Por liberdade de expressão, entidades pedem que STF não mexa no Marco Civil
Sem tempo, irmão
- STF deve decidir se artigo 19 do Marco Civil é inconstitucional
- Ele isenta plataformas de serem responsabilizadas por conteúdo de terceiros
- Caso chegou ao Supremo após recurso do Facebook
- Mulher queria indenização da rede social mesmo que ela tenha tirado do ar perfil falso
- Para entidades, isso abre precedente para acabar com liberdade de expressão na web
Uma regra que rege a internet brasileira está prestes a ser julgada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Um artigo do Marco Civil da Internet impede que plataformas conectadas, como sites e redes sociais, sejam responsabilizadas civilmente por conteúdo produzido por outras pessoas — isso só acontece se elas se recusarem a cumprir uma decisão da Justiça pela remoção do conteúdo. Só que, devido a uma decisão contra o Facebook que não levou essa regra em consideração, a corte decidirá em breve se ela é inconstitucional ou não.
Diversas entidades da sociedade civil divulgaram uma carta nesta quinta-feira (28) pedindo à corte que não altere a lei, considerada a Constituição da Internet, porque isso traria insegurança jurídica à rede no Brasil e atentaria contra a liberdade de expressão. O julgamento estava marcado para a próxima quarta-feira (4), mas o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, retirou a matéria da pauta nesta quarta-feira (27).
O dispositivo contestado é o artigo 19 do Marco Civil, que estabelece o seguinte:
- "Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário."
Em outras palavras, no Brasil, sites, serviços conectados ou redes social só são obrigados a tirar do ar um conteúdo —como, por exemplo, uma ofensa a uma pessoa— se receberem uma ordem judicial específica. Isso não quer dizer que possam ser responsabilizados por danos morais por quem pedir a retirada. Isso só pode ocorrer se essas empresas não cumprirem a determinação judicial.
As diversas entidades da sociedade civil argumentam que este artigo é crucial para a prestação de serviços no Brasil:
Sem esse artigo, sites dedicados a receber críticas de consumidores poderão ser obrigados a remover comentários caso o fornecedor faça uma simples denúncia. Iniciativas de caráter jornalístico vão remover conteúdos assim que alguém enviar notificação, alegando que a matéria está causando danos à honra. Startups vão pensar duas vezes antes de deixar que usuários façam upload de conteúdo nas suas plataformas
Carta aberta em defesa da Liberdade de Expressão na Internet
Assinam o documento entidades e personalidades como o Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Fundação Getúlio Vargas (CEPI/FGV Direito SP), o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio) e Edison Lanza, relator especial para liberdade de expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Entenda o caso
O caso analisado pelo STF nasceu após um pedido de remoção de perfil no Facebook. Uma mulher entrou na Justiça para que a rede social não só apagasse um perfil falso criado em seu nome como também a indenizasse por danos morais. Na primeira instância, a Justiça de São Paulo mandou o site excluir a conta falsa, mas negou o pedido de restituição com base no artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Na segunda instância dos Juizados Especiais, porém, a rede social foi condenada civilmente a indenizar a mulher em R$ 10 mil. O tribunal entendeu que a decisão pela remoção já era suficiente para que a rede social pudesse ser responsabilizada, ainda que o pedido para tirar o perfil do ar tenha sido feito na mesma ação em que a indenização fora pleiteada.
Para garantir a constitucionalidade do artigo 19, o Facebook recorreu e o recurso extraordinário foi encaminhado ao STF. Toffoli, o relator do caso, decidiu que a questão seria decidida pelo plenário da corte, ou seja, teria repercussão geral.
Na carta ao Supremo, as entidades da sociedade civil pontuam que o julgamento tem poder de moldar o futuro da internet no país.
Caso esse dispositivo seja considerado inconstitucional, argumentam, o Brasil pode voltar ao cenário de insegurança jurídica que havia antes do Marco Civil da Internet, porque sem ele "os tribunais brasileiros decidiam das formas mais diferentes, ora fazendo o provedor responsável só porque o conteúdo foi exibido, ora porque não se atendeu a uma notificação privada".
Essas organizações lembram que são poucas as empresas com recurso financeiro suficiente para assegurar na Justiça a manutenção de um conteúdo contestado. "Essa incerteza sobre o regime de responsabilidade era prejudicial para qualquer pessoa que quisesse começar um negócio na internet, montar um site ou lançar um aplicativo", diz o texto. "Esse é um cenário que desestimula a inovação e prejudica a economia e a geração de empregos ligados à internet no país. A proteção da liberdade de expressão tem importantes efeitos econômicos."
Veja abaixo a carta:
Carta aberta em defesa da Liberdade de Expressão na Internet
O Brasil está prestes a tomar uma decisão importante sobre o futuro da Internet no País. Construído a partir de um processo de consulta que contou com milhares de contribuições, o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) criou um regime de responsabilização para os provedores como redes sociais, sites de vídeo, enciclopédias, aplicativos de mensagem e qualquer plataforma (inclusive jornalísticas) que contem com comentários e contribuições de seus usuários.
Segundo o artigo 19, cabe ao Poder Judiciário - e não às empresas de tecnologia - decidir se um conteúdo é lícito ou ilícito, tornando assim os provedores responsáveis caso não cumpram com uma ordem judicial que determine a remoção do texto, da foto ou vídeo. Antes disso, os tribunais brasileiros decidiam das formas mais diferentes, ora fazendo o provedor responsável só porque o conteúdo foi exibido, ora porque não se atendeu a uma notificação privada. Essa incerteza sobre o regime de responsabilidade era prejudicial para qualquer pessoa que quisesse começar um negócio na Internet, montar um site ou lançar um aplicativo.
O Supremo Tribunal Federal vai agora decidir sobre a constitucionalidade do artigo 19. Sem esse artigo, sites dedicados a receber críticas de consumidores poderão ser obrigados a remover comentários caso o fornecedor faça uma simples denúncia. Iniciativas de caráter jornalístico vão remover conteúdos assim que alguém enviar notificação alegando que a matéria está causando danos à honra. Startups vão pensar duas vezes antes de deixar que usuários façam upload de conteúdo nas suas plataformas.
Os grandes provedores talvez tenham poder econômico e conhecimento jurídico para litigar esses casos; para todas as demais empresas, organizações e indivíduos, esse é um cenário que desestimula a inovação e prejudica a economia e a geração de empregos ligados à Internet no País. A proteção da liberdade de expressão tem importantes efeitos econômicos.
Da mesma forma, entidades da sociedade civil podem ver as suas atividades prejudicadas ao serem obrigadas a remover conteúdos postados por terceiros mediante simples notificação.
Como o diz o próprio artigo 19, a sua criação se deu "com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura". Voltar ao regime que vigorava antes de 2014 é lançar o Brasil em um cenário de insegurança jurídica, alimentando os incentivos para que os provedores passem a remover conteúdos assim que recebam qualquer reclamação. O risco aqui é a criação de uma Internet menos plural, em que qualquer comentário crítico seria removido por receio de responsabilização.
O texto do Marco Civil conta com amplo apoio internacional: do próprio pai da World Wide Web, Sir Tim Berners-Lee, aos relatores para liberdade de expressão da Organização da Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA). O processo de criação da lei brasileira serviu de inspiração para a Declaração de Direitos na Internet, aprovada no Parlamento italiano. O seu regime de proteção da liberdade de expressão foi ainda referido em importante decisão da Suprema Corte da Argentina sobre responsabilidade na Internet.
A Declaração Conjunta de 2011 sobre Liberdade de Expressão e a Internet estabelece que "ninguém que simplesmente forneça serviços técnicos da Internet, como fornecer acesso, pesquisa, transmissão ou armazenamento em cache de informações, deve ser responsabilizado pelo conteúdo gerado por terceiros e disseminado através desses serviços, desde que não intervenham especificamente nesse conteúdo ou se recusem a obedecer a uma ordem judicial para removê-lo, quando tiverem capacidade para fazê-lo". No mesmo sentido, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (OEA) sustenta que a responsabilidade deve ser imposta aos autores do discurso em questão, e não aos intermediários.
Dessa forma, os signatários desta carta encorajam a todos a participar da defesa do artigo 19 do Marco Civil da Internet, como forma de assegurar a liberdade de expressão, o acesso à informação e a inovação na rede, baseado no equilíbrio de direitos e responsabilidades, visando ao pleno exercício da democracia e da cidadania no Brasil.
Os signatários esperam que esses elementos sejam levados em consideração pelo Supremo Tribunal Federal e que o mesmo, em sintonia com a defesa da liberdade de expressão que pauta a jurisprudência da Corte à luz da Constituição Federal, decida assim pela constitucionalidade do artigo 19.
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