De sensores de saúde a tecidos mutáveis, veja como roupas miram no futuro
Sem tempo, irmão
- Biquíni conecta-se a celular para enviar avisos sobre necessidade de filtro solar
- Bermudas jeans se integram ao Google Maps e vibram para indicar caminho
- Indo além, tecido maleável será capaz de abrir vãos para ventilação, em caso de calor
Imagina um mundo onde um biquíni equipado com sensores avisasse a hora certa de aplicar ou reaplicar o protetor solar. Pois esse mundo chegou. Recentes inovações, como miniaturização de sensores e desenvolvimento de novos tecidos, têm trazido peças que parecem saídas da ficção científica para o nosso dia a dia.
A bem da verdade, o bíquini do primeiro parágrafo não tem um visual muito sci-fi. Com preços a partir de 400 euros, a linha Neviano, da empresa francesa Spinali Design, conecta-se a um app de celular para enviar avisos sobre a necessidade de filtro solar.
A mesma Spinali também tem bermudas jeans que se integram ao Google Maps, por exemplo, e vibram do lado esquerdo ou direito para indicar o caminho a ser seguido.
Para ficar em outro caso do próprio Google, em 2017 a empresa lançou em parceria com a Levi's uma linha de jaquetas que se conectam ao celular e que permite acessar diversas funções, como conversar com o Google Assistente, controlar música e receber notificações de mensagem por meio de controles táteis na manga da blusa. Achou a ideia atraente? Seu sonho pode se tornar realidade por US$ 198.
Claro que os exemplos trazem um recorte da techwear que se preocupa mais em embarcar tecnologia em modelos tradicionais do que propor novas formas de se vestir. Para explorar essa segunda fronteira, pesquisadores buscam formas de transformar peças de roupa em interfaces que se interligam com o próprio corpo das pessoas.
"Os benefícios que isso pode trazer são inúmeros. Dentro da perspectiva que trabalho, um dos contextos é aplicar isso ao bem estar e saúde", diz Rachel Zuanon, professora do Instituto de Artes da Unicamp. "Essas interfaces vestíveis podem adquirir diferentes características dependendo da aplicação."
Rachel, que trabalha na intersecção entre tecnologia, arte e design, explica que uma das propostas é criar uma roupa capaz de mapear e responder às emoções de uma pessoa com o objetivo de manter um estado de equilíbrio homeostático, com níveis hormonais e de estresse sob controle.
"A gente pode desenvolver uma interface que monitora toda a atividade neurofisiológica associada ao papel profissional que ele (o usuário da roupa) desempenha", conta a professora.
A partir desse monitoramento, seria possível entender com precisão como essa pessoa se relaciona com seu trabalho e como reage a determinados estímulos. A peça pode ainda identificar situações de risco, como picos de estresse ou até um ataque cardíaco.
Por enquanto, projetos desse tipo ainda estão em estágio prototipal, mas há inúmeros exemplos de perspectivas de aplicação.
Durante uma feira de tecnologia em Quebec no ano passado, Justin Chan, um pesquisador da Universidade de Washington apresentou sua tentativa de fazer com que diversas peças de roupa, como pulseiras e cintos, armazenem dados. Não como um cartão USB, mas sim uma pequena quantidade de código usado como chave para abrir portas com fechaduras magnéticas.
Com tantos elementos eletrônicos, o problema é ter que deixar a roupa carregando de madrugada. Mas até disso as vestimentas do futuro se encarregarão disso sozinhas. A empresa americana SolePower trabalha no desenvolvimento de botas que armazenam a energia gerada durante caminhadas.
Já engenheiros da Universidade da Carolina do Norte criaram um minúsculo gerador que pode ser costurado dentro de roupas e acumula energia conforme o corpo se aquece em relação à temperatura ambiente. Nos dois casos, um porém: vai ser preciso que você dê uma suada para chegar ao futuro.
Uma roupa mutável
Para além das roupas que apostam em componentes eletrônicos para trazer benefícios, também há projetos que aproximam o mundo da moda da ficção científica por outro caminho. Um dos mais interessantes é o bioLogic, criado por um grupo do MIT Media Lab.
O bioLogic é um material híbrido sintético que aproveita as características da bactéria Bacillus subtilis - usada há séculos no Japão para preparar o natto, a soja fermentada - para se transformar conforme a temperatura do corpo. Depois de bioimpresso, o bioLogic torna-se um tecido maleável capaz de abrir pequenos vãos para ventilação, caso quem o veste comece a sentir muito calor.
De acordo com Lining Yao, uma das pesquisadoras por trás do projeto, trata-se apenas de uma aplicação dentre diversas possibilidades do campo dos têxteis mutáveis de origem biológica. "Eles funcionam como um segunda pele, que pode aumentar, aprimorar ou alterar nossas condições fisiológicas, funcionalidades físicas e nos dar algo como superpoderes", explica.
Hoje no Morphing Matter Lab da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, Lining continua a trabalhar na área, mas os resultados práticos ainda parecem distantes de serem visto em uma calçada. "Eu acredito que materiais desse tipo são viáveis numa escala comercial, mas para isso nós precisamos de colaboradores industriais", diz ela.
Pelo menos no Brasil, é um cenário difícil de se realizar. Rachel Zuanon, da Unicamp, diz que a diminuição dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento fazem com que seja impossível ter uma perspectiva de transformar as roupas com que trabalha em uma realidade comercial.
"Há um tempo, com todo o investimento em pesquisa e inovação que tínhamos, eu diria que num espaço de cinco a oito anos teríamos isso, no ritmo que vínhamos produzindo", conta. "Mas hoje tivemos uma desaceleração radical de investimento."
Nesse caso, vale lembrar que a ficção científica também pode ser bem distópica. E em cenários assim, a roupa certa pode ser totalmente low-tech, como camisas da Adversarial Fashion com grafismos que embaralham e atrapalham sistemas de leitura de placas de automóveis e identificação facial. Essas podem ser suas a partir de US$ 5. Se bem que com o preço do dólar, nem para sofrer em grande estilo dá mais.
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