédia ambiental por si, o vazamento de óleo no mar que chegou ao Nordeste e ao Espírito Santo nas últimas semanas mostrou as falhas brasileiras na área de satélites. O país está bem atrás hoje de países sul-americanos e foi obrigado a depender de apoio internacional para investigar o caso —ainda sem resolução.
Um exemplo é o projeto Sabiá-Mar, que estava sendo desenvolvido com a Argentina e previa —por meio de um termo assinado em 2014— a construção de dois satélites para monitorar a costa brasileira. Mas a falta de recursos fez o país sair do projeto.
"Por conta da nossa saída, a Argentina resolveu fazer o primeiro satélite totalmente por lá e devem lançar em 2023", conta ao Tilt Carlos Augusto Moura, presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira).
Atualmente, o Brasil usa serviços gratuitos ou gasta altos valores com a compra de imagens de satélites. E estes últimos não são controlados pelas necessidades do Brasil —ou seja, não se pode deslocar um satélite para um determinado trecho do oceano em um caso grave como o vazamento de óleo na nossa costa.
A ideia do Brasil é reativar a parceria com a Argentina para voltar o projeto. Desde o início do ano, conversas e visitas a argentinos ocorreram. "A gente modificaria um pouco as condições, mas manteríamos a parceria", diz.
Segundo Moura, um satélite como o que deve ser feito pela Argentina custa em torno de R$ 150 milhões e é do tipo de baixa resolução, usado para monitoramento de áreas mais extensas.
Caso o Brasil já tivesse um satélite desses, diz, poderia ter percebido a mancha de óleo ainda em alto-mar e poderia monitorar, por exemplo, sua dispersão.
"Esse satélite tem diversas bandas de observação, e como supomos que o vazamento foi bem grande, você poderia detectar alguma coisa anormal na região. Ele seria útil, poderia detectar", conta.
Não falta só um satélite...
Entretanto, caso os especialistas brasileiros tivessem notado a mancha, seria necessário acionar um outro tipo de equipamento: o satélite-radar, que tem mais poder de resolução e poderia captar imagens mais próximas.
"A primeira captação seria como uma foto tirada de longe. Na hora que detecta, seria preciso o satélite de maior resolução. Mas sabendo [da mancha], poderíamos manobrá-lo para uma determinada área. Por isso a importância de não falar só em um satélite, mas de uma família de satélites. Queremos que nosso Programa Espacial tenha um conjunto de sensores", explica.
A construção de uma satélite-radar é um sonho brasileiro antigo, mas que tem um custo muito mais alto que o que está sendo pretendido com a Argentina. Com os cortes de recursos nos últimos anos, a AEB acabou deixando o projeto de lado.
Mas com a promessa de mais recursos para o próximo ano, o órgão retomou os estudos para desenvolver um projeto que remonta aos anos 2000 e garantir o que —diz Moura— seria também uma questão de soberania nacional.
"Nosso satélite-radar nos daria, digamos assim, mais liberdade de investigar algumas áreas em que, às vezes, não há satélites disponíveis no mercado", conta Moura, sem especificar valores. "É um satélite bem mais caro, é mais específico. Mas não temos ainda valor, depende dos requisitos que vamos utilizar."
Poucos tipos de satélites
Segundo Dino Lincoln, professor de pós-graduação em design e engenharia aeroespacial da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), o Brasil possui hoje apenas três categorias de satélites.
O primeiro deles são os SCD, sigla para satélites de coleta de dados. "Eles basicamente recebem dados como antenas no espaço. Com isso a gente consegue ter nosso serviço atualizado de meteorologia e alimentar aviação", afirma.
Outro tipo é da linha Cbers, que produzem satélites em parceria do Brasil com a China. No próximo dia 17, haverá o lançamento do Cbers 04A em Tayuan, na China. "Ele é de sensoriamento remoto, não tem como fazer uma análise profunda", explica
A última categoria vem de uma parceria com a França: o SGDC, sigla para Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação Estratégica. "Ele já está mandando banda larga a várias instituições escolas e instituições em regiões onde a internet normal não chega. Para inclusão, é fantástico", afirma.
Segundo ele, nenhum dos satélites tem alta resolução, que poderia ajudar na busca de óleo. "Às vezes também não está em uma posição para vasculhar esse tipo de coisa."
O coordenador do Lapis (Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite), da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Humberto Barbosa, acredita que também é importante a participação da indústria brasileira no desenvolvimento de tecnologias espaciais. "Com isso, haverá uma transferência tecnológica para diversos setores econômicos. A sociedade também se beneficia", diz.
Ele elogia as parcerias internacionais que o país faz por meio do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial). "Elas são um bom exemplo de sucesso, como no caso dos Cbers —que já vamos para o quarto lançamento. É importante quando o Brasil participa dessas missões, mesmo como colaborador, porque ele está trocando informações numa área extremamente estratégica para um país de área continental", diz.
Para ele, a tecnologia satelital beneficia toda economia. "Quando o governo faz investimento em desenvolvimento na área do espaço, na área de monitoramento por satélite, significa que a indústria e todos os segmentos econômicos vão se beneficiar. É uma cadeia que traz benefício para desenvolvimento tecnológico. Não há dúvida que o investimento é alto, mas o retorno é garantido em ciência e tecnologia", garante.
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