Backup cerebral: veja caminho para criarmos réplica da consciência na nuvem
Sem tempo, irmão
- Estuda-se uma reprodução total da consciência de indivíduo dentro do computador
- Vai levar pelo menos 50 anos antes do upload da primeira mente, diz neurocientista
- Startup trabalha com lista de 25 humanos dispostos a testes do tipo
- Enorme quantidade de dados e dificuldade de copiar "mapa" do órgão são barreiras
No curta-metragem "Os últimos momentos de Karl Brant" (2013), um cientista que trabalhava com um método experimental de mapeamento do cérebro é assassinado e tem sua consciência reproduzida em um máquina por um colega de trabalho. Revivido como um programa de computador, Karl entra em choque ao descobrir que, na verdade, seu corpo já morreu.
Sem as cores do horror, esse cenário de ficção científica é o grande de objetivo de pesquisadores que investigam uma maneira de tornar a mente humana imortal, ao fazer uma espécie de upload do cérebro para a computação em nuvem.
Mas em vez da história que contamos semanas atrás, com avatares construídos com algoritmos de aprendizado de máquina e que se comunicam de maneira idêntica ao humano, aqui o papo é ainda mais sério. Trata-se de uma reprodução total da consciência de um indivíduo, com suas memórias, gostos, habilidades, emoções e anseios. Sem um corpo, dentro de um computador.
De acordo com o neurocientista Ken Hayworth algo semelhante deve acontecer nas próximas décadas. "Vai levar pelo menos 50 anos antes do upload da primeira mente humana e 100 anos até que se torne rotina", disse ele ao blog Mindful. Hayworth é uma das vozes mais fortes a defender a possibilidade do upload do cérebro e presidente da Brain Preservation Foundation, que premia pesquisas que avançam o conhecimento no campo.
Tanto em 2016 quanto em 2018, a vencedora de um desses prêmios foi a startup Nectome, fundada por pesquisadores do MIT, por preservar primeiro o cérebro de um coelho e, em seguida, de um porco. Essa preservação foi feita por meio de um processo próprio que a Nectome chama de "vitrificação" —grosso modo, uma espécie de embalsamento em que a massa encefálica se transforma numa espécie de vidro com uma fotografia da atividade cerebral naquele momento.
Notou o termo "embalsamento" ali em cima? Pois é: para essa vitrificação dar certo, o sujeito precisa morrer.
Como a Nectome já tem uma lista de espera para trabalhar com humanos (25 pessoas que pagaram cerca de US$ 10 mil pelo privilégio), a empresa logo ficou famosa com a pecha de vender uma eutanásia para quem deseja garantir o upload do cérebro num futuro distante.
O porquê do futuro distante: segundo os cientistas que apostam que seja possível tornar a mente imortal, o segredo para isso é um connectome, isto é, um mapeamento detalhado de todos os neurônios e as conexões entre eles em um cérebro. Até hoje, apenas o connectome de uma espécie foi feito: uma larvinha de um milímetro de comprimento chamada Caenorhabditis elegans.
Com 302 neurônios e cerca de sete mil conexões —ou sinapses— entre eles, a tal larva sequer tem um cérebro propriamente dito. Já os seres humanos, por sua vez, tem estimados 86 bilhões de neurônios e 100 bilhões de sinapses.
O número já dá uma ideia do gigantismo dessa empreitada, mas o volume de espaço computacional que um único connectome ocuparia mostra a verdadeira dimensão desse mapeamento. Segundo uma estimativa do chefe do National Institutes of Health dos Estados Unidos Francis Collins, seriam pelo menos alguns yottabytes —isto é, um trilhão de terabytes ou um quadrilhão de gigabytes.
De acordo com uma estimativa da Nasuni, a capacidade somada de armazenamento total de todas as nuvens disponível hoje supera pouco mais de um exabyte —e é preciso 1.000.000 destes para formar um yottabyte. Em outras palavras, seriam necessárias um milhão de nuvens como as disponíveis hoje para hospedar a réplica de um único cérebro.
Ah, se fosse questão de espaço
Ainda que fosse superado o desafio de armazenamento - e processamento - de todas as informações do cérebro, está longe de ser consenso na comunidade científica a ideia de que é possível recriar a mente humana a partir de um connectome. Na verdade, o entendimento é mais próximo do contrário disso.
O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, por exemplo, afirmou mais de uma vez que o cérebro não pode ser computável. Ou seja, mesmo um retrato bem definido de todos nossos neurônios e das conexões entre eles não são capazes de traduzir uma memória ou o sentimento único que cada um tem ao observar o mar. "De forma alguma você vai ver o cérebro humano reduzido a um meio digital", disse Nicolelis à BBC.
"Esse mapa seria inútil, porque nós não teríamos ideia de quanto esse retrato precisaria mudar no próximo nanosegundo, e o modo como o seu mapa precisaria mudar seria completamente diferente do modo como o meu mapa precisaria mudar", explica Robert Epstein, um pesquisador sênior em Psicologia no American Institute for Behavioral Research and Technology.
Em 2016, Epstein escreveu um artigo chamado "The Empty Brain", em que refuta a abordagem neurocientífica da comparação do cérebro com um computador. "Ao contrário de computadores, o cérebro é um sistema completamente dinâmico. Nenhum único estado do cérebro é informativo", afirma Epstein.
"A empreitada científica corrige até certo ponto as deficiências intelectuais dos indivíduos, mas também faz com que um grande número de pessoas compartilhem ideias duvidosas", continua o pesquisador. "Especialmente quando essas ideias prometem futuros miraculosos para a humanidade."
É... se depender do upload do cérebro, talvez ainda estejamos mais perto da imortalidade na música de Sandy & Junior.
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