Taxa do Sol: cobrança da Aneel pode atrasar energia solar no Brasil?
Sem tempo, irmão
- Aneel quer revisar modelo de incentivos à geração distribuída de energia
- Hoje, quem produz eletricidade reduz conta de luz e até ganha 'créditos'
- A maioria desses consumidores usa painéis solares para gerar energia
- Aneel quer cobrar encargos e tarifas desses produtores de energia limpa
- Isso pode inviabilizar o segmento no Brasil, argumentam empresas e MPF
Seguindo uma tendência mundial, o Brasil tenta vender a imagem de produtor de energia limpa e renovável, que causa menos dano ao ambiente. Mas uma medida em discussão na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) vai na contramão dessa ideia. Ela quer reduzir os incentivos para consumidores que produzem sua própria eletricidade, o que a maioria dessas pessoas faz usando painéis solares.
Em termos técnicos, o que está em jogo é algo chamado geração distribuída —nome dado à energia gerada próxima ou no próprio local de consumo— nos formatos de micro (até 75 Quilowatts) e minigeração (acima de 75kW até 5 Megawatt). Na prática, os produtores independentes pagarão taxas que correspondem a 62% da tarifa de energia. Esse acréscimo já foi apelidado de "taxa do Sol".
Como funciona a geração distribuída?
Desde 2012, a Aneel permite que consumidores gerem sua própria energia, seja por meio de painéis solares ou por outras fontes renováveis (hidráulica, eólica, biomassa ou cogeração qualificada). A ideia é que fornecessem à rede da distribuidora o excedente, ou seja, a energia que não chegou a ser consumida.
Essa configuração foi feita pela resolução 482/2012. Ela criou vantagens para estimular a geração distribuída. O sujeito pode produzir energia para diminuir seu consumo da rede elétrica. Há situações em que o desconto na conta de luz ultrapassa 80% do valor total.
Além disso, ele não paga encargos e tarifas pelo uso da rede elétrica da energia que foi gerada em casa, caso produza a mesma quantidade de energia consumida, ou mais que isso. Ele só paga se consumir acima do que conseguiu gerar.
Se a instalação gera excedentes, é como se o consumidor estivesse vendendo energia para a distribuidora. Caso isso ocorra, ele recebe em contrapartida "créditos", que podem ser usados para abater o valor de outras contas de energia. Isso só vale se ele for proprietário de outros imóveis.
Se você pensa que as distribuidoras perdem dinheiro, está enganado. Para dar a esses consumidores o desconto previsto na resolução, elas repassam a conta para consumidores comuns, que não geram energia nenhuma.
Quais as mudanças previstas?
Agora, a Aneel quer rever os benefícios. A discussão feita atualmente, porém, já estava nos planos desde 2015. Naquele ano, a agência já queria reformular as cobranças incidentes sobre a geração distribuída, mas decidiu deixar para 2019.
É o que está acontecendo. A entidade está revisando o modelo da compensação de créditos e quer repassar aos produtores da geração distribuída parte do valor dos encargos e tarifas de que são isentados, e que é pago por consumidores comuns, que não usam uma fonte renovável.
A proposta prevê que, a partir do ano que vem, seja cobrada Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e outros encargos que compõem a tarifa total de energia. Atualmente, esse valor é descontado por completo das contas da energia gerada. Na prática, os produtores não pagarão só pela energia, já que eles mesmos são seus próprios fornecedores. A TUSD corresponde a 50% da tarifa de energia.
Haverá um escalonamento. Os consumidores que já instalaram seus sistemas de geração distribuída só seriam impactados a partir de 2030. A Aneel considera que esse é o tempo necessário para esses produtores obterem retorno sobre o investimento feito.
Já os novos consumidores, que optarem pela geração distribuída após a aprovação das novas regras, precisarão pagar os valores do novo modelo. Isso inclui custo da rede e encargos de serviços do sistema elétrico, que são direcionados às distribuidoras. Com isso, apenas 38% da energia gerada poderá gerar "créditos".
Por que a Aneel está fazendo isso?
A agência reguladora quer tomar essa decisão por acreditar que houve avanços significativos no novo mercado. Segundo a Aneel, mais de 120 mil unidades consumidoras com micro ou minigeração foram implantadas desde 2012, quando foi aplicada a resolução 482/2012.
Além disso, a agência argumenta que os insumos para construir essas instalações ficaram mais baratos, o que facilita a entrada de novos produtores. A energia solar é a modalidade mais usada. Chega a 98% das conexões. E houve redução de 43% no valor dos painéis solares.
O que dizem as empresas?
Fabricantes de equipamentos, empresas de energia solar e o Ministério Público Federal discordam da avaliação da Aneel. Por mais que a geração distribuída tenha avançado, ela ainda ocupa uma fatia bem pequena no Brasil. Só 0,2% dos consumidores de energia do país geram energia solar. Para essas companhias e o MPF, a cobrança é abusiva e pode impactar no desenvolvimento do mercado.
Leonardo Diniz, gerente nacional da empresa SICES Solar Brasil, diz que é normal haver debate sobre a incidência de cobranças da geração distribuída. Mas, isso deveria ser tratado mais adiante, em um momento em que o segmento estivesse consolidado.
"O momento não é apropriado. Quando atingíssemos de 5% a 10% do mercado é que caberia um estudo mais criterioso, que levasse em consideração os benefícios que a energia solar traz ao Brasil para se chegar a um cenário favorável para todos".
No fim de novembro, o Ministério Público Federal (MPF) notificou a Aneel. Recomendou que a mudança no valor da taxa fosse feita de forma gradual. De acordo com o órgão, as alterações feitas neste momento podem frear o desenvolvimento do setor e atrapalhar a economia, visto o alto número de empregos que o segmento de geração distribuída vem proporcionando.
Há ainda o receio de que a nova resolução da Aneel afaste investidores e compradores da energia solar. Algumas empresas já fizeram mudanças em seus negócios para não serem impactadas diretamente pelas novas tarifas. É o caso da Hephaenergy, startup que trabalha com mobiliário urbano que usa energia solar para alimentar o próprio equipamento.
Antes de criarmos a Hepha, pensamos em investir em fazendas solares, com a proposta de gerar a energia. Mas vimos que o mercado estava muito saturado nesse ramo e precisaríamos de um investimento muito maior. Decidimos então partir para a inovação, utilizando a energia solar em objetos
Felipe Batista, COO da Hephaenergy.
O primeiro projeto da empresa foi a Syntz, que tem o design de uma árvore, com as "folhas" formadas por painéis solares. "Dizemos que nossos produtos têm um design com propósito. No caso da Syntz, ela pode carregar celular, rotear sinal wi-fi, gerar som e iluminação. Ela serve diretamente ao público, seja em uma empresa ou até nas ruas", completou.
Qual a previsão do início das novas regras?
A nova proposta da Aneel está prevista para entrar em vigor a partir de 2020, mas ainda sem uma data confirmada. A consulta pública aberta pela agência para rever as regras acaba na próxima segunda-feira, 30 de dezembro de 2019. Em um mar de incertezas, o que se pode garantir é que o tema ainda vai gerar muito debate.
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