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Cientista chinês que editou genes de bebês é condenado a 3 anos de prisão

He Jiankui, cientista chinês que disse ter editado o material genético de bebês - Reuters
He Jiankui, cientista chinês que disse ter editado o material genético de bebês Imagem: Reuters

De Tilt, em São Paulo

30/12/2019 10h36

O geneticista chinês He Jiankui, que chocou o mundo ao revelar a suposta criação das primeiras crianças geneticamente modificadas, foi condenado nesta segunda-feira (30) a três anos de prisão por ter praticado a medicina ilegalmente. Segundo a agência de notícias oficial Xinhua, ele também foi multado em 3 milhões de yuans (cerca de R$ 1,7 milhão).

Outros dois pesquisadores, Zhang Renli e Qin Jinzhou, foram sentenciados a dois anos e a 18 meses de cadeia, respectivamente, e terão de pagar multas de 1 milhão e de 500 mil yuans (R$ 580 mil e R$ 290 mil).

"Os três acusados não tinham a certificação apropriada para praticar medicina, e ao buscar fama e riqueza violaram deliberadamente regulamentos nacionais de pesquisa científica e tratamento médico", disse a corte. "Eles cruzaram o limite da ética na pesquisa científica e na ética médica."

Em novembro de 2018, He, que era professor-assistente da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul de Shenzhen, anunciou que usou a tecnologia de edição genética conhecida como CRISPR-Cas9, que atua como uma tesoura, retirando e substituindo partes indesejáveis do genoma, para mudar os genes dos embriões e torná-los resistentes ao HIV. Os embriões editados foram implantados no útero da mãe por fertilização in vitro.

Segundo a investigação chinesa, He "produziu falsos documentos de avaliação ética", montou "de forma privada" uma equipe de pesquisa que incluía cientistas estrangeiros e utilizou "tecnologia cuja segurança e eficácia são duvidosas". No total, havia oito casais voluntários para a experiência, segundo os pesquisadores, e um deles desistiu durante o processo.

Os detalhes da experiência nunca foram verificados de forma independente. O governo chinês exigiu a suspensão das atividades científicas do pesquisador dias depois de que o estudo foi anunciado publicamente —deste tipo de edição genética aplicada a humanos é proibido na grande maioria dos países, inclusive na China.

A técnica de edição genética é extremamente controversa, principalmente porque as modificações poder ser transmitidas às gerações futuras e afetar o conjunto do patrimônio genético. A condenação da comunidade científica chinesa e do mundo foi generalizada após os anúncios e houve um pedido por um tratado internacional sobre a edição genética.

Houve críticas ainda porque hoje em dia o risco de os pais passarem o HIV para os filhos é baixíssimo, tornando a edição genética pouco necessária.

O gene que teria sido modificado é o CCR5, usado pelo vírus para atacar o sistema imunológico do ser humano. No entanto, pesquisadores do mundo todo temem as consequências dessa edição, já que ela não deve se limitar à resistência ao HIV. A remoção do CCR5 não responde apenas à imunologia do paciente, o gene ativa o cérebro no enfrentamento de outras infecções, especialmente a gripe.

"Provavelmente isso afetou o cérebro delas", afirmou Alcino J. Silva, neurobiologista da Universidade da Califórnia (UCLA), ao Technology Review, site do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Silva é co-autor de um estudo de 2016 que relaciona a remoção do gene com uma melhora na memória e na criação de novas conexões.

Para a pesquisa, Alcino e seus colegas alteraram os genes de mais de 140 ratos. Os resultados apontaram que o animal sem o gene conseguia memorizar com muito mais facilidade os caminhos do labirinto onde era colocado. O roedor era mais habilidoso até mesmo em se adaptar. Quando percebia que parte do trajeto era modificado, conseguia, mais rapidamente que seus colegas com o CCR5, encontrar novas maneiras de chegar ao outro lado.

He, que é formado na universidade americana de Stanford, sabia disso. Dois dias após revelar sua experiência, foi entrevistado e questionado sobre a pesquisa de Alcino. "Eu vi a pesquisa, ela precisa de verificações independentes", disse. E ainda complementou: "Sou contra o uso de edição genética para aprimoramentos."

Se em ratos a remoção do gene foi positiva, em humanos a história é completamente diferente. Pesquisadores não têm ideia de como o gene pode afetar o cérebro de uma pessoa.

É exatamente por isso que esse tipo de coisa não deve ser feita
Alcino

Além disso, um estudo publicado na revista "Nature Medicine" apontou que pessoas com a mutação genética que He tentou recriar têm probabilidade significativamente maior de morrer ainda jovens. O estudo feito na Universidade da Califórnia, em Berkeley, analisou quase 410 mil pessoas e identificou que as que tinham apenas a versão editada no CCR5 tinham 20% mais probabilidade de morrer antes de chegar aos 78 anos.

"Nesse caso, provavelmente não se trata de uma mutação que a maioria das pessoas gostaria de ter", afirmou o professor Rasmus Nielsen, da UC Berkeley. "Em média, provavelmente será pior por tê-la."

"É impossível prever se as mutações carregadas pelas meninas terão algum efeito", afirma Robin Lovell-Badge, pesquisador do instituto de biomedicina Francis Crick.

Nem todas as pessoas com a mutação morreram jovens, embora essa possibilidade fosse maior. E a expectativa de vida depende de uma complexo combinação que leva em conta seu DNA e as circunstâncias em que você vive. (Com agências internacionais)