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"Não estamos atrás", diz pesquisadora brasileira premiada com bolsa da UE

Carolina Marcelino terá dois anos para realizar sua pesquisa na Europa - Divulgação
Carolina Marcelino terá dois anos para realizar sua pesquisa na Europa Imagem: Divulgação

Bruna Souza Cruz

De Tilt, em São Paulo

18/12/2019 04h00

Sem tempo, irmão

  • Carolina Marcelino vai receber bolsa de programa oferecido pela União Europeia
  • Seu projeto visa usar a inteligência artificial para gerar energia elétrica sustentável
  • Ideia é mapear locais em que energia possa ser adotada de um modo mais eficiente
  • Brasileira é uma de oito cientistas no mundo contemplados pelo programa MSCA

A relação da pesquisadora Carolina Marcelino, 35, com a tecnologia é de longa data. Um de seus ramos favoritos é a IA (inteligência artificial). E, graças a ela, a pós-doutoranda pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) conquistou uma das bolsas de pesquisa internacionais mais disputadas por cientistas do mundo todo: a do programa Marie Curie, oferecido pela União Europeia.

O projeto aprovado pela banca avaliadora tem como objetivo usar a inteligência artificial para identificar locais em que a energia elétrica sustentável possa ser adotada de uma forma mais eficiente, principalmente em comunidades em que a luz ainda não faz parte do dia a dia.

A IA ajudará em estudos de viabilidade de instalação de modelos de energia sustentável. Ou seja, a tecnologia vai conseguir detectar melhor se determinada região tem a probabilidade ou não de receber um sistema de geração dessa energia. Além disso, os modelos matemáticos serão capazes de indicar qual é o modelo mais adequado para determinada comunidade.

"Por exemplo, se for possível instalar um conjunto de painel solar ou pequenas turbinas em uma comunidade e colocar um ponto de energia em cada casa [da região], as pessoas vão poder ter energia elétrica, ter uma geladeira, luz em suas casas, traz mais segurança", acrescentou.

A princípio, a pesquisa de Carolina é voltada para comunidades pequenas que não têm energia elétrica. Mas a pesquisadora não descarta o uso em grande escala. "Uma vez que o sistema conseguir fazer todo esse mapeamento, ele poderá ser adotado em outras situações", ressaltou.

A doutora em modelagem matemática e computacional conta que fez a inscrição no programa em junho e a resposta chegou há pouco mais de uma semana, por email. Assim que descobriu, a primeira reação foi a surpresa.

"Fiquei muito feliz porque é um reconhecimento de um trabalho de um jovem doutor. Isso mostra um amadurecimento. Mostra que todo o investimento que o Brasil vem fazendo em pesquisa é muito importante", afirmou a pesquisadora, que faz parte do programa de engenharia de sistemas e computação do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ.

A bolsa conquistada integra o programa de financiamento de pesquisas chamado MSCA (Marie Sklodowska-Curie Actions). A iniciativa prevê o apoio a pesquisadores de diversas áreas —no caso dela, grandes projetos na área de energia elétrica. O nome do programa presta uma homenagem a Marie Curie, grande nome da ciência (foi pioneira nos estudos da radioatividade) vencedora do Prêmio Nobel por duas vezes.

Por ter conquistado a bolsa, Carolina terá que se mudar para a Espanha em 2020. Seu contrato de trabalho vai durar dois anos, e ela terá como base a Universidade de Alcalá. No período, ela receberá 4.500 euros (valor total bruto, sem considerar os impostos locais). Junto a ela, mais sete cientistas de outros lugares do mundo também serão contemplados com o apoio do programa.

"Minha expectativa agora é consolidar meus conhecimentos com o grupo europeu com o qual eu vou trabalhar. Nós, brasileiros, não estamos atrás em nossas pesquisas. A gente faz uma pesquisa de ponta no Brasil", reforçou.

O caminho até aqui

Quando criança, Carolina nem cogitava que a pesquisa poderia se tornar uma profissão. Ela até tinha um tio pesquisador e dizia que seria cientista igual ao ele quando crescesse, mas tudo não passava de uma brincadeira.

Ela fez toda a sua educação básica em escolas públicas e a ideia de trabalhar com tecnologia só surgiu durante a graduação, realizada no IFES (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia), do Espírito Santo.

Desde então, foi se especializando cada vez mais no universo das exatas. Em 2011, ingressou no mestrado oferecido CEFET/MG (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais). O projeto na época já tentava encontrar uma forma de usar a tecnologia para otimizar um sistema de geração de energia hidrelétrica.

Logo em seguida, grudou em um doutorado na mesma instituição de ensino. Durante o trabalho, teve a oportunidade de ficar um período na Alemanha como parte da pesquisa. Também pôde estagiar em um instituto de tecnologia associado à Universidade do Porto, em Portugal.

Parte dessa trajetória não teria sido possível se Marcelino não tivesse tido apoio de bolsas de pesquisas, segundo ela, em quase nove anos dedicados à pós-graduação (entre elas, recursos concedidos pela Capes e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro). Pelas regras, a dedicação exclusiva aos projetos de pesquisa não a permitia trabalhar em outros setores.

Seu orientador no pós-doutorado, o chefe do programa de engenharia de sistemas e computação da Coope/UFRJ Carlos Eduardo Pedreira, reitera a importância de pesquisadores brasileiros terem esse tipo de apoio. Sem isso, pesquisas que levam o nome do Brasil ao mundo não teriam como ser feitas.

"O prêmio da Carolina serve para dar atenção a isso. O Brasil precisa de mais bolsas de pós-doutorado. Não adianta formar o doutor se este doutor entra em um abismo. Muitos deles demoram para achar empregos ao final do doutorado. A oferta de bolsas é uma forma de garantir que estes profissionais não irão embora do Brasil [para sempre]", afirmou Pedreira.

"Uma das maiores satisfações que a gente tem na profissão é ver o sucesso de nossos alunos. O mérito é todo dela, mas a gente vê que conseguiu ajudar no amadurecimento do processo", acrescentou.

Ao ser perguntada se pretende voltar ao Brasil após o trabalho desenvolvido na Europa, Carolina é objetiva: "Depois da minha pesquisa, eu vou voltar para o Brasil. Acredito que é importante trazer um retorno para o seu país que investiu em você. Nós recebemos essas bolsas porque a população paga impostos. Para mim, é importante que eu volte e traga [a bagagem adquirida] para cá."

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