Como a tecnologia ajuda (e dificulta) busca por navios fantasmas no mar
Sem tempo, irmão
- Cobertura do derramamento de óleo no mar brasileiro popularizou termo "navio pirata"
- É relativamente comum barcos desligarem os sistemas de identificação, como o AIS
- Marinha tem sistema que integra diversas fontes de dados
- Mas com AIS desligado, meios possíveis de achar piratas seriam via patrulha ou satélites
Há mais de três meses, autoridades brasileiras —com ajuda internacional— buscam identificar o navio que seria o responsável pelo derramamento de óleo que causou danos na costa do Nordeste, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Ainda não se sabe qual embarcação causou, mas um termo ficou conhecido durante a cobertura do tema: navio pirata (ou dark ship, como muitos chamam).
Calma! Navio pirata não é aquele que tem criminosos que invadem outros navios, como você viu em filmes, mas sim uma embarcação que navega com seu sistema de identificação e localização desligados.
Apesar de ser contra as normas de tráfego internacional, isso é relativamente comum em casos de embarcações que burlam rotas ou transportam produtos ilegais —no caso de óleo venezuelano, muitos navios desligam para não serem penalizados pelo embargo norte-americano. Se desligado os sistemas de identificação, só uma tecnologia rudimentar pode salvar: o olho humano.
É a Marinha quem fiscaliza esse trânsito no mar nacional, por meio do Cismar (Centro Integrado de Segurança Marítima), que acompanha o tráfego aquaviário nas águas jurisdicionais brasileiras. Assim como na aeronáutica, a fiscalização marinha acontece de forma coordenada com as agências governamentais e entidades do poder marítimo internacional.
Para esta atividade, a Marinha desenvolveu um sistema que integra diversas fontes de dados chamado Sistema de Informações sobre o Tráfego Marítimo (Sistram).
"Este sistema tem por objetivo manter o acompanhamento da movimentação de todos os navios, tanto na área de busca e salvamento sob a responsabilidade do Brasil, que abrange cerca de 15 milhões de km², quanto dos navios de bandeira brasileira em qualquer parte do mundo", explicou o Centro de comunicação da Marinha após questionamentos de Tilt.
As principais fontes automáticas do Sistram são o AIS (Automatic Identification System) e o Sistema de Identificação e Acompanhamento de Navios a Longa Distância. Os dois sistemas são regulados pela Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar.
O AIS é como o transponder do avião —uma peça que emite um sinal com a localização do veículo. Segundo o capítulo 3 da convenção, todos os navios com 300 ou mais empregados em viagens internacionais, e 500 ou mais, no caso de viagens nacionais, 'independente do seu porte, deverão ser dotados de um AIS."
O equipamento deve fornecer, de forma automática para estações de terra, outros navios e aeronaves, informações em tempo real como identidade, tipo, posição e velocidade do navio. Quando esse aparelho é desligado, o navio se torna um "pirata", sendo impossível de ser identificado ou monitorado.
Equipamento não deve ser desligado
Segundo a convenção internacional, o AIS só pode ser desligado quando "normas internacionais dispuserem sobre a proteção das informações relativas à navegação" ou "em circunstâncias excepcionais, e pelo menor tempo possível, quando for considerado pelo comandante que o seu funcionamento está comprometendo a segurança do navio."
Ou seja, quando a lei permitir ou para o navio se proteger de ataques —ambos em situações específicas e rápidas.
"Caso os referidos sistemas sejam desligados, o monitoramento somente será possível se for realizado de forma 'ativa', por meio da patrulha aérea ou naval e de sensores, tais como radares, câmeras e satélites", diz a Marinha.
Mas, como Tilt revelou no mês passado, o Brasil não tem satélite para monitoramento do mar, nem um satélite radar.
Monitoramento complexo
O jornalista especializado em defesa marinha e aviação militar Alexandre Galante afirma que o controle de tráfego marítimo é algo extremamente complexo e feito "sobretudo com sistemas cooperativos, como o AIS". Mas, ele explica que desligando o sistema, não há como saber onde o navio está sem uma detecção visual.
"Como os navios de guerra, que também desligam o AIS para não revelarem sua posição por motivos de segurança, os navios mercantes também podem desligar o AIS e desaparecer dos sistemas de monitoramento", conta.
Galante afirma que, por isso, as marinhas precisam de outros sistemas de detecção contra navios não-cooperativos como aeronaves de patrulha.
"Elas podem detectar os navios por radar e depois fazer a conferência visual do mesmo para identificação e o posterior envio de um navio de guerra ou da guarda costeira para uma inspeção naval, se necessário", diz o jornalista.
Para o pós-doutor em sensoriamento remoto Humberto Barbosa, o episódio do óleo deixou claro que o Brasil não está seguro em controle de sua costa.
Na quinta-feira (5), ele propôs durante fala na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do óleo no Nordeste implantar o rastreamento de navios por satélites.
"Mas teria que haver parcerias do governo brasileiro com outros sistemas de rastreamento de navios. Existem vários em todo o mundo. Mas o Brasil tem de que buscar um sistema mais seguro", afirmou ao Tilt Barbosa, que é coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).
O sistema apresentado por ele abrange não só imagens de satélites, dutovias, poços de exploração e rotas marítimas. "Pode-se montar um sistema de detecção por frequência de rádio para vigiar esses navios", diz, citando que o Brasil deve avançar em tecnologia nessa área: "Há muita insegurança nos mares brasileiros e uma imensa rota de navios."
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